julho 26, 2004

Incêndios e Cabeças Duras

Há pouco menos de um ano escrevi um texto, Fatal como a ignorância, sobre esta matéria. Infelizmente aquilo que parece uma evidência para mim e para a quase totalidade da população rural, não o é para as nossas autoridades que nos desgovernam, para os nossos ambientalistas que nos desgraçam e para os nossos intelectuais que parasitam os nossos órgãos de comunicação social.

Toda aquela caterva de ignorantes auto-convencidos deveria colocar-se as seguintes questões:

Porque é que, de ano para ano, de há muitos anos para cá, os meios de combate aos incêndios têm vindo a aumentar em quantidade e em qualidade e os fogos são cada vez maiores e mais incontroláveis?

Porque é que é justamente nas áreas protegidas que o fogo se ateia e progride com mais intensidade, que é mais difícil combatê-lo e circunscrevê-lo?

Porque é que há uma forte correlação entre o aumento das áreas protegidas (REN, Rede Natura, Biótipo Corine, etc.) e o aumento dos incêndios em quantidade e sobretudo em poder de devastação?

Em primeiro lugar há uma questão estrutural que se refere à progressiva e acelerada desertificação rural cujo processo tem que ser parado e fazê-lo regredir. Escrevo desertificação rural e não desertificação do interior porque o abandono da agricultura e da silvicultura acontece no interior, mas também no litoral, mesmo nas imediações dos grandes aglomerados urbanos.

As terras têm que ser limpas e tratadas. As matas e florestas têm que ser limpas. O nosso país tem que ser amanhado e cuidado. Não podemos deixar os campos agrícolas transformarem-se em baldios e as florestas encherem-se de mato e ficarem absolutamente intransitáveis. É claro que o grau de abandono a que chegaram os campos e florestas portuguesas não permite que de um ano para o outro a situação seja reposta. É por isso que temos de começar já. Há que haver planos de fomento rural, no sentido de repovoar o interior e fomentar a agricultura e silvicultura em todo o país.

Mas o que é mais inquietante, verdadeiramente criminoso, e por isso mesmo de solução mais rápida e radical é a questão das áreas protegidas. Aqui confluem dois tipos de erros monstruosos:

1 – A incapacidade e a incúria do Estado português em tomar conta daquilo que tem a seu cargo;
2 – Os mitos estúpidos e criminosos dos ambientalistas que parasitam o aparelho do Estado, nomeadamente os organismos tutelados pelo Ministério do Ambiente, e parasitam a Comunicação Social, de onde apoiam as acções e inacções dos primeiros e promovem os álibis para mascarar as realidades dos factos.

Uma das ideias peregrinas dos ambientalistas e amigos dos animais foi a de que a limpeza das matas e florestas destrói a biodiversidade. Não me refiro obviamente às queimadas, mas à desmatação, ripagem e frezagem executadas por meios mecânicos.

Muitos agricultores se queixaram, no rescaldo das incêndios do ano passado, que tinham sido impedidos de tratarem das matas por exigências de técnicos do Estado. O Estado não trata das matas, nem deixa tratar! Os técnicos que o fizeram, no seu desdém pela ignorância dos rurais, ainda não se devem ter dado conta da sua actuação criminosa, pois para eles apenas contam os imortais princípios da defesa da biodiversidade. Mesmo que o resultado seja o aniquilamento dessa biodiversidade. Mas aí há um alibi forte: a culpa é dos outros - quem pegou fogo, a mão criminosa, falta de meios dos bombeiros, etc..

Ainda ontem um dirigente da Quercus, Francisco Ferreira, difundia nos meios de comunicação a teoria de que a culpa do fogo que devastava o Parque Nacional da Arrábida era de um deficiente ordenamento, pois havia gente que havia construído casas nas imediações da paisagem protegida e, portanto, os bombeiros tiveram que dar prioridade à contenção do incêndio junto às casas em vez de mobilizarem todos os seus meios no ataque ao fogo no Parque.

Portanto, para este inteligente líder ambientalista e para os meios de comunicação que lhe difundem as teorias, para além da área protegida, terá que haver uma área de protecção à área protegida, onde o fogo pode devastar tranquilamente, enquanto os bombeiros atacam no centro da área protegida. Todavia, como as áreas protegidas em Portugal têm uma inusitada propensão para arderem, no próximo e irremediável incêndio pôr-se-á novamente a embaraçosa questão da contenção do fogo que ameaça as casas nas imediações da área de protecção à área protegida.

