setembro 02, 2005

Entradas de Leão

Saídas de …

O Ministro da Agricultura afirmou anteontem que iria aplicar coimas às autarquias que não tivessem cumprido as medidas legais de protecção contra os fogos florestais. Esta notícia fez manchete do Público de 31-08-05 e ocupa uma página quase inteira do interior do jornal. “No princípio do Outono vai haver notificações para as autarquias e para os privados” afirmou de peito feito. Esta afirmação é notável, pois demonstra alguma coragem, muita ignorância e uma completa insensatez.

É preciso alguma coragem para arrostar com o poder autárquico; é preciso muita ignorância para não saber que estava a acusar as autarquias e os privados de infracções em que o Estado é um dos principais praticantes; é preciso uma completa insensatez para não perceber que se iria meter num vespeiro que poderia pôr a nu e trazer para a ribalta todo o laxismo do Estado nesta matéria e as suas responsabilidades.

Obviamente que a resposta das autarquias foi fulminante e violenta: “Caso notifique as autarquias, conforme disse, o senhor ministro terá não só a resposta política às asneiras que proferiu, mas também a dos tribunais”, disse um membro da Associação Nacional de Municípios, que acusou o ministro de ser “política e intelectualmente desonesto”, conforme notícia que hoje (1-09-05) apareceu exilada numa página interior do Público, tão interior e tão exilada que eu só a descobri depois de ouvir, na rádio, o Ministro a deitar água na fervura das suas anteriores declarações e após folhear várias vezes o jornal! Nessa “tira”, o presidente da CM Viseu considerava que o Estado “não tem legitimidade para apontar o dedo às autarquias já que é ele o primeiro prevaricador: O Pinhal de Leiria, as estradas florestais de sua responsabilidade e as matas nacionais são uma vergonha! Se quer ter legitimidade, que dê o exemplo, que não deixa as suas matas piores que as outras.

Entretanto, para desviar as atenções, a Quercus, a representante “no exterior” dos ambientalistas do ICN, deu uma conferência de imprensa, pondo em dúvida a eficácia dos meios aéreos, alegando indícios estranhos onde mostrava que não fazia a mínima ideia do que falava e que apenas convocara aquela conferência de imprensa para criar um facto mediático para fazer esquecer a lebre que o ministro levantara. A Quercus (e o ICN) pode ser insensata, mas não é ignorante sobre o estado de limpeza das matas do Estado e daquelas, “protegidas”, onde o Estado impede objectivamente a limpeza. A última coisa que a Quercus (e o ICN) quer é que se comece a falar da limpeza das matas.

O problema do ministro é, ao que aparenta, conhecer a problemática dos incêndios apenas pela comunicação social. Não faz ideia do estado das matas do Estado. Ora a comunicação social está completamente manipulada pelo lobby ambientalista e as notícias sobre o desleixo nas matas nacionais não passam, porque não é desleixo, é uma “questão de princípio”. Todavia, ao meter-se com o poder autárquico, o ministro mete-se com uma instituição que também tem, pela sua força, um acesso garantido à comunicação social. Agora foi apenas uma “tira” perdida na página 22, mas se a situação se prolongar o poder autárquico tem força bastante para aparecer em manchete nos jornais, por muito manipulados que estes estejam. O poder autárquico não é a sujeição dos pequenos proprietários das áreas protegidas, que têm que assistir aos incêndios dos seus bens pela TV, sem possibilidade de ter feito, em tempo oportuno, nada para obviar a tragédia, nem conseguir fazer passar o seu protesto. O poder autárquico é acusado de estar cheio de mafiosos? Será … mas a máfia é uma força perigosa e inventiva, quando a põem em cheque.

O ataque às causas profundas dos incêndios tem que começar pela própria administração central. O governo não pode exigir aos outros, principalmente às autarquias que são um adversário poderoso quando hostilizado, aquilo que não faz. Ao exigi-lo coloca-se, e coloca o país, numa situação vulnerável. Nunca resolveremos a questão dos incêndios desta forma, em que cada um só olha para o laxismo dos outros. Esta é uma questão que terá que ser resolvida por todos – Estado, autarquias, particulares – de forma integrada e tendo, cada um dos protagonistas, a honestidade de assumir com rigor e objectividade as suas responsabilidades e as suas insuficiências. Ao sustentar na administração pública comportamentos que, objectivamente, fragilizam sua posição (para além de tornar as matas nacionais em bombas incendiárias), o governo prejudica o país, sem ganhar nada com isso. As teorias dos ambientalistas sobre a (não) limpeza das matas não têm a ver com quaisquer opções políticas, não passam de manias.

