junho 03, 2005

Novo Governo

Sócrates-o-Antigo substitui José Sócrates.

Sampaio está confrontado com o desastroso estado do Estado e com os povos a exigirem dos governantes o exemplo. Um povo que vive da inveja e da avaliação mesquinha do próximo só pode aceitar sacrifícios propostos por gente que viva abaixo do limiar mínimo de pobreza. Campos e Cunha foi vítima do voyeurismo dos rendimentos pessoais, que tinha erigido como base da sua política. Foi a justiça imanente. A Pitonisa de Belém resolveu assim demitir José Sócrates e chamar Sócrates-o-Antigo para constituir um novo governo. O novo governo será constituído por personalidades acima de qualquer suspeita e abaixo de qualquer rendimento. São dados como certos:

Diogenes.jpgDiógenes de Sinope e Antístenes do partido dos Cínicos. Ao primeiro, habituado a vestir um traje mais sumário que a tanga e conhecido pelo seu horror aos filósofos e literatos que agem contrariamente às teorias que debitam, será, segundo consta, atribuída a pasta da Cultura e Educação. Portugal espera muito da frugalidade deste novo ministro. Os agentes culturais estão desesperados. Como se notabilizou por praticar sexo em público, julga-se que as matérias de Educação Sexual vão passar a ter uma maior abertura e transparência. Onesícrito e Crates de Tebas também foram sondados. Pode ver-se ao lado, Diógenes, em traje de cerimónia, nas escadarias de S. Bento, a ler a nova Reforma Educativa. Há muita expectativa e esperança acerca desta reforma, visto só ter uma página e, ao que parece, 2 parágrafos.

Integrarão igualmente este governo Francisco de Assis e Clara de Assis, do Partido dos Mendicantes Franciscanos. Os Mendicantes Carmelitas estarão representados por Simão Stock. Os Franciscanos insulares também terão pastas. Guilherme de Ockham e Duns Escoto estão confirmados. O primeiro, que sobraçará a pasta das Finanças, virá com a sua famosa navalha de Ockham, para talhar a fundo as adiposidades do Monstro estatal. É a Lei da Parcimónia, finalmente aplicada em Portugal, no sector público.

Domingos de Gusmão, dos Mendicantes dominicanos, terá a seu cargo a Justiça e a Administração Interna. Os Dominicanos revelaram-se sempre muito expeditos e pragmáticos nestas áreas.

Bento de Núrcia ficará com as Obras Públicas e Comunicações. Como fez voto de estabilidade na congreggovernação, e dado o seu horror em transferir-se do local em que é colocado, espera-se que dedique um especial cuidado às comunicações.

Próspero do Espírito Santo chegou a ser dado como certo no governo, mas o seu nome liquidou-o: ser Próspero e, ainda por cima, ligado ao Espírito Santo. Nem o ter-se apresentado descalço e com a barba de 6 anos o certificou.

Espera-se muito desta coligação de Cínicos e Mendicantes, com um Beneditino de rija cepa.

No caso de haver roturas de tesouraria, tem-se como certo o apoio do pai de Diógenes, especialista em questões monetárias do lado da oferta.

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junho 03, 2004

Não mexam em Portugal! Haja Respeito!

Carmona Rodrigues, ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação declarou hoje que até ao final do ano será concluído o estudo preliminar de viabilidade de construção de um túnel sob o rio Tejo para transporte de passageiros em metropolitano.

Segundo elementos da Transtejo, o projecto de Carmona Rodrigues coloca à beira da extinção aquela operadora fluvial de transportes, onde o Estado tem investido largas dezenas de milhões de euros nos últimos anos para a modernização da frota, com a aquisição de diversos catamarãs de última geração.

Todos os que se sentem prejudicados com este projecto já manifestaram a esperança na intervenção do Dr. Sá Fernandes devido aos impactes ambientais, obviamente negativos, desta travessia sub-aquática.

Isto para não falar dos impactes financeiros nos actuais operadores do transporte entre as duas margens.

Ao ler estas notícias e estas imprecações, não posso deixar de me comover com a triste sorte das companhias de diligências, dos fiacres e das seges de aluguer, dos choras, das tipóias e de outros operadores de transporte de inestimável qualidade ambiental, cujo serviço permitia usufruir, com a máxima tranquilidade e todo o tempo disponível, a paisagem rural e citadina, nos seus mais ínfimos e recônditos pormenores e que faliram vítimas de um falso progresso, atentatório do ambiente e da qualidade de vida.

