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dezembro 11, 2003

Pacheco Pereira e os carneiros de Panurgo

Pacheco Pereira publicou hoje um extenso artigo no Público sobre as presidenciais ao estilo que lhe é peculiar: diz o que pensa, com frontalidade, sem procurar dividendos políticos, sem mostrar ambições por cargos públicos, preferindo o reconhecimento a longo prazo ao triunfo imediato. Pacheco Pereira não enfileirará nunca na extensa fila dos carneiros de Panurgo.

Todavia, uma das pequenas misérias da democracia é que governar exige compromissos, exige que, muitas vezes, se engulam sapos vivos. O critério é saber avaliar se os benefícios são superiores ou inferiores aos custos.

Tomemos o caso da coligação do PSD com o PP. Partilho com JPP as dúvidas que ele tem sobre Paulo Portas. Só não partilho as suas certezas e apenas por não conhecer suficientemente o líder do PP para as validar ou não. JPP foi denodadamente contra a coligação. Em tudo quanto era tribuna pública ele perorou contra ela e atacou Portas.

Todavia não era possível um governo do PSD sozinho, sem o PP. O país estava (e continua) numa situação lastimável. Eram indispensáveis reformas urgentes e, na sua maioria, altamente impopulares no curto prazo. Não era viável um governo minoritário fazê-las. (Infelizmente o governo maioritário também não as está a fazer, mas isso é outro assunto). Um governo minoritário seria a catástrofe a curto prazo e implicaria rapidamente eleições antecipadas. E o principal coveiro desse governo seria provavelmente o PP. Não me parece que o PSD tivesse alternativa à coligação com o PP. Nem o pareceu à oposição, que centrou todos os seus ataques na figura do Portas, sabendo que a sua queda poderia arrastar a do governo.

Agora, JPP tem razão no facto de haver um excessivo protagonismo de Santana Lopes no que respeita à corrida para as presidenciais. Tem razão em muitas das coisas que afirma. Não há dúvida que é vital para Santana Lopes marcar desde já terreno se quer ser uma opção viável quando chegar a altura das decisões, e que ele o faz sem ter em conta, aparentemente, possíveis efeitos colaterais. E, adicionalmente, esse protagonismo de Santana Lopes pode vir a revelar-se um estorvo nas relações governo-PR.

Agora imaginemos, dentro do PSD, um cenário onde Cavaco Silva não se candidata. Nesse cenário, actualmente, apenas se prefigura a candidatura de Santana Lopes. Que fará JPP nesse caso? Dirá na campanha eleitoral que “seria um desastre para a estabilidade política em Portugal se tivéssemos um presidente populista”? Fará campanha contra o candidato do seu próprio partido? E, se o não fizer, como lidará com as boutades que as candidaturas adversárias não perderão a oportunidade de lançar, citando estas e outras afirmações suas?

JPP está certo quando afirma que “Criou-se no PSD um adormecimento facilitista, tomando por adquirido que o partido não consegue maiorias sem o apoio do PP, pelo que nem sequer luta por elas e parte já menorizado para eleições. Ninguém se iluda que a situação actual, gerada por um obscurecimento da oposição devido aos erros do PS no caso Casa Pia”. Mas esse “adormecimento facilitista” tem tido mais visibilidade no marasmo que se nota em muitos sectores da acção governativa, com as repercussões gravosas que se notam no curto prazo, mas que serão igualmente uma herança pesada, a médio e a longo prazo, do que na questão das eventuais futuras coligações, relativamente às quais o país e a opinião pública é, actualmente, muito menos sensível.

Há 2 maneiras de não partilhar a sorte dos carneiros de Panurgo. Uma é a recusa sistemática em alinhar, é a opção de JPP. Outra é avaliar se, borda fora, há o oceano, profundo e fatal, ou uma solução alternativa, porventura mais aceitável do que a recusa liminar. É a realpolitik. E JPP não estaria sozinho entre os pensadores políticos. Teria a companhia ilustre de Tucídides, Maquiavel, Cavour … para já não falar de nomes mais discutíveis e incómodos, como Bismarck e Kissinger …


Nota: no Adufe foi afixado um post sobre este artigo do JPP, com o qual eu concordo em alguns aspectos e cuja leitura recomendo.

Publicado por Joana às dezembro 11, 2003 07:53 PM

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Comentários

E se se gosta de sapos! Eu, por exemplo, só gosto de coxas de râ! E não as engulo logo, primeiro mastigo-as.