São todavia manias caras e perigosas, pois a continuação desta situação vai obrigar, desnecessariamente, a custos muito elevados em meios de combate a incêndios, sem resolver o problema dos fogos que vão continuar devastadores enquanto as suas causas profundas não forem eliminadas.

Publicado por Joana às 12:01 AM | Comentários (60) | TrackBack

agosto 28, 2005

Figuras de Urso

O incêndio da Mata Nacional do Urso merece umas linhas, não pelo facto em si, pois os incêndios das matas nacionais tornaram-se banais; não pelo facto da Mata estar cheia de mato por limpar, pois a ausência de limpeza banalizou-se; não pelo facto de não haver caminhos de acesso para bombeiros, pois esses caminhos são delitos ambientais para o Estado português. Apenas porque servem para ilustrar que o PR e membros do Governo, quando botaram espicho há dias, fizeram-no sem saber do que estavam a falar – desconheciam o país que se supõe que governam: a sua geografia física, económica e humana, o estado das florestas tuteladas pelo Estado e as razões porque não são limpas, o rigor dos registos e cadastros e as razões porque os não conseguem actualizar.

Os portugueses não tratam das coisas por desleixo. Adicionalmente, no caso das florestas, os particulares não as desmatam por estarem descapitalizados e o Estado não as desmata por razões ideológicas. E o que espelha a situação moral do país é o silêncio ensurdecedor dos profissionais da comunicação social sobre as causas profundas da “telenovela dos incêndios”, apenas cortado por uma ou outra “carta ao Director” ou pelas lamentações de algum autarca à beira de um ataque de nervos.

Publicado por Joana às 08:08 PM | Comentários (38) | TrackBack

agosto 25, 2005

Cão que ladra, não morde

Quando a época dos fogos está prestes a terminar, engrossam as vozes dos dirigentes políticos. Desta vez não valeu, para a próxima é que vão ver – temos, na ponta das canetas, dúzias de pacotes legislativos que irão acabar com os incêndios. O PR, que apenas abandonou a pacatez das suas férias para condecorar um conjunto de música pop, assim que marcou o cartão de ponto no regresso de férias, apareceu cheio de vitalidade a debitar jorros de banalidades – temos que meditar, temos que reordenar, temos que reestruturar. O Governo asseverou que vai haver limpeza coerciva (já havia, mas agora é a sério). Plumitivos inflamados brandem com a ameaça da expropriação, certamente com o olho nas matas nacionais que seriam igualmente expropriadas ao Estado e vendidas a particulares.

Uma das coisas que causa maior admiração é verificar que os dirigentes políticos não fazem a mais pequena ideia do país que governam. Basta ver a questão da identificação fiscal dos imóveis que o Ministério das Finanças tem tentado regularizar há mais de um ano, que tem sido objecto de diversas prorrogações e à qual foi dada uma terceira prorrogação, cujo prazo termina no fim de 2005. Num total de 6.166.008 prédios, 3.716.350 prédios continuam sem identificação fiscal. Após um ano, duas prorrogações e diversas ameaças, os prédios devidamente identificados ainda não atingem os 40%.

Portugal tem cerca de 9 milhões de hectares. Faltam identificar 3.113.535 prédios rústicos, ou seja, os prédios rústicos por identificar devem ter, na sua quase totalidade, uma área bastante inferior a 1 hectare. A maioria desses prédios rústicos deve ter um valor venal inferior aos custos da sua regularização. O preferível para muitos desses proprietários é o deixar andar e utilizarem a sua terra, escudados do direito consuetudinário e no reconhecimento dos vizinhos. Provavelmente muitos imóveis foram transmitidos por herança sem que as respectivas escrituras de partilhas fossem realizadas, registadas e liquidados os respectivos impostos. Ou constituem ainda heranças indivisas. Em muitos casos poderá ter havido mais que uma transmissão sem registo e os primitivos herdeiros já nem existirem.

Esta situação devia-nos fazer meditar sobre a situação da esclerosada máquina do Estado. E no país paralelo que se criou como defesa contra essa máquina esclerosada e odiosa. Não é uma doença recente, ela arrasta-se há séculos e continuamos a não encontrar remédio para ela.