Foi uma infelicidade não existirem nessas épocas Sás Fernandes, ambientalistas e meios de comunicação social que lhes dessem abrigo. Perderam-se irremediavelmente meios de transporte de grande dignidade, bem integrados na paisagem urbana, que iam pelas calçadas cascalhando ferragens, numa estrupida de cadeiras que batiam, e davam a convicção segura que se chegaria algures, embora devagar, com mais solavanco ou menos solavanco, mais hora ou menos hora, conciliando a ginástica lombar, e o trabalho intenso de todos os músculos, com a leitura do jornal que, no início da corrida era o jornal do dia, e no fim, o jornal da véspera.

Foi uma época de um cientismo sórdido, em que os meios de comunicação privilegiavam a inovação, a mudança e a evolução tecnológica, em vez de, como actualmente, privilegiarem o não mexer em nada, não mudar nada, não construir nada, manter tudo estático, tornarmo-nos naquilo que a nossa história magnífica e a nossa inércia inabalável exigem como único destino possível: um museu, com os portugueses todos alinhados, mumificados, expostos em vitrinas, na penumbra, para não abalar a sua serena quietude.

E as portas do museu fechadas pela greve dos funcionários.

Publicado por Joana às 08:04 PM | Comentários (57) | TrackBack

abril 22, 2004

Estou Pessimista

Não é apenas a economia portuguesa que está num impasse. Toda a economia europeia está estagnada. Pontualmente haverá excepções, mas as principais economias europeias marcam passo.

Os Estados Unidos, o Japão, os países emergentes, todos dão mostras de retoma. A economia americana parece no bom caminho, apesar dos défices orçamentais provocados principalmente pelas despesas militares.

Face às declarações de Alan Greenspan é previsível que o dólar volte a subir em face do euro, mas agora com uma economia americana mais forte e competitiva. Uma subida que se prenuncia e presumivelmente mais sustentada. A Europa vai ficar cada vez mais distante dos EUA e do Japão.

A economia europeia está a perder competitividade e a população europeia está a envelhecer. Está a envelhecer não apenas biologicamente mas, principalmente, pelo seu estado de espírito, pela sua postura. Os europeus estão mentalmente velhos, perderam o espírito competitivo, o dinamismo, o destemor pelo risco.

As economias e as sociedades europeias precisam de profundas reformas estruturais, precisam de criar novos modelos económicos e sociais que permitam sair do actual impasse e da estagnação.

Mas para isso é preciso audácia, sentido das responsabilidades e não ter receio do risco. As economias francesa e alemã estão estagnadas. Os governos de Jospin e a primeira legislatura de Schroeder agravaram a situação das respectivas economias com medidas sociais completamente desenquadradas face a uma realidade que já existia, mas que eles não perceberam. Agora são absolutamente vitais reformas de que ninguém quer pagar os custos, embora todos considerem indispensáveis. O governo francês que sucedeu a Jospin tentou algumas reformas, mas levou com um cartão amarelo, a raiar o vermelho, nas regionais. Schroeder vê-se a braços com manifestações permanentes. Em Itália há manifestações gigantescas contra a política social de Berlusconi. Cá, apenas medidas tímidas, de impacte reduzido e muito contestadas.

A Europa (e Portugal) tem que escolher: ou reformar as suas estruturas económicas e sociais, permitir uma maior mobilidade e dinamismo económico e social e recuperar uma mentalidade aberta ao risco e à competição; ou manter o seu modelo, cada vez mais obsoleto e contraproducente e deixar-se estagnar, envelhecer com algumas poupanças que ainda tem, deslizando, prematuramente encanecida, para uma reforma sem esperança nem horizontes.

Mas para escolher, tem que perceber o que está em jogo. E a maioria dos europeus não percebeu, não quer perceber e tem raiva a quem percebe.


Numa manhã de 22 de Abril, uma chusma de marinheiros avistava uma montanha verdejante, frondosa, magnífica, prolongada de vagas cordilheiras por detrás duma atmosfera de ouro fluido. As naus de Pedro Álvares Cabral aportavam ao Brasil. Era o ano de 1500. Tão longe estamos dessa ocorrência ... longe no tempo ... longe no espírito.

