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março 16, 2005
Os Idos de Março de 44AC 3
Caio Júlio César
César nasceu em Roma no ano 100 AC (ou 102AC) de uma família aristocrata pobre, que fazia remontar as suas origens a Anco Márcio e a Vénus, mas que mas que nunca se ilustrara por qualquer outra coisa mais tangível. Embora de origem nobre, pertencia no entanto ao partido democrático por ser sobrinho de Mário. Foi notável a quantidade de mulheres que teve, entre esposas e amantes. Mas também o inverso ... Curião, num discurso, chamou-lhe o «marido de todas as mulheres e a mulher de todos os maridos».
Esta declaração tem a ver com César, moço de 17 anos, se ter tornado o favorito de Nicomedes, rei da Bitínia, que tinha um fraco por efebos. Segundo Suitas, no dia do seu triunfo das Gálias, os soldados cantavam: «Gallias Caesar subegit, Nicomedes Caesarem...». Cícero, a propósito da defesa que César fez de Nisa, filha de Nicomedes disse: «Passemos sobre tudo isto... Sabemos o que ele te deu e o que de ti recebeu» e sem menoscabo de Cícero, embora do partido adverso, considerar César o primeiro orador do seu tempo.
Sila, quando instaurou a ditadura, ordenou a César que se divorciasse de Cornélia, filha de Cina, alto dirigente do Partido democrático. César que, com menos de 20 anos então, já ia na 2ª mulher, recusou-se. Foi condenado à morte e o dote de Cornélia foi confiscado. Mas Sila acabou por desistir da pena capital e mandou-o para o exílio. Esta recusa teimosa de César é estranha porque o repúdio da 1ª mulher e o casamento com Cornélia foi um acto de conveniência. Seria certamente o orgulho de César a afirmar-se. Casaria sucessivamente com Pompeia (a mulher de César, acusada de ultraje ao pudor e à religião) e com Calpúrnia. E durante o seu matrimónio com Calpúrnia, casou-se no Egipto com Cleópatra!
César só regressou a Roma depois da morte de Sila, onde exerceu diversos cargos: membro do colégio dos pontífices, tribuno militar, questor, edil e era pretor quando rebentou a conspiração de Catilina, que havia sido, anteriormente, aliado de César e Crasso. Apesar de tal poder levantar suspeitas, procurou, sem êxito, salvar da morte os chefes dos conjurados entretanto aprisionados. Foi depois nomeado propretor em Espanha, onde combateu os rebeldes, e regressou a Roma com a fama de hábil cabo de guerra e de administrador competente, e também com uma grande riqueza.
Apoiado pelo exército e pelo povo, em 60 AC, Júlio César foi nomeado cônsul juntamente com Bibulo, a quem se sobrepôs de tal forma que se dizia: Vivemos sob o consulado de Júlio e César. Era costume baptizar o ano com o nome dos dois cônsules o ano 59 ficou assim conhecido como «o de Júlio e César» Enfrentando a hostilidade do Senado, fez promulgar leis importantes para uma melhor administração das províncias e para punir a concussão. Impôs que todas as discussões que se realizassem no Senado fossem registadas e publicadas diariamente. Assim nasceu o primeiro jornal, o Acta diurna, gratuito, pois era afixado nas paredes, de maneira que todos os cidadãos pudessem lê-lo e saber aquilo que faziam e diziam os seus governantes. A invenção teve um enorme alcance, porque sancionou o mais democrático de todos os direitos a transparência da informação sobre os actos governativos.
Estreitou a aliança com Crasso e Pompeu (que embora do partido aristocrático se tinha malquistado com o Senado devido à frieza com que fora recebido, depois dos seus triunfos no Oriente, e pela recusa daquele em distribuir pelos seus soldados as terras que lhes havia sido prometidas), tomando para lugar-tenente o filho do primeiro e casando a filha com o segundo. Mas o poder requeria, além do dinheiro, poder-se dispor dos exércitos. Com tal fim, os triúnviros, a coberto de um voto dos comícios, partilharam entre si o império. César ficou com o governo da Gália, Crasso com o da Síria e Pompeu com o da Espanha (59). Os triúnviros tiveram sorte diferente. César, entre 58 e 50, após uma guerra duríssima, conquista a Gália e aproveitou os enormes tributos que aí arrecadou para sustentar a fidelidade dos seus partidários. Crasso morre numa expedição contra os Partos (53) e Pompeu foi nomeado cônsul único pelo Senado para pôr fim às perturbações sociais em Roma.