Com um país assim, como é que as autoridades vão impor a “limpeza coerciva”? A quem? Falam em penalizações fiscais!! Como identificam o prevaricador? Como o obrigam a pagar? Falam em que nos casos em que essa limpeza não for feita, o Estado substituir-se-á ao desleixado e cobrar-lhe-á depois os encargos. O ministro que diz isto não deve ter qualquer vergonha na cara … então se o Estado não é capaz de limpar as suas matas!? É claro que o ministro que faz estas poderosas e decisivas afirmações, não é o ministro que tutela os organismos que deveriam limpar as matas nacionais, mas o decoro obrigaria a que antes se informasse do desleixo que mora no ministério ao lado.

Depois, se 94% da área florestal é privada, uma parte muito significativa dessa área está englobada nas áreas protegidas, tuteladas pelo Ministério do Ambiente. Todos os anos há protestos dos agricultores sobre as dificuldades que o ICN põe à limpeza das suas florestas. Percebe-se … são áreas protegidas … ou limpam de acordo com um projecto aprovado pelo ICN ou nada feito … deixa arder, para o fogo redentor dirimir aquela disputa. Os agricultores não são nababos que possam despender com a limpeza a la carte e as papeladas preparatórias tudo o que os maníacos ambientalistas do ICN exigirem. O governo finge esquecer este assunto, mas terá que o resolver simultaneamente com a avalanche legislativa com que pretende apagar os incêndios.

Outra ideia peregrina é a exigência que as espécies silvícolas a reflorestar sejam aquelas que os técnicos governamentais entenderem. O próprio pinheiro, essa nobre árvore à qual D. Dinis deve boa parte da sua reputação, tem sido condenado em todos os areópagos, incluindo o julgamento sumário e furibundo do MST. O mais surpreendente é o facto dos actuais carrascos do pinheiro serem os mesmos que há anos lamuriavam contra o abate dos pinheiros jovens para serem vendidos como árvores de Natal. Sabe-se que num pinhal em crescimento, há pinheiros que têm que ser periodicamente abatidos, para permitir o crescimento dos outros. A venda de árvores de Natal possibilitava um escoamento de muitos, que agora só servem para lenha. Na questão do pinheiro, como noutras, os nossos fazedores da opinião pública chutam para o lado para que estão virados. E quando estão a chutar, não se lembram que o chuto anterior havia sido na direcção oposta e que nenhum deles vai na direcção da baliza.

Reflorestar com as espécies silvícolas que os técnicos governamentais entenderem apropriadas. Em primeiro lugar é um convite à corrupção. Em segundo lugar, e admitindo que a máquina estatal funcionasse e não houvesse corrupção, como iria o Governo convencer os particulares a plantarem árvores sem interesse económico? Pagaria a diferença entre o valor económico da espécie pretendida pelo particular e da outra, da “apropriada”?

Muitas vozes se têm erguido contra a “criminosa política florestal” que tem sido seguida. Se apor “criminosa” faz bem, pois permite descarregar a raiva numa frase que exprime indignação, “política florestal” é um perfeito disparate. Não me parece que tenha havido qualquer política florestal. Nem activa, nem passiva, pois mesmo o plantio do eucalipto, árvore claramente prejudicial para os nossos terrenos, não tem sido evitado.

O nosso problema é que temos um Estado que tem um funcionamento terceiro-mundista e proprietários rurais descapitalizados e desqualificados. O Estado tem dificuldade em impor regras porque nem conhece o país (não há cadastros, nem registos actualizados) nem tem o comportamento que pretende exigir aos particulares. O Estado é mais desleixado, em média, que os particulares e a sua máquina burocrática só serve para travar os particulares, nunca para os incentivar.

Publicado por Joana às 11:16 PM | Comentários (85) | TrackBack

agosto 22, 2005

Uma Floresta de Ideias

Certo dia um camponês foi-se queixar a um sábio ancião – o fogo tinha devastado uma parte da sua propriedade e ele queria um conselho do ancião, conhecido naquelas terras e arredores pela sua sabedoria, sensatez e sapiência de aconselhamento.

– Meu filho – disse o ancião após breve mas sábia reflexão – a natureza castiga aqueles que não a amam. Mostra o teu amor pela natureza desenhando com o teu canivete um coração em cada árvore.

E assim o camponês obrou como lhe havia sido sugerido.