Também neste dia nasceu Immanuel Kant. Era 1724. Para quê lembrar? A cidade onde nasceu já não é alemã, já não é Konigsberg, já não é habitada por alemães que comemorassem o nascimento do seu conterrâneo. Restam os seus livros e a sua filosofia, para distrair a Europa na sua senectude.

Igualmente nesse dia, em 1870, nascia Lenine. Reduziu a filosofia de Marx a chavões, fáceis de entender pelas massas, criou uma organização centralizada, hierarquizada e ideologicamente homogénea, apta para conquistar o poder, no estilo de Bakunine, mas que se revelou absolutamente perversa na gestão desse mesmo poder, implodindo e deixando milhões de órfãos que se arrastam pelo mundo e pela net, em busca de tábuas de salvação. Qualquer coisa serve. Mesmo que tenham que andar de turbante ou burqa, suspirando que qualquer entidade, nem que seja a Al-Qaida, dê uma lição ao imperialismo capitalista.

Talvez os americanos, mais jovens e ainda longe da reforma, vejam doutra maneira o ano de 1732, quando, neste mesmo dia, nascia George Washington, na colónia britânica da Virgínia, na América do Norte.

Publicado por Joana às 11:24 PM | Comentários (35) | TrackBack

janeiro 19, 2004

Reforma de mentalidades

Bagão Félix a propósito do incumprimento, por parte de algumas empresas, da legislação sobre a maternidade disse que tem que haver «uma mudança mais rápida das mentalidades». A propósito de alguns favorecimentos na colocação de professores na Zona Centro, e da “cunha” que permanece endémica na Administração Pública, também se referiu que tem que haver «uma mudança das mentalidades». Quando se fala da persistência da evasão fiscal igualmente se insiste que tem que haver «uma mudança das mentalidades» nos contribuintes na sua relação com o Estado.

Toda a população, ao que parece, necessita «uma mudança rápida de mentalidades». São os professores, os alunos do ensino básico e secundário e os pais destes; são os professores e alunos universitários; são os funcionários públicos e quem recorre aos serviços públicos; são os contribuintes e quem lhes gasta o dinheiro; são os empresários e os trabalhadores; são os condutores rodoviários e os peões; são os médicos e os doentes; são os jornalistas e quem os lê ou escuta; são os jogadores de futebol do Benfica e quem assiste aos seus jogos; etc.; etc.

Portanto, o nosso problema é o da reforma de mentalidades. Se reformarmos as mentalidades passaremos a educar adequadamente os nossos filhos que se tornarão alunos cumpridores, ensinados por professores competentes e dedicados; a Universidade verá o seu numerus clausus duplicado ou triplicado pela acção devotada dos docentes e tornar-se-á uma escola de excelência, onde alunos empenhados aprenderão com professores disponíveis a tempo inteiro para o ensino e investigação; os funcionários públicos trabalharão com eficiência e quem os utiliza não mete «cunhas» para acelerar os processos ou para obter favorecimentos pessoais, «cunhas» a que, aliás, a função pública seria doravante imune; os contribuintes seriam diligentes e sinceros a preencher as declarações de impostos (que deixariam de ser alteradas e armadilhadas anualmente) e a pagá-los nos prazos legais; os empresários passariam a ter visão estratégica de mercado, apostando na inovação e na qualificação laboral e os trabalhadores, cumpridores e dedicados, empenhar-se-iam na sua formação contínua e na melhoria da sua qualificação profissional; os condutores rodoviários cumpririam o Código da Estrada, rolando em estradas bem sinalizadas e sem pontos negros, mantendo um permanente cuidado com o estado de segurança da sua viatura, enquanto os peões seriam disciplinados e não atrapalhariam o trânsito fazendo-se atropelar desnecessariamente; os médicos dedicar-se-iam a tempo inteiro à sua missão, nos locais onde são estipendiados, enquanto os doentes não inundariam os serviços com acessos de hipocondria aguda; os jornalistas deixariam de de ser mensageiros do macabro e da catástrofe, pressionados aliás por um público entretanto empenhado na escolha da qualidade informativa e cultural da comunicação; os jogadores de futebol do Benfica tornar-se-iam ... bem ... não exageremos ... nem tudo será possível.

