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outubro 04, 2003

Fatal como a ignorância

Um dos paradigmas da forma como em Portugal se analisam os assuntos é a “discussão sobre os incêndios”. Basta ler o artigo do Nicolau Santos no Expresso online e a maioria dos comentários.

Fala-se do calor. É evidente que temperaturas anormalmente elevadas, como as deste ano, e teores de humidade muito baixos facilitam a propagação dos incêndios. Mas sempre houve calor nesta época e há cada vez mais incêndios.

Fala-se dos meios de combate aos incêndios e da descoordenação. Todavia, de ano para ano, de há muitos anos para cá, têm vindo a aumentar em quantidade e em qualidade os meios de combate, e os incêndios são cada vez maiores e mais incontroláveis.

Fala-se em mãos criminosas e na teoria da conspiração. Todavia, quando se apanham os pirómanos verifica-se que se tratam de pequenas vinganças, ou de pirómanos patológicos. E sempre houve pirómanos e sempre houve ajustes de contas nos meios rurais.

A questão de fundo é a progressiva e acelerada desertificação rural cujo processo tem que ser parado e fazê-lo regredir.

Escrevo desertificação rural e não desertificação do interior porque o abandono da agricultura e da silvicultura acontece no interior, mas também no litoral, mesmo perto dos grandes aglomerados urbanos.

As terras têm que ser limpas e tratadas. As matas e florestas têm que ser limpas. O nosso país tem que ser amanhado e cuidado. Não podemos deixar os campos agrícolas transformarem-se em baldios e as florestas encherem-se de mato e absolutamente intransitáveis.

A velocidade com que o fogo avança no mato, no verão, quer façam 30º, quer façam 40º, é medonha, é sinistra. É muito difícil deitar fogo a uma árvore, mas se o mato à sua volta estiver a arder, a intensidade calorífica gera temperaturas elevadíssimas, as chamas passam aos ramos e rapidamente alastram às copas. Os troncos não ardem, devido à humidade interior, mas as árvores, com a folhagem e a ramagem carbonizadas, ficam incapazes de sobreviverem.

Há meia dúzia de anos assisti a um início de incêndio e, se não fosse estarmos lá (era fim de semana) e se não fossem os meios de que dispúnhamos junto ao local da ocorrência, não sei o que teria acontecido. Mesmo assim, o velhote que andava a enfardar o mato, e cujo descuido esteve na origem do sinistro, foi internado no hospital com queimaduras. Diversas árvores ficaram com ramos e folhagens queimadas e três delas tiveram que ser abatidas, pois não tinham hipóteses de sobrevivência. Tudo durou poucos minutos; nem foi preciso chamar os bombeiros … nem houve tempo para tal!

É claro que o grau de abandono a que chegaram os campos e florestas portuguesas não permite que de um ano para o outro a situação seja reposta. É por isso que temos de começar já. Tem que haver algo semelhante às Leis das Sesmarias, mas aplicáveis no século XXI, no sentido de repovoar o interior e fomentar a agricultura e silvicultura em todo o país.

E o Estado, para além de repensar um novo ordenamento rural para o país, tem que dar o exemplo: a Tapada de Mafra estava a seu cargo. Se ela não estava limpa, a culpa é do Estado, ou mais directamente, da instituição que a tutelava.

Senão vamos passar os verões, até ganharmos juízo, a bramir contra o calor, contra as mãos criminosas, contra a descoordenação dos meios, etc. … contra a nossa impotência.

Fatal como o destino, como discorre o pensamento urbano do Nicolau Santos no Expresso online.

15 de Setembro de 2003

Publicado por Joana às outubro 4, 2003 12:32 AM

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Comentários

Não é fácil combater a desertificação rural. Há causas que já têm algumas décadas.

No Alentejo é uma bola de neve

Publicado por: Cerejo às outubro 18, 2003 10:36 PM

Carreguei na tecla errada.

Dizia eu que no Alentejo, actualmente, quando se quer instalar lá uma ind´sustria, tem que se levar tudo de Lisboa: Investimentos, pessoal para construir, pessoal para a exploração (engenheiros, técnicos intermédiods, tudo).
Tem que ser transplantado tudo para lá.

Publicado por: Cerejo às outubro 18, 2003 10:38 PM

Por que arde o país?

Descobriu-se a pólvora: há que investir na prevenção. O próprio governo não se pôs de fora: nas vésperas da época crítica dos fogos disponibilizou alguns milhões para… a prevenção. Afinal, de que se está a falar quando se fala de prevenção? Aumentar a vigilância das zonas arborizadas? Limpar essas zonas?

Por um lado, estando fora de causa recrutar pessoal para a administração pública ou local, seria aconselhável que essa vigilância fosse confiada ao Exército e à Força Aérea. Tal não sucede. Este ano, segundo os jornais, o Dr. Portas disponibilizou para este efeito cerca de 30 (trinta) mancebos.

Por outro lado, com o fim da agricultura, as terras encontram-se ao abandono. Havendo um enorme número de propriedades rústicas de reduzida dimensão, a sua exploração não é economicamente rentável. Assim sendo, as terras não são periodicamente limpas. Acontece que a tributação em sede de património e de rendimento privilegia esta situação, favorecendo o absentismo.

A única forma de prevenção que poderia reduzir o número de incêndios seria impor um regime de tributação que estimulasse o aparecimento de unidades económicas com a dimensão necessária para que se tornassem viáveis.

Os governos não têm tido a coragem de o fazer. Preferem deixar arder o país. A reestruturação da propriedade fundiária far-se-á um pouco mais tarde – então, provavelmente, apenas em função dos interesses das empresas de celuloses. O ministro Álvaro Barreto veio de lá.

Segunda-feira, Julho 26, 2004

http://www.pula_pulapulga.blogspot.com

Publicado por: pulga às julho 28, 2004 06:36 PM

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