No ano seguinte o camponês voltou desesperado ao tugúrio do sábio ancião, clamando que tinha ardido mais uma parte da sua propriedade. O sábio ancião cofiou longamente a barba branca como a neve, enquanto reflectia sobre o assunto. Após madura reflexão, disse-lhe:

– A floresta precisa de carinho. Compra uma aparelhagem sonora e, quando o Verão se aproximar, põe a música a tocar em permanência. E deu-lhe uma lista de CD’s para ele adquirir, onde pontificavam o Canto Gregoriano, Josquin Desprez, Monteverdi, Buxtehude e Bach, tudo artistas que o camponês desconhecia, pois que nunca, até então, haviam actuado nas festas anuais da terra. O camponês saiu de lá todo satisfeito. Seguramente que aquele conselho não falharia.

No ano seguinte, tocava em força a “Vespro della Beata Virgine”, desencadeou-se um novo e aterrador incêndio. O camponês acorreu outra vez ao aprisco do sábio ancião e deu-lhe a triste nova. O ancião que já se preparara, pois ouvira o alarido público, disse-lhe com voz doce, mas firme:

– Meu Filho, todos os acontecimentos procedem de uma necessidade do destino. O fogo não se limita a obedecer a essa lei inexorável, mas observa a lei e ajuíza de acordo com ela. O fogo sempre existiu e sempre existirá, acendendo-se segundo a medida e segundo a medida se extingue. Na sua progressão, o fogo captura, julga e condena todas as coisas. Para escapares a esta ordem cósmica, que sempre existiu e sempre existirá, toma lá estes papéis onde transcrevi toda a sabedoria de Heraclito e, quando estiver próximo o Verão, todos os dias, de manhã e ao cair da noite, vai junto das tuas árvores e lê uma frase das que estão aqui escritas. Nunca falhes.

O camponês que não percebera nada daquela lengalenga e nunca ouvira falar de Heraclito, um santo homem, sem dúvida, para estar assim em teres e haveres de sabedoria com o ancião, cumpriu fielmente as instruções. Só falhou uma noite, única e fatal. Foi a noite em que, quando chegou à sua propriedade, o fogo consumia, impiedoso, as últimas árvores. Emudeceu de tristeza e de resignação. Nem quando uma repórter da TV, em horário nobre, se abeirou e lhe perguntou como estava a “apreciar” o sinistro, uma palavra, um gemido, um soluço saiu daquela boca.

No dia seguinte, logo pela alvorada, o camponês voltou ao redil do sábio ancião e anunciou-lhe que já nada restava da sua propriedade. O pouco que havia, tinha sido consumido pelo fogo no dia anterior. O ancião, que sempre havia mostrado a maior prudência e moderação, exasperou-se:

– Nada? Não sobrou mesmo nada??

– Nada … a minha propriedade é agora um pedaço de terra nua e negra como um tição.

– Que maçada! Não fazes a mais pequena ideia quanto isso me entristece. E logo agora que eu ainda tinha tantas ideias boas!


Nota: Com algumas mudanças (mutatis mutandis) esta história é válida para o Controlo Orçamental, Política Económica, Justiça, alocuções do PR, etc., etc..

Publicado por Joana às 05:53 PM | Comentários (70) | TrackBack

agosto 07, 2005

Desleixo e Mitos

Um dos paradigmas da forma como em Portugal se analisam os assuntos é a “discussão sobre os incêndios”. Fala-se muito, mas não se vai à raiz do problema. Fala-se dos meios de combate aos incêndios e da descoordenação. Todavia, de ano para ano, de há muitos anos para cá, têm vindo a aumentar, em quantidade e em qualidade, os meios de combate, e os incêndios são cada vez maiores e mais incontroláveis. Fala-se em mãos criminosas e na teoria da conspiração. Todavia, quando se apanham os pirómanos verifica-se que se tratam de pequenas vinganças, ou de pirómanos patológicos. E sempre houve pirómanos e sempre houve ajustes de contas nos meios rurais.

Fala-se igualmente do calor. É evidente que temperaturas anormalmente elevadas, como as destes últimos três anos, e teores de humidade muito baixos facilitam a propagação dos incêndios. Mas sempre houve calor nesta época e há cada vez mais incêndios. Fala-se em que temos uma área florestal demasiado extensa, mas já a temos há mais de meio século e a devastação dos incêndios tem-se acelerado nos últimos anos.