Está feito! Reformemos as mentalidades!

Mas como? As mentalidades não se podem reformar por decreto governamental. Nem por lei aprovada na AR. Ainda menos por mensagens do PR. Nem por campanhas televisivas.

O Homem faz-se a si próprio, na acção. O Homem aprende com o fazer, com a experiência. Im Anfang die Tat, escrevia Goethe. O civismo, a educação, a solidariedade social, a deontologia profissional, o sentido do dever, aprendem-se exercitando-os.

As empresas mais dinâmicas têm melhorado a sua competitividade e aumentado os seus lucros, o seu nível de emprego e o bem estar dos seus funcionários introduzindo procedimentos no seu funcionamento e no processo produtivo, e uma estrutura organizativa adequada, que melhoram a qualidade do serviço prestado aos clientes, a sua eficiência produtiva e o âmbiente de trabalho. É um processo complexo e iterativo que envolve sacrifícios, incompreensões, mas que se for seguido com determinação e empenho, acaba por produzir frutos.

Se numa empresa este desiderato é complexo, na administração pública, com situações tão diferenciadas como a educação, saúde, justiça, administração central, regional e local, institutos públicos, etc., sê-lo-á muito mais. Há que haver uma grande determinação governativa, coragem para arrostar com as incompreensões, dúvidas e receios de quem vê os seus interesses imediatos atingidos. Interesses ilusórios porque se baseiam na ineficiência do aparelho de Estado e no desperdício geral de recursos. Interesses apenas de valor relativo perante uma situação geral de baixo índice de desenvolvimento social.

E como é difícil e leva tempo, tem que se começar já.

Publicado por Joana às 08:33 AM | Comentários (13) | TrackBack

dezembro 14, 2003

Retóricas e simplicidades

Ladies and Gentleman, we got him. Só os anglo-saxónicos têm a capacidade de esvaziarem o seu discurso da retórica ornamental, irem direitos ao essencial e dizerem esse essencial despido de floreados, sem receio de serem tomados por incultos ou primitivos.

Uma boa comunicação deve ser como a saia feminina: curta, para despertar a atenção, mas com o comprimento suficiente para cobrir o essencial.

Foi o que fez Paul Bremer, o administrador norte-americano no Iraque, ao confirmar este domingo, numa conferência de imprensa em Bagdad, a captura do presidente deposto, Saddam Hussein.

Blair e Bush também se evidenciaram pela sua sobriedade. Palavras simples destituídas de retórica inútil. O oposto à alocução do Primeiro Ministro português. Felizmente o PR não teceu comentários, senão ainda estaríamos a tentar perceber o que é que na realidade teria acontecido, em face das dezenas de interpretações divergentes sobre a substância do seu discurso.

Nelson, antes do início da Batalha de Trafalgar, fez a seguinte proclamação:

England Expects that Every Man will do his Duty”: A Inglaterra espera que cada um de vós cumpra o seu dever.

Esta frase singela e determinada, despida de floreados e retórica, constitui, para mim, o mais belo exemplo do apelo ao patriotismo e ao pundonor. Nem louvaminhas pomposas à sua nação, nem injúrias desdenhosas à nação contrária.

Quase em simultâneo com essa proclamação, houve a proclamação grandiloquente de Napoleão após a vitória de Austerlitz – “Soldats, je suis content de vous ! Vous avez décoré vos aigles d'une immortelle gloire …” e prosseguia neste estilo retórico e pomposo, embora não tão empolado como era vulgar na Europa Continental de então, nomeadamente em Portugal, como se pode constatar ao ler as centenas de proclamações dos políticos e generais portugueses após a revolução de 1820 e durante as lutas entre liberais e absolutistas.

Aquela proclamação de Napoleão foi sempre considerada pelos franceses como um dos trechos mais talentosos da retórica política. São de facto duas mentalidades diferentes. A exaltação pomposa e palavrosa dos valores pátrios e da bravura militar contra a determinação, a objectividade, a perseverança e o patriotismo sereno e firme dos anglo-saxónicos.

Esse patriotismo sereno e firme dos anglo-saxónicos deveria constituir um exemplo para nós, portugueses, para a nossa retórica patrioteira e estéril, ou apenas estéril.