Mas tal não embaraçará Francisco Ferreira que exigirá então uma nova área de protecção à área de protecção à área protegida ... e assim sucessivamente.
Ora foi claro que a devastação do fogo deveu-se ao facto de os bombeiros não poderem penetrar na área protegida porque a densidade de mato e dos arbustos tal o impediu. Aliás se a área protegida estivesse realmente protegida, isto é, tratada e desmatada, provavelmente nem se atearia o incêndio. E se se ateasse, os caminhos corta fogo dificultariam a propagação do incêndio e facilitariam a movimentação dos bombeiros e dos seus meios de combate ao fogo. Mas a Quercus nunca poderá reconhecer isto. Os ambientalistas, e os meios de comunicação que lhes dão cobertura, hão-de defender a biodiversidade e todos os seus mitos insensatos até à devastação total das áreas protegidas portuguesas.

Não é possível erradicar a piromania e a negligência, embora possam ser minoradas com campanhas e acções preventivas. Portugal não tem, por si só, mesmo que respeitasse o protocolo de Quioto, capacidade de alterar as condições climatéricas. Portanto, a mão criminosa e a canícula são dados do problema. Neste entendimento tem que apostar na prevenção, criando condições para que os incêndios, quando se deflagram, sejam controláveis e não adquiram as características de catástrofes incontroláveis, como tem acontecido nos últimos anos. Na situação em que as florestas e áreas «protegidas» se encontram nunca haverá meios humanos e materiais suficientes. Quem julga isso é porque nunca viu mato a arder no Verão.

No nosso país, em face de uma calamidade, para acalmar a opinião pública, cria-se um instituto ou uma agência, e legisla-se. Legisla-se muito e afincadamente. Com um organismo estatal e umas leis e portarias o país e os governos ficam tranquilos. Por isso alguns acusam a lentidão da instalação da Agência para a Prevenção de Incêndios Florestais ou da promulgação de uma lei salvadora como causas dos recentes incêndios devastadores. Puro disparate. Para que servem agências (aliás, já existe o Sistema Nacional de Prevenção e Protecção da Floresta contra Incêndios) e leis se o próprio Estado, através dos organismos que tutela, não é capaz, por desleixo e/ou em nome dos imortais princípios, de efectuar a prevenção nas áreas «protegidas» que estão à sua guarda e protecção?

E assim passaremos os verões, até ganharmos juízo, a bramir contra o calor, contra as mãos criminosas, contra a descoordenação e falta dos meios, etc. … contra a nossa impotência.

Apenas damos socos no ar.

Publicado por Joana em julho 26, 2004 09:23 PM | TrackBack
Comentários

Completamente de acordo

Afixado por: David em julho 27, 2004 05:36 PM

JM Fernandes, hoje, no Público, fez-se eco do alibi absurdo da Quercus.
JMF só deve ver fogos na TV.

Afixado por: Joana em julho 27, 2004 07:47 PM

É estranho. Os bombeiros e os reporteres falam nos acessos difíceis ou impossíveis, mas depois nem comentadores nem responsáveis ligam a isso.
Parece não ser relevante

Afixado por: Justo em julho 27, 2004 09:33 PM

Estão todos feitos uns com os outros

Afixado por: arceu em julho 28, 2004 12:19 AM

O país não tem salvação. Está entregue aos lobbies e o pior deles é o dos ambientalistas

Afixado por: Rui Sá em julho 28, 2004 02:49 PM


Por que arde o país?

Descobriu-se a pólvora: há que investir na prevenção. O próprio governo não se pôs de fora: nas vésperas da época crítica dos fogos disponibilizou alguns milhões para… a prevenção. Afinal, de que se está a falar quando se fala de prevenção? Aumentar a vigilância das zonas arborizadas? Limpar essas zonas?

Por um lado, estando fora de causa recrutar pessoal para a administração pública ou local, seria aconselhável que essa vigilância fosse confiada ao Exército e à Força Aérea. Tal não sucede. Este ano, segundo os jornais, o Dr. Portas disponibilizou para este efeito cerca de 30 (trinta) mancebos.

Por outro lado, com o fim da agricultura, as terras encontram-se ao abandono. Havendo um enorme número de propriedades rústicas de reduzida dimensão, a sua exploração não é economicamente rentável. Assim sendo, as terras não são periodicamente limpas. Acontece que a tributação em sede de património e de rendimento privilegia esta situação, favorecendo o absentismo.

A única forma de prevenção que poderia reduzir o número de incêndios seria impor um regime de tributação que estimulasse o aparecimento de unidades económicas com a dimensão necessária para que se tornassem viáveis.

Os governos não têm tido a coragem de o fazer. Preferem deixar arder o país. A reestruturação da propriedade fundiária far-se-á um pouco mais tarde – então, provavelmente, apenas em função dos interesses das empresas de celuloses. O ministro Álvaro Barreto veio de lá.

http://pula_pulapulga.blogspot.com/

Afixado por: pulga em julho 28, 2004 07:35 PM

pulga:
E porque é que ardem as matas nacionais? E devastadoramente?
E porque é que os bombeiros não conseguem chegar ao centro dos fogos nas matas nacionais?