Fala-se em desertificação do interior, mas ultimamente muitos dos grandes incêndios têm sido, justamente, em distritos bastante urbanizados, onde essa desertificação não se fez sentir, bem pelo contrário. Fala-se que os proprietários não cuidam das florestas, mas os incêndios mais devastadores têm ocorrido em áreas protegidas, tuteladas pelo Estado.

A causa mãe dos incêndios é a ausência de limpeza das matas e florestas. As matas e florestas têm que ser limpas e amanhadas. Não podemos deixar os campos transformarem-se em baldios e as florestas encherem-se de mato e ficarem absolutamente intransitáveis. O mato é o elemento que serve de suporte à propagação do fogo. A velocidade com que o fogo avança no mato, no verão, quer façam 30º, quer façam 40º, é medonha, é sinistra. É muito difícil deitar fogo a uma árvore, mas se o mato à sua volta estiver a arder, a intensidade calorífica gera temperaturas elevadíssimas, as chamas passam aos ramos e rapidamente alastram às copas. Os troncos não ardem, devido à humidade interior, mas as árvores, com a folhagem e a ramagem carbonizadas, ficam incapazes de sobreviverem.

Um incêndio numa área florestal extensa e cheia de mato é incontrolável. A discussão sobre a quantidade de meios é despicienda. A diferença entre ter todos os meios do mundo, ou apenas alguns parcos meios não é muito significativa.

Portanto as florestas têm que ser desmatadas anualmente, na primavera, e estabelecidos aceiros e caminhos corta-fogo. A pergunta seguinte é: Porque é que isso não acontece?

A primeira causa é o abandono rural. E refiro o abandono rural e não desertificação interior, porque esse abandono acontece em todo o país. Ao lado das grandes cidades há extensas zonas abandonadas, onde o mato cresce livremente e onde o incêndio é facilitado justamente pela presença humana (aumentando o risco de negligência ou acto criminoso). É claro que o grau de abandono a que chegaram os campos e florestas portuguesas não permite que de um ano para o outro a situação seja reposta. É por isso que temos de começar já. Há que encontrar incentivos para fomentar o repovoamento das áreas desertificadas.

Outra causa é a utilidade cada vez menor dos produtos resultantes da desmatação. O custo da limpeza das florestas passou a ser apenas uma apólice de seguro, bastante cara, para protecção contra incêndio. Não traz qualquer contrapartida financeira. Sendo a competitividade do nosso sector agrícola bastante baixa, este custo adicional sai fora do orçamento de muitos proprietários rurais. A construção de unidades que processem a biomassa poderia ajudar. Ora essas unidades correspondem a projectos na área ambiental fortemente comparticipados, a fundo perdido, pela UE. É uma solução que, com a colaboração dos municípios, tem pernas para andar.

Finalmente temos o desleixo Estatal. Porque é que há uma forte correlação entre o aumento das áreas protegidas (REN, Rede Natura, Biótipo Corine, etc.) e o aumento dos incêndios em quantidade e sobretudo em poder de devastação? Aqui confluem dois tipos de erros:

1 – A incapacidade e a incúria do Estado português em tomar conta daquilo que tem a seu cargo;
2 – Os mitos dos ambientalistas que parasitam o aparelho do Estado, nomeadamente os organismos tutelados pelo Ministério do Ambiente, e parasitam a Comunicação Social, de onde apoiam as acções e inacções dos primeiros e promovem os álibis para mascarar as realidades dos factos.

Uma das ideias peregrinas dos ambientalistas e amigos dos animais foi a de que a limpeza das matas e florestas destrói a biodiversidade. Não me refiro obviamente às queimadas, mas à desmatação, ripagem e frezagem executadas por meios mecânicos.

Afirmei aqui, o ano passado, que muitos agricultores se queixaram, no rescaldo daos incêndios, que tinham sido impedidos de tratarem das matas por exigências de técnicos do Estado. E concluí: O Estado não trata das matas, nem deixa tratar! Os técnicos que o fizeram, no seu desdém pela ignorância dos rurais, ainda não se devem ter dado conta da sua actuação criminosa, pois para eles apenas contam os imortais princípios da defesa da biodiversidade. Mesmo que o resultado seja o aniquilamento dessa biodiversidade. Mas aí há um alibi forte: a culpa é dos outros - quem pegou fogo, a mão criminosa, falta de meios dos bombeiros, etc..