O Senado, assustado com as vitórias de César, exonerou-o do comando e nomeou Pompeu para o lugar de cônsul, entregando-lhe a defesa da República (52AC). O que é que César tinha pela frente? Pompeu? Militar «colonial» de valor, mas político sem ousadia O Senado? Uma assembleia que se dava a si própria a ilusão verbal da forca. Cícero? Um advogado. César tinha as suas legiões treinadas numa guerra duríssima e habituadas a vencer, mesmo confrontadas com adversários superiores em 5 a 10 para 1.César enviou um ultimato ao Senado, intimando-lhe a demissão de Pompeu, e como não fosse atendido passou o Rubicão (49 AC), que definia a fronteira entre a Gália Cisalpina, onde o procônsul linha o direito de ter os seus soldados, e a Itália propriamente dita, para onde a lei o proibia de os levar, e marchou sobre Roma apenas com uma legião, apesar de Pompeu dispor de sessenta mil homens. Sucedeu a César o mesmo que mais tarde a Napoleão quando regressou da Ilha de Elba: à medida que ia avançando, as tropas juntavam-se-lhe. «As cidades abrem-se diante dele e saúdam-no como um deus», escrevia Cícero contristado.
Pompeu fugiu para o Epiro, mais toda a corte de aristocratas espavoridos com César. César foi a Espanha derrotar o exército sem general, e depois foi perseguir Pompeu que, batido em Farsália, fugiu e foi assassinado pelos esbirros de Ptolomeu Auleto quando ia a desembarcar no Egipto. César, que fora em sua perseguição, instalou-se em Alexandria e, a exemplo de Alexandre, fez-se reconhecer como filho de Amon. Elevado deste modo a rei legítimo do Egipto, desposou em 48 a jovem rainha Cleópatra (que havia nascido em 69AC), que nesse momento disputava o trono a seu irmão Ptolomeu. Da união do conquistador romano e da rainha do Egipto nasceu um filho, Cesarião. Esboçava-se o plano da reunião, sob a autoridade pessoal de César, dos dois únicos grandes Estados mediterrâneos que ainda subsistiam, a monarquia egípcia e a república imperial de Roma. Voltando a Itália, passa a África, onde havia partidários de Pompeu e bate-os em Tapsos. Os filhos de Pompeu, que tinham ficado em Espanha, serão posteriormente esmagados em Munda (45AC). Em cinco anos César percorreu a costa da Narbonense (Provença), a Hispânia, a Grécia, o Egipto, onde Cleópatra o conduziu até «às cataratas do Nilo», a África ... a todo o mundo romano
César voltou a Roma mas recusou-se a receber honras pelas suas vitórias na guerra civil. Os poderes de ditador, que lhe haviam sido dados em 48, foram-lhe prolongados por dez anos depois de Tapsos, e por toda a vida depois de Munda. Foi feito cônsul, censor, grande pontífice e declarado inviolável. Teve honras quase reais, estátuas, templos e altares. Depois proclamou uma amnistia e restabeleceu as estátuas de Sila e Pompeu. A sua obra governativa foi então imensa e de alcance extraordinário. Acalmou a plebe urbana distribuindo-lhe víveres e dinheiro. Depois, tratou do problema das dívidas, cujo montante se avolumara em consequência da guerra civil e das dificuldades económicas. Por meio de medidas de compromisso diminuiu os juros dos empréstimos na proporção de um quarto do capital emprestado, deu um prazo maior para os reembolsos e submeteu os julgamentos dos casos em litigância à autoridade do pretor urbano. Quando a agitação recomeça em resultado da má fé de devedores e credores, promulga várias leis fiscais: uma concede uma moratória de um ano aos locatários endividados, a outra convida os devedores insolventes em numerário a pagar em géneros com dedução dos pagamentos já feitos e fixação das avaliações na taxa anterior à guerra civil. Tenta aumentar a liquidez na economia, reduzindo a 60 mil sestércios o total das somas que cada qual podia conservar (já deveria ter lido algo sobre a Lei de Gresham ...). Faz votar uma lei para obrigar os capitalistas a investirem na própria Itália uma parte do seu dinheiro e a proporcionarem os seus empréstimos ao valor venal do seu domínio, diminuindo a especulação. Faz verificar as listas dos beneficiários da anona e reduz o seu número de 320.000 a 150.000. Diminui desta maneira as despesas anuais do Tesouro de 9 milhões de denários (36 