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dezembro 14, 2003

Retóricas e simplicidades

Ladies and Gentleman, we got him. Só os anglo-saxónicos têm a capacidade de esvaziarem o seu discurso da retórica ornamental, irem direitos ao essencial e dizerem esse essencial despido de floreados, sem receio de serem tomados por incultos ou primitivos.

Uma boa comunicação deve ser como a saia feminina: curta, para despertar a atenção, mas com o comprimento suficiente para cobrir o essencial.

Foi o que fez Paul Bremer, o administrador norte-americano no Iraque, ao confirmar este domingo, numa conferência de imprensa em Bagdad, a captura do presidente deposto, Saddam Hussein.

Blair e Bush também se evidenciaram pela sua sobriedade. Palavras simples destituídas de retórica inútil. O oposto à alocução do Primeiro Ministro português. Felizmente o PR não teceu comentários, senão ainda estaríamos a tentar perceber o que é que na realidade teria acontecido, em face das dezenas de interpretações divergentes sobre a substância do seu discurso.

Nelson, antes do início da Batalha de Trafalgar, fez a seguinte proclamação:

England Expects that Every Man will do his Duty”: A Inglaterra espera que cada um de vós cumpra o seu dever.

Esta frase singela e determinada, despida de floreados e retórica, constitui, para mim, o mais belo exemplo do apelo ao patriotismo e ao pundonor. Nem louvaminhas pomposas à sua nação, nem injúrias desdenhosas à nação contrária.

Quase em simultâneo com essa proclamação, houve a proclamação grandiloquente de Napoleão após a vitória de Austerlitz – “Soldats, je suis content de vous ! Vous avez décoré vos aigles d'une immortelle gloire …” e prosseguia neste estilo retórico e pomposo, embora não tão empolado como era vulgar na Europa Continental de então, nomeadamente em Portugal, como se pode constatar ao ler as centenas de proclamações dos políticos e generais portugueses após a revolução de 1820 e durante as lutas entre liberais e absolutistas.

Aquela proclamação de Napoleão foi sempre considerada pelos franceses como um dos trechos mais talentosos da retórica política. São de facto duas mentalidades diferentes. A exaltação pomposa e palavrosa dos valores pátrios e da bravura militar contra a determinação, a objectividade, a perseverança e o patriotismo sereno e firme dos anglo-saxónicos.

Esse patriotismo sereno e firme dos anglo-saxónicos deveria constituir um exemplo para nós, portugueses, para a nossa retórica patrioteira e estéril, ou apenas estéril.

Publicado por Joana às dezembro 14, 2003 11:10 PM

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Comentários

Ó Joana a pausa entre o Gentleman e o we got him foram mais umas reticências à la Hollywood em entrega de óscares do que uma vírgula despida de floreados...
As lições que os americanos nos davam (e alguns ainda dão) em matéria de comunicação que a Joana sublinha nessa bela metáfora da saia curta têm sido substituídas por técnicas que exaltam mais o decote dos peitos que se apresentam devidamente recauchutados com silicone. O que antes era o pragmatismos dos factos é cada vez mais substituido pelo pragmatismo da ilusão manipulativa. Por isso nem tudo o que é rocócó é inútil e nem tudo o que se resume no sound bit é mandamento (e vice versa). Digamos que faltam mais indicadores para avaliar a situação, o "PIB per capita" é manifestamente insuficiente :-)

Publicado por: Rui MCB às dezembro 14, 2003 11:37 PM

Embora nada retirando à simplicidade e à sobriedade e impacte da mensagem de Nelson, convém acrescentar que, dado ela destinar-se a ser transmitida por sinais de bandeiras a toda a frota, haveria necessidade de se ser sintético.

Publicado por: Joana às dezembro 15, 2003 09:06 AM

O Rui MCB tem razão quanto à afirmação de Paul Bremer quando diz que os americanos nos dão "lições".

Hoje, todos nós sabemos que o tempo nos telejornais é valioso. Resumir a "história" a uma simples frase foi a melhor estratégia. Basta ver os canais de televisão nacionais e internacionais para saber que resultou.

Mas, o Rui chama-lhe "ilusão manipulativa".
Ao ouvir o "We got him" teve ele dúvidas sobre a captura do ditador???
Pensa ele que se tratou de efeitos especiais "à la Hollywood"?

O Rui MCB quer "condenar" os americanos por saberem comunicar. Eu preferia que os governantes portugueses aprendessem com eles!

Publicado por: BrainstormZ às dezembro 15, 2003 10:34 AM

Cara Joana,

A minimização nem sempre funciona.

Faz-me lembrar uma história sobre os alunos universitários a quem foi pedido um ensaio conciso em que entrassem os componentes "religião", "nobreza", "sexo" e "mistério".

O ensaio ganhador era deste teor:

"Oh, meu Deus", disse a Rainha, "Estou grávida, mas quem será o pai?"

No que respeita à comunicação de Paul Bremer, ela foi isso mesmo: uma comunicação.

Se assistirmos a uma conferência do porta voz da Casa Branca verificamos que ele chega a responder com "yes" ou "no" a várias perguntas e todos os jornalistas percebem o que ele quer dizer.

Concluindo: a "retórica patrioteira e estéril, ou apenas estéril" de muitos dos nossos compatriotas resulta directamente da necessidade dos nossos media preencherem telejornais de hora e meia e dos jornais encherem edições de quilo.

Ps: já repararam que nos USA esse tipo de programas de informação acontecem aos domingos de manhã para não chatearem as pessoas durante o resto da semana?

Publicado por: re-tombola às dezembro 15, 2003 01:41 PM

"Esse patriotismo sereno e firme dos anglo-saxónicos deveria constituir um exemplo para nós, portugueses, para a nossa retórica patrioteira e estéril, ou apenas estéril."

Sim.

Publicado por: Marapião às dezembro 15, 2003 02:22 PM

BrainstormZ: pensava mais num Colin Powell a apresentar as "provas" da existênca AMD nas Nações Unidas munido de fotos, filmes e boa retórica quando falei de "ilusão manipulativa" "à la Hollywood". Remember?

Publicado por: Rui MCB às dezembro 15, 2003 10:00 PM

De facto a primeira frase do Bremer é lapidar. Só um americano diria aquilo.

Publicado por: Viegas às dezembro 15, 2003 11:24 PM

Rui MCB:
Não podes comparar as "provas" apresentadas por Colin Powell nas NU com a comunicação da captura de Saddam (anunciada por Bremer).

Ao chamares "ilusão manipulativa à la Hollywood" às duas situações perdes um pouco da credibilidade da tua opinião referente à primeira situação. Cuidado!

Suponho que às fotos de Saddam capturado não classificas como "provas". A não ser que duvides da sua veracidade...

Publicado por: BrainstormZ às dezembro 16, 2003 07:51 PM

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