Ninguém me acreditou, o que é natural: a blogosfera é utilizada por pessoal urbano que, com raras excepções, apenas conhece o mundo rural através das revistas. Todavia, há dias, o silêncio que o lobby dos ambientalistas tinha imposto à comunicação social, rompeu-se: a TVI transmitiu queixas de proprietários rurais da zona da Arrábida. Um deles, a quem o fogo queimou mais de 250 hectares de terreno, afirmou que a situação podia ser evitada, ou pelo menos minorada, se não houvesse tantas limitações impostas pelo ICN para a limpeza dos terrenos. O ICN não limpa as matas do Estado e impede a limpeza das matas privadas que estão dentro do perímetro da área protegida. Obviamente que a direcção do Parque Natural da Arrábida não esteve disponível para falar para as câmaras da TVI, mas esclareceu que sempre foram “concedidas as devidas autorizações para as limpezas dos terrenos, embora com certas regras e normas que têm que ser cumpridas”. Esta explicação é de um cinismo atroz. O proprietário tem que pedir autorização para limpar a sua mata e só pode limpar a sua mata de acordo com as regras do ICN. Não lhe serve de nada: vai gastar muito mais dinheiro e, para proteger a biodiversidade, terá que deixar o solo de forma a continuar a servir de rastilho para o fogo. É um custo perfeitamente inútil.

Para além da Arrábida, há Sintra-Cascais, Mafra, São Mamede, tudo áreas devastadas pelo fogo devido ao desleixo estatal e aos princípios politicamente correctos da biodiversidade.

Se não pusermos cobro a estas causas dos incêndios, vamos continuar a passar os verões, até ganharmos juízo, a bramir contra o calor, contra as mãos criminosas, contra a descoordenação e ausência dos meios, etc. … contra a nossa impotência.

Publicado por Joana às 10:56 PM | Comentários (127) | TrackBack

julho 04, 2005

A Veado dado … não se olha a fogo

Os incêndios mais devastadores são os que ocorrem nas áreas protegidas, entregues à intervenção estatal. Não é por acaso. O Estado não trata das suas matas porque é desleixado por hábitos seculares e porque está dominado pelas ideologias “fracturantes” da biodiversidade. Uma amiga da minha mãe ofereceu, há pouco mais de um ano, 3 veados à Tapada de Mafra, para substituir os que tinham sido vítimas do incêndio anterior. A burocracia estatal tornou essa oferta um martírio. Faço votos para que os animais não estejam a sofrer agora o martírio do inferno do desleixo estatal.

Publicado por Joana às 06:14 PM | Comentários (49) | TrackBack

julho 26, 2004

Incêndios e Cabeças Duras

Há pouco menos de um ano escrevi um texto, Fatal como a ignorância, sobre esta matéria. Infelizmente aquilo que parece uma evidência para mim e para a quase totalidade da população rural, não o é para as nossas autoridades que nos desgovernam, para os nossos ambientalistas que nos desgraçam e para os nossos intelectuais que parasitam os nossos órgãos de comunicação social.

Toda aquela caterva de ignorantes auto-convencidos deveria colocar-se as seguintes questões:

Porque é que, de ano para ano, de há muitos anos para cá, os meios de combate aos incêndios têm vindo a aumentar em quantidade e em qualidade e os fogos são cada vez maiores e mais incontroláveis?

Porque é que é justamente nas áreas protegidas que o fogo se ateia e progride com mais intensidade, que é mais difícil combatê-lo e circunscrevê-lo?

Porque é que há uma forte correlação entre o aumento das áreas protegidas (REN, Rede Natura, Biótipo Corine, etc.) e o aumento dos incêndios em quantidade e sobretudo em poder de devastação?

Em primeiro lugar há uma questão estrutural que se refere à progressiva e acelerada desertificação rural cujo processo tem que ser parado e fazê-lo regredir. Escrevo desertificação rural e não desertificação do interior porque o abandono da agricultura e da silvicultura acontece no interior, mas também no litoral, mesmo nas imediações dos grandes aglomerados urbanos.

As terras têm que ser limpas e tratadas. As matas e florestas têm que ser limpas. O nosso país tem que ser amanhado e cuidado. Não podemos deixar os campos agrícolas transformarem-se em baldios e as florestas encherem-se de mato e ficarem absolutamente intransitáveis. É claro que o grau de abandono a que chegaram os campos e florestas portuguesas não permite que de um ano para o outro a situação seja reposta. É por isso que temos de começar já. Há que haver planos de fomento rural, no sentido de repovoar o interior e fomentar a agricultura e silvicultura em todo o país.