Afixado por: Joana em julho 29, 2004 12:30 AM


Joana:

Até pensei que pudéssemos, por uma vez, estar de acordo... Parece-me tão evidente o que escrevi!

As matas nacionais ardem por incúria do Estado. E porque o Estado «prefere» comprar submarinos a afectar verbas para a limpeza das matas. Em todo o caso, veja lá se Monsanto arde... é claro que não arde porque há limpeza e até uma corporação de bombeiros no coração do parque.

http://pula_pulapulga.blogspot.com/

Afixado por: pulga em julho 29, 2004 11:09 AM

Nem sabemos cuidar das nossas florestas. É uma desgraça

Afixado por: riuse em agosto 1, 2004 02:00 AM

pulga em julho 29, 2004 11:09 AM:
Monsanto não tem ardido porque tem ocupação humana no seu interior. A ocupação humana não impede que o fogo se ateie, mas facilita a sua rápida contenção.
O Estado não limpa as matas por incúria e porque os amigos dos animais querem proteger a biodiversidade. Não tenha dúvidas.
E pare de dizer que para resolver problemas precisamos de mais dinheiro. Isso é o que todos os organismos do Estado dizem. Quando se lhes pede para funcionarem dizem que precisam de mais dinheiro.

Afixado por: Joana em agosto 2, 2004 12:59 AM

Joana, tem toda a razão. Só quem conhece o campo percebe essa situação.

Afixado por: fbmatos em agosto 3, 2004 12:27 AM

De acordo, fbmatos. A nossa comunicação social parecem borboletas atrás de fogachos sem perceberem a realidade das coisas

Afixado por: Nereu em agosto 3, 2004 12:48 AM

O artigo de hoje no Público do Sevinate Pinto é bem interessante

Afixado por: vde em agosto 3, 2004 11:40 AM

Também gostei desse artigo do Sevinate.

Afixado por: Rita em agosto 5, 2004 01:00 PM

Face à sua simpática visita e ao comentário que deixou no meu blog, aqui estou para num ponto de vista concordar consigo. Em relação ao papel que tem vindo a ser desenvolvido pelas associações ambientalistas estou cem por cento de acordo, porque são os preservadores da conspurcação das matas e digo isto com convicção porque os lixos próprios que as matas e as florestas produzem não o deixam de o ser. Mas que isso seja só a causa bastante para que os incêndios aumentem consideravelmente de ano para ano, muito embora se gastem mais meios com o combate, neste particular já não concordo. Está a esquecer-se que nisto existem muitissimos interesses envolvidos e esses não são fáceis de combater.

Afixado por: congeminações em agosto 5, 2004 01:50 PM

Gostei muito do texto e penso que criticar o governo, as autoridades, bombeiros, não é o suficiente pois isso vai alterar pouco no modo de pensamento deles.
Eles só pensam na Economia, no desenvolvimento, mas esquecem-se que se não houver preocupação com o Ambiente, a longo prazo viremos a ter problemas económicos. É preciso sensibilizar as pessoas para este tipo de situações. São nescessárias muito mais pessoas em cursos como: Geografia, Eng. Ambiente, Eng. Florestal. Ainda agora me apercebi que já só existem 200 linces ibéricos e só quando virmos a notícia de que o lince se extinguiu é que vamos ter pena e será tarde de mais.

Afixado por: Rúben em janeiro 19, 2005 12:00 PM

Algumas coisinhas básicas sobre incêndios:
1. Desde que há vegetação na Terra que há fogos
2. Isto é especialmente verdade em regiões, como a nossa, de clima mediterrâneo
3. Sem fogo não teríamos os valores naturais que temos, eles resultam de um processo evolutivo e de adaptação ao fogo que tem milhões de anos
4. O problema actual é que há fogo a menos numa parte do Mundo e fogo a mais noutra. Num caso como o outro a culpa é do Homem, por omissão, no 1º caso, ou por acção, no 2º
5. É verdade que a única forma de limitar a expansão de grandes incêndios e lhes moderar a intensidade é intervir na vegetação. Aqui não há volta a dar-lhe, por muita dissuasão, detecção e meios de combate que existam ...
6. A construcção de casas em áreas florestais perturba severamente o combate a um incêndio, porque desvia a acção dos bombeiros da extinção do fogo para a protecção de bens e vidas humanas. Isto, em Portugal, acaba por não ser importante, porque os nossos bombeiros (a culpa não é deles, entenda-se) ignoram quase tudo sobre o combate a incêndios florestais
7. Finalmente, a visão do comum cidadão sobre o fogo (catástrofe! desgraça! miséria!) apenas apanha o lado negativo. Para que as coisas mudem as pessoas (especialmente as urbanas) têm que ser educadas não só sobre os malefícios como também sobre os benefícios do fogo (ou pelo menos de alguns fogos, ou de um regime de fogo não só aceitável como também desejável)

Afixado por: Paulo Fernandes em fevereiro 19, 2005 06:10 PM
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