Publicado por Joana às 11:10 PM | Comentários (8) | TrackBack

novembro 28, 2003

O Saber Dever

As minhas crónicas anteriores sobre a desastrosa situação do país, o “país de cócoras” (!!), como disse, devem ter deixado os incautos que têm a paciência de lerem estes textos, de ânimo dilacerado, acabrunhados, lamentando-se terem nascido, crescido e labutado neste jardim idílico à beira-mar pasmado.

Reli os meus textos e faço mea culpa! É verdade, eu, conhecida na net como a virtualidade mais teimosa e egocêntrica que paira no ciber-espaço, venho redimir-me, recolocar o nosso querido país no lugar que lhe cabe, por direito próprio, no concerto das nações.

Em primeiro lugar haverá algum desdouro em Portugal estar financeira e economicamente de “cócoras”? Obviamente não. Uma França, nostálgica de Luís XIV, Napoleão ou mesmo De Gaulle, poderia sentir-se mal nessa posição. Portugal, com os músculos fortalecidos por quase um milénio desse exercício regular e porfiado, não tergiversa: nós por cá, bem obrigados! Firmes!

Nós estamos de “cócoras” com a mesma sabedoria, a mesma gravidade e profunda reflexão com que os Hindus desenvolveram o Yoga, exercitando aquela postura, que nos ajuda a desenvolver a atenção, energia, força, flexibilidade, concentração e equilíbrio, a nível físico, mental, emocional e espiritual.

Dívidas públicas e privadas excessivas? Colossais!? Qual o problema? Uma das nossas virtuosidades, que nos tem imposto à admiração do mundo, tem sido a forma como sabemos dever dinheiro. Melhor, como sabemos dever cada vez mais dinheiro. O dever é uma honra. Aprendemos isso com os nossos maiores.

Comecemos pelo Estado, a quem compete velar pela consciência cívica do cidadão e dar-lhe os exemplos das virtudes públicas. O Estado não paga aos fornecedores, ou paga tardiamente e sem mora. Os cidadãos não pagam ao Estado (uma tradição milenária a que se tem dado o nome de evasão fiscal). Os bancos afadigam-se, competindo uns com os outros, duramente, com campanhas maciças de publicidade, para emprestar dinheiro que depois passa a ser designado sob o pomposo termo técnico de “crédito malparado”.

Os estudantes universitários, que irão constituir a futura elite do País, já proclamaram: “Não pagamos”. E também não queremos essa modernice das “prescrições” que iriam impedir que muitos de nós andássemos anos a fio, pelos bancos das universidades, tendo como única actividade discente o praxar os caloiros, sustentados pelos contribuintes (os distraídos, menos apegados à cultura lusa) e pelo défice público.

Quando a França e a Alemanha anunciaram não irem cumprir os 3% e a UE não as sancionou, imediatamente se ergueram vozes indignadas reclamando que era tempo de acabar com o rigor do défice. Que se alarguem os cordões à bolsa dos dinheiros públicos! Queremos dever mais! Queremos acabar com este espartilho que menoscaba os valores da cultura lusíada.

Portanto, nós temos uma nobre filosofia de vida que nos tem dado muita felicidade interior, permitido mais de 9 séculos de história (se incluirmos o Conde Henrique e a Teresa) e na qual nos empenhámos (*) muito, muitíssimo, que desejaríamos imenso partilhar com outros, mas que é infelizmente impossível. Alguém tem que pagar! Debitor non est sine creditore!


(*)”empenhar” em todos os sentidos do termo

Publicado por Joana às 07:43 PM | Comentários (8) | TrackBack

novembro 26, 2003

Os Patriotaços

Os portugueses, como povo, caracterizam-se por uma notável incapacidade de planear as suas actividades, organizarem-se e pensarem com sensatez o seu futuro, delineando as medidas adequadas para melhorarem e construírem um país próspero. Individualmente, aqueles que não ficaram anquilosados pela vivência na função pública ou pelo trabalho por conta de outrem, frequentemente pouco estimulante e motivador, são normalmente desenrascados, capazes de brilhantes improvisos ou mesmo de realizarem actividades prósperas e sustentáveis ao longo de uma vida de trabalho, conseguindo, muitos de nós, ter percursos, profissionais ou artísticos, plenos de sucesso. Mas como povo, sublinho, somos tal como caracterizei inicialmente.