Mas o que é mais inquietante, verdadeiramente criminoso, e por isso mesmo de solução mais rápida e radical é a questão das áreas protegidas. Aqui confluem dois tipos de erros monstruosos:

1 – A incapacidade e a incúria do Estado português em tomar conta daquilo que tem a seu cargo;
2 – Os mitos estúpidos e criminosos dos ambientalistas que parasitam o aparelho do Estado, nomeadamente os organismos tutelados pelo Ministério do Ambiente, e parasitam a Comunicação Social, de onde apoiam as acções e inacções dos primeiros e promovem os álibis para mascarar as realidades dos factos.

Uma das ideias peregrinas dos ambientalistas e amigos dos animais foi a de que a limpeza das matas e florestas destrói a biodiversidade. Não me refiro obviamente às queimadas, mas à desmatação, ripagem e frezagem executadas por meios mecânicos.

Muitos agricultores se queixaram, no rescaldo das incêndios do ano passado, que tinham sido impedidos de tratarem das matas por exigências de técnicos do Estado. O Estado não trata das matas, nem deixa tratar! Os técnicos que o fizeram, no seu desdém pela ignorância dos rurais, ainda não se devem ter dado conta da sua actuação criminosa, pois para eles apenas contam os imortais princípios da defesa da biodiversidade. Mesmo que o resultado seja o aniquilamento dessa biodiversidade. Mas aí há um alibi forte: a culpa é dos outros - quem pegou fogo, a mão criminosa, falta de meios dos bombeiros, etc..

Ainda ontem um dirigente da Quercus, Francisco Ferreira, difundia nos meios de comunicação a teoria de que a culpa do fogo que devastava o Parque Nacional da Arrábida era de um deficiente ordenamento, pois havia gente que havia construído casas nas imediações da paisagem protegida e, portanto, os bombeiros tiveram que dar prioridade à contenção do incêndio junto às casas em vez de mobilizarem todos os seus meios no ataque ao fogo no Parque.

Portanto, para este inteligente líder ambientalista e para os meios de comunicação que lhe difundem as teorias, para além da área protegida, terá que haver uma área de protecção à área protegida, onde o fogo pode devastar tranquilamente, enquanto os bombeiros atacam no centro da área protegida. Todavia, como as áreas protegidas em Portugal têm uma inusitada propensão para arderem, no próximo e irremediável incêndio pôr-se-á novamente a embaraçosa questão da contenção do fogo que ameaça as casas nas imediações da área de protecção à área protegida.

Mas tal não embaraçará Francisco Ferreira que exigirá então uma nova área de protecção à área de protecção à área protegida ... e assim sucessivamente.
Ora foi claro que a devastação do fogo deveu-se ao facto de os bombeiros não poderem penetrar na área protegida porque a densidade de mato e dos arbustos tal o impediu. Aliás se a área protegida estivesse realmente protegida, isto é, tratada e desmatada, provavelmente nem se atearia o incêndio. E se se ateasse, os caminhos corta fogo dificultariam a propagação do incêndio e facilitariam a movimentação dos bombeiros e dos seus meios de combate ao fogo. Mas a Quercus nunca poderá reconhecer isto. Os ambientalistas, e os meios de comunicação que lhes dão cobertura, hão-de defender a biodiversidade e todos os seus mitos insensatos até à devastação total das áreas protegidas portuguesas.

Não é possível erradicar a piromania e a negligência, embora possam ser minoradas com campanhas e acções preventivas. Portugal não tem, por si só, mesmo que respeitasse o protocolo de Quioto, capacidade de alterar as condições climatéricas. Portanto, a mão criminosa e a canícula são dados do problema. Neste entendimento tem que apostar na prevenção, criando condições para que os incêndios, quando se deflagram, sejam controláveis e não adquiram as características de catástrofes incontroláveis, como tem acontecido nos últimos anos. Na situação em que as florestas e áreas «protegidas» se encontram nunca haverá meios humanos e materiais suficientes. Quem julga isso é porque nunca viu mato a arder no Verão.