milhões de euros à cotação actual do ouro). Reformou o calendário com o auxilio do matemático alexandrino Sosigenes. O novo calendário juliano apareceu a 1 de Janeiro de 45 AC, passando desde então o dia 1 de Janeiro a ser oficialmente o primeiro do ano (o calendário juliano manteve-se até aos nossos dias, com pequenos ajustes, e é actualmente utilizado em quase todo o mundo), reorganizou os municípios romanos, deu direito de cidade às populações fiéis da Gália, moralizou a acção de governadores e publicanos, reduziu o Senado a um corpo puramente consultivo, depois de lhe ter elevado o número de membros de seiscentos para novecentos, com a admissão de novos elementos, uma parte dos quais escolhidos entre a burguesia de Roma, outra parte entre a da província e outra entre os seus velhos oficiais celtas, muitos dos quais eram filhos de escravos, deu trabalho aos pobres e reconstituiu (ou deu início à reconstituição) as classes média e rural, restringiu a liberdade do divórcio e protegeu as famílias numerosas.
As reformas que César realizou em tão pouco tempo foram bem sucedidas em virtude do seu realismo e do seu oportunismo, e teve tudo o que faltou aos seus antecessores: os exércitos que faltaram aos Gracos, a calma que faltara a Cipião, a diplomacia que faltara a Mário, a clemência que faltara a Sila, a decisão que faltara a Pompeio. Tendo começado a sua carreira no partido democrático, este patrício soube conquistar o povo; apoiando-se sobre os nobres, soube restringir os seus privilégios; não tinha programa organizado, pelo menos na aparência, e fez reformas.
Em fins de 45 decidiu uma expedição contra os partos, a iniciar-se na primavera de 44, e cuja duração fora calculada em três anos. O regresso vitorioso de César da guerra contra os partos era evidente que havia de fundar e consolidar o regime monárquico. Uma eventual conquista da Mesopotâmia e da antiga Média abriria a Roma as rotas de seda, facilitaria o comércio com a Índia e tornaria Alexandria, já então a cidade mais industriosa do mundo mediterrâneo, como o centro económico do mundo antigo e do Estado Romano. César, regressado a Roma, continuava a coabitar com a sua esposa romana, Calpúrnia, embora Cleópatra, a esposa egípcia, que César mandara entretanto vir do Egipto, estivesse igualmente instalada na cidade, numa villa de César, com o seu herdeiro, Cesarião (o Cesarinho).
Tornava-se evidente que César pretendia reformar as velhas estruturas da Cidade-Estado, administrando contra-natura um império, transformando-as numa monarquia constituída por uma federação de Estados e províncias, assente na força e tradição militares de Roma e das regiões mais romanizadas Itália, Gália Cisalpina e nos centros comerciais e industriais do Oriente Alexandria e Antioquia. E Cleópatra, uma mulher dotada de uma grande capacidade política e de atributos físicos que soube usar com mestria insuperável ao serviço dos seus projectos políticos, era uma peça indispensável nesse projecto.
O Oriente inteiro estava preparado para aceitar a criação de uma dinastia juliana (César pertencia à gens Julia). Mas faltava convencer os Romanos. Mandara erigir a si próprio um santuário sob o nome de Júpiter Julius, e erguer estátuas suas nos templos, ao mesmo tempo que dedicava a Cleópatra, rainha e deusa, um templo de Vénus Genitrix (Vénus Genitrix é Vénus considerada como deusa mãe). Espalhando ele próprio a lenda da sua origem divina, instituiu um clero especial para celebrar o culto de «César deus vivo».
Não é possível saber em que medida Cleópatra influenciou César nos seus projectos. Haviam feito um cruzeiro de 2 meses pelo Nilo e, segundo Suetónio, teriam ido até à Etiópia se as legiões que acompanhavam César tivessem estado de acordo. Certamente que o tempo não foi unicamente ocupado na concepção de Cesarião. Projectos terão sido discutidos e traçados. Cleópatra era odiada pela aristocracia romana que via nela a base do projecto monárquico de César, do projecto oriental de ambos, do fim de Roma como o Moloch que sugava a seiva vital das províncias, transformada numa Roma apenas primus inter pares, apenas a metrópole política de um Império.