Mas, se temos incapacidade em nos desenvolver e construir um país próspero, quando nos acontece algo na arena internacional que julgamos que menoscabe a nossa dignidade nacional ou que nos confere um estatuto de menoridade no concerto das nações, então, enchemos o peito, retesamos os músculos e bradamos a nossa ira contra os bodes expiatórios que estejam mais à mão de semear. Nada escapa à nossa fúria patriótica.
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Quando os ingleses nos fizeram um ultimato para reivindicarem enormes extensões de terras no interior de África, sobre as quais teríamos alguns direitos de paternidade, devido à travessia de Capelo e Ivens, mas que manifestamente não tínhamos capacidade militar e financeira para proceder à sua ocupação, a alma nacional comoveu-se, compôs-se a “Portuguesa”, cobriram-se de panos pretos a estátua de Camões, quotizámo-nos para adquirirmos um cruzador em 2ª mão, caíram ministérios, insultaram-se políticos que venderam a alma e o país à pérfida Albion, e promoveram-se mais um conjunto de acções de grande exaltação patriótica, que comoveram as populações que a elas aderiram, mas que foram absolutamente estéreis do ponto de vista do nosso poderio como potência.

Agora, o perdão concedido à Alemanha e à França pelo incumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento levou alguns comentaristas e muitos kamikazes da net a irromperem, de peito feito, cheios de exaltação patriótica, a verberarem tudo e todos, as potências europeias, que nos olham desdenhosas, a ministra “sem coerência nem dignidade” que aprovou a decisão de não aplicar sanções aos infractores, o governo lambe-botas, os políticos que se põem de cócoras perante os estrangeiros, etc., etc..

O grave da questão, é que nós, na realidade, estamos, económica e financeiramente, de cócoras. Estávamos quando entrámos na UE, continuámos a estar porque, para além dos fundos estruturais que aplicámos nas infra-estruturas viárias e ambientais, não soubemos desenvolver as nossas actividades produtivas (indústria, agricultura e pescas), malbaratámos os fundos para a formação, utilizando-o para manter o nível de emprego ou em acções sem qualquer eficácia e fomos permitindo que houvesse aumentos salariais na administração pública, e mesmo nas actividades privadas, por efeito de arrasto ou de contratação colectiva, muito superiores ao aumento das produtividades, que conduziu a uma situação grave de desequilíbrios financeiros que obrigaram a acções correctivas com efeitos negativos no rendimento disponível das famílias, numa conjuntura de recessão internacional, agravando os impactes dos efeitos negativos nas expectativas dos agentes económicos nacionais.

Nessa situação, o governo português não tinha alternativas. Ir votar a favor de sanções a países cujos contribuintes ajudam a pagar os fundos estruturais que Portugal recebe? A países em que parte do défice resulta justamente de serem contribuintes líquidos para a UE. E logo Portugal que, nos últimos anos se revelou um péssimo aluno, entrando em incumprimento em 2001, com um ministro das finanças que nunca chegou a saber, em tempo útil, ou mesmo inútil, a quanto montava o défice, Portugal que continua com o credo na boca sem saber se cumpre ou não a meta dos 3%?

Não é com exaltação patriótica, com patrioteirismos indignados, que ocorrem pontualmente, quando nos confrontamos com situações que nos ofendem como povo, que se resolvem estes problemas. Estas situações resolvem-se com o patriotismo quotidiano, com o trabalho que desenvolvemos, com as deliberações que tomamos para construirmos soluções que só a longo prazo produzem efeito, com determinação, com perseverança, aumentando a nossa produtividade, criando riqueza mas evitando distribuir aquilo que ainda não temos.

Em resumo, estas situações de menoscabo da nossa dignidade patriótica terão que ser sofridas no curto prazo mas devemos toma-las como exemplo para perseverarmos em construir um país mais próspero onde tal não volte a ser possível.

É esse o verdadeiro patriotismo, é essa a lição a tirar desta ocorrência e de outras, e será assim que poderemos sair da nossa situação de parente pobre da Europa. Injuriarmo-nos mutuamente e denegrir franceses e alemães não conduz a nada.

Publicado por Joana às 06:55 PM | Comentários (15) | TrackBack