No nosso país, em face de uma calamidade, para acalmar a opinião pública, cria-se um instituto ou uma agência, e legisla-se. Legisla-se muito e afincadamente. Com um organismo estatal e umas leis e portarias o país e os governos ficam tranquilos. Por isso alguns acusam a lentidão da instalação da Agência para a Prevenção de Incêndios Florestais ou da promulgação de uma lei salvadora como causas dos recentes incêndios devastadores. Puro disparate. Para que servem agências (aliás, já existe o Sistema Nacional de Prevenção e Protecção da Floresta contra Incêndios) e leis se o próprio Estado, através dos organismos que tutela, não é capaz, por desleixo e/ou em nome dos imortais princípios, de efectuar a prevenção nas áreas «protegidas» que estão à sua guarda e protecção?

E assim passaremos os verões, até ganharmos juízo, a bramir contra o calor, contra as mãos criminosas, contra a descoordenação e falta dos meios, etc. … contra a nossa impotência.

Apenas damos socos no ar.

Publicado por Joana às 09:23 PM | Comentários (30) | TrackBack

outubro 04, 2003

Fatal como a ignorância

Um dos paradigmas da forma como em Portugal se analisam os assuntos é a “discussão sobre os incêndios”. Basta ler o artigo do Nicolau Santos no Expresso online e a maioria dos comentários.

Fala-se do calor. É evidente que temperaturas anormalmente elevadas, como as deste ano, e teores de humidade muito baixos facilitam a propagação dos incêndios. Mas sempre houve calor nesta época e há cada vez mais incêndios.

Fala-se dos meios de combate aos incêndios e da descoordenação. Todavia, de ano para ano, de há muitos anos para cá, têm vindo a aumentar em quantidade e em qualidade os meios de combate, e os incêndios são cada vez maiores e mais incontroláveis.

Fala-se em mãos criminosas e na teoria da conspiração. Todavia, quando se apanham os pirómanos verifica-se que se tratam de pequenas vinganças, ou de pirómanos patológicos. E sempre houve pirómanos e sempre houve ajustes de contas nos meios rurais.

A questão de fundo é a progressiva e acelerada desertificação rural cujo processo tem que ser parado e fazê-lo regredir.

Escrevo desertificação rural e não desertificação do interior porque o abandono da agricultura e da silvicultura acontece no interior, mas também no litoral, mesmo perto dos grandes aglomerados urbanos.

As terras têm que ser limpas e tratadas. As matas e florestas têm que ser limpas. O nosso país tem que ser amanhado e cuidado. Não podemos deixar os campos agrícolas transformarem-se em baldios e as florestas encherem-se de mato e absolutamente intransitáveis.

A velocidade com que o fogo avança no mato, no verão, quer façam 30º, quer façam 40º, é medonha, é sinistra. É muito difícil deitar fogo a uma árvore, mas se o mato à sua volta estiver a arder, a intensidade calorífica gera temperaturas elevadíssimas, as chamas passam aos ramos e rapidamente alastram às copas. Os troncos não ardem, devido à humidade interior, mas as árvores, com a folhagem e a ramagem carbonizadas, ficam incapazes de sobreviverem.

Há meia dúzia de anos assisti a um início de incêndio e, se não fosse estarmos lá (era fim de semana) e se não fossem os meios de que dispúnhamos junto ao local da ocorrência, não sei o que teria acontecido. Mesmo assim, o velhote que andava a enfardar o mato, e cujo descuido esteve na origem do sinistro, foi internado no hospital com queimaduras. Diversas árvores ficaram com ramos e folhagens queimadas e três delas tiveram que ser abatidas, pois não tinham hipóteses de sobrevivência. Tudo durou poucos minutos; nem foi preciso chamar os bombeiros … nem houve tempo para tal!

É claro que o grau de abandono a que chegaram os campos e florestas portuguesas não permite que de um ano para o outro a situação seja reposta. É por isso que temos de começar já. Tem que haver algo semelhante às Leis das Sesmarias, mas aplicáveis no século XXI, no sentido de repovoar o interior e fomentar a agricultura e silvicultura em todo o país.

E o Estado, para além de repensar um novo ordenamento rural para o país, tem que dar o exemplo: a Tapada de Mafra estava a seu cargo. Se ela não estava limpa, a culpa é do Estado, ou mais directamente, da instituição que a tutelava.

Senão vamos passar os verões, até ganharmos juízo, a bramir contra o calor, contra as mãos criminosas, contra a descoordenação dos meios, etc. … contra a nossa impotência.

Fatal como o destino, como discorre o pensamento urbano do Nicolau Santos no Expresso online.

15 de Setembro de 2003

Publicado por Joana às 12:32 AM | Comentários (3) | TrackBack