As preocupações de César acerca de criar uma base económica sustentável para Roma mostra que, para ele, Roma deveria manter-se a capital e fazer jus a essa situação pela sua própria actividade e não apenas pelo saque das províncias. O ocidente, mais romanizado, era indispensável como base demográfica para recrutamento das legiões e as reformas de César no sentido da reconstituição de uma classe média e do saneamento económico, mostram que a prosperidade de Roma era uma peça essencial no seu plano. Se sonhou reconstituir o império de Alexandre, não foi para o dar ao Oriente, às suas pompas, aos seus títulos, nem a uma das suas cidades uma proeminência sobre Roma, capital da Itália, do Ocidente e dos seus triunfos pessoais. Romano é, Romano fica. Unicamente.
Estes planos estavam muito para além do republicanismo aristocrático e estreito dos romanos aferrados à ideia de Roma, Cidade-Estado, dominadora das províncias. Na primavera de 44, os diversos elementos descontentes tramaram uma conspiração contra a vida de César. Entre os conjurados, em numero de sessenta, contavam-se Decimo Bruto e Caio Trebonio, antigos partidários de César, mas o principal era Cassio, que, depois da morte de Crasso, salvara a Síria e, após a batalha de Farsalia, fora perdoado por César e se aliara a este. Outro conjurado era Marco Junio Bruto, pretor da cidade, filho dum outro Bruto e de Servília, irmã do severo Catão e amante durante muitos anos de César. Há autores que encaram mesmo a possibilidade de Bruto ser filho natural de César, o que não parece provável pela diferença de idades. Bruto era um doutrinário, orgulhoso e sombrio, que César amnistiara em Farsália, e nomeara em 46 para o governo da Cisalpina e para a pretura urbana algumas semanas antes, no primeiro de Janeiro de 44. Mais ainda do que o ideal republicano (que ele não separava do direito que os senatoriais teriam de explorar o mundo em seu próprio proveito), Bruto representava a oligarquia romana. Não fora ele próprio quem arruinara a cidade de Salamina de Chipre, com os seus empréstimos usurários? Não fora ele (e os seus agentes) um voraz usurário na Capadócia, depredando essa província? Normalmente quem teoriza sobre virtudes, não está muito seguro de as praticar.
Nas Lupercais de 15 de Fevereiro de 44, César, no fausto da cerimónia, revestido da púrpura ditatorial, sentado numa cadeira de ouro, em face da multidão entusiasmada, afasta por três vezes o diadema que lhe querem pôr sobre a cabeça. Mas não foi convincente. Sente que a sorte está lançada: Roma vigia-o na pessoa dos partidários de Pompeu, indultados e ingratos, na dos cesaristas que César assusta, na dos pacifistas que a guerra apavora, na dos patriotas que receiam a influência de um orientalismo invasor.
Um mês depois, o plano dos conspiradores foi coroado pelo êxito mais completo; os conjurados escolheram a ultima sessão do senado, a que César devia assistir, antes de partir para a Ásia, a 15 de março de 44, para com segurança poderem ferir a sua vitima. Efectivamente, nesse dia, numa sala do teatro de Pompeu, conseguiram envolvê-lo e apunhalá-lo. Crivado com vinte e três golpes, César caiu sem vida ao pé da estátua do seu antigo rival que, sina do destino, fora ele próprio que ordenara que a restabelecessem ali.
Ler igualmente:
Os Idos de Março de 44AC 6
Os Idos de Março de 44AC 5
Os Idos de Março de 44AC 4
Os Idos de Março de 44AC 3
Os Idos de Março de 44AC 2
Os Idos de Março de 44AC 1
E como complemento sobre o mesmo período:
Orçamento de Estado para 14 AD
O Mercado de Trabalho
Publicado por Joana às março 16, 2005 09:22 PM
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Comentários
Não conhecia essa faceta do Julinho!
Publicado por: bsotto às março 28, 2005 08:39 PM
Você não está a ser femininista ao atribuir tanta capacidade política a Cleopatra?
Publicado por: vitapis às março 29, 2005 12:16 AM