Um abração do
Zecatelhado

Publicado por: Zecatelhado às dezembro 11, 2003 09:38 PM

Joana, muito, muito obrigado pelo esforco. Fica a intencao.
Paulo

Publicado por: Paulo Portas às dezembro 12, 2003 12:23 AM

Preferimos assim a que leia Max Weber e se porte com a mesma frontalidade do Salazar ou do Manuel Maria Carrilho...

Um abraço,
Francisco Nunes

Publicado por: Planície Heróica às dezembro 12, 2003 01:16 AM


Cara Joana,

"(...)
Há 2 maneiras de não partilhar a sorte dos carneiros de Panurgo. Uma é a recusa sistemática em alinhar, é a opção de JPP. Outra é avaliar se, borda fora, há o oceano, profundo e fatal, ou uma solução alternativa, porventura mais aceitável do que a recusa liminar.
(...)"


Pois a mim parece-me que haverá 3 maneiras: as duas que enunciou e a que verdadeiramente JPP escolheu, isto é, a de ser ele mesmo Panurgo.

Pantagruel não se sentiria menos honrado se JPP o acompanhasse.

Publicado por: re-tombola às dezembro 12, 2003 09:53 AM

E, já agora que se mencionou Rabelais , não foi Pantagruel que afirmou "ciência sem consciência não é mais que a ruína da alma"?

Publicado por: re-tombola às dezembro 12, 2003 09:58 AM

re-tombola:
No que respeita à primeira questão, respondo-lhe, rindo-me, que você é capaz de estar cheio de razão.
Quanto à segunda, não sei. Mas que é bem observado, não haja dúvida. Rabelais era um homem cheio de talento.

Publicado por: Joana às dezembro 12, 2003 10:38 AM

É Joana estamos largamente de acordo. Espero que no cenário de só haver o tal político populista JPP mantenha, sem sombra de dúvida, a sua linha. Se necessário indo ao ponto de combater o populismo. Seria um serviço ao país. Mas Cavaco Silva resolverá o problema ou Marcelo...
Quanto a este parágrafo "Todavia não era possível um governo do PSD sozinho, sem o PP (...) sabendo que a sua queda poderia arrastar a do governo." é que não consigo estar de acordo. Como se vê e como diz JPP a coligação foi uma decisão errada no curto, no médio e no longo prazo, para o PSD e infelizmente para todos nós. O PSD deveria ter aprendido com a história, ainda que as situações não sejam estritamente comparáveis, a lembrança do primeiro governo de Cavaco Silva deveria ter sido inspiradora... Reconhecendo que estamos no campo das hipótese tenho cá para mim, que hoje, em Dezembro de 2003 com ou sem novas eleições estariamos bem melhor ao nível das reformas e da organização do Estado. Outros compromissos teriam sido possíveis ou outro poder estaria agora nas mãos do PSD.

Publicado por: Rui MCB às dezembro 13, 2003 01:43 AM

Joana:
Acho a sua análise sobre o Pacheco Pereira muito bem observada.
Mas o remoque do re-tombola sobre o Pacheco Pereira poder ser o Panurgo é o máximo!

Publicado por: Filipa Zeitzler às dezembro 13, 2003 11:31 PM

SENTIDO DE ESTADO

Segundo os jornais, Paulo Portas disse que Mário Soares terá “sofrido recentemente «três derrotas». A saber: «João Soares (filho) perdeu as eleições para a Câmara Municipal de Lisboa; Maria Barroso (mulher) não se manteve à frente da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP); Jorge Sampaio é o Presidente da República.»

Portas, como dirigente partidário, pode falar do primeiro e do último facto como “derrotas”, nunca do segundo, o afastamento de Maria Barroso da Cruz Vermelha, pelo Ministro da Defesa, ele próprio. Porque, se é assim, as razões para o afastamento de Maria Barroso foram motivos políticos e por ser esposa de Mário Soares, e isso configura um acto de retaliação inaceitável num estado democrático. Pela boca morre o peixe.

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Se disseram JPPereira , acertaram !

Publicado por: zippiz às dezembro 14, 2003 01:01 AM

Há 2 coisas notáveis aqui: o texto da Joana, que é excelente, e o remoque muito bem observado do re-tombola.

Estã de parabéns.

Publicado por: Hector às dezembro 16, 2003 01:20 AM

O país está cinzento, os portugueses andam cinzentos, o fado é cinzento …que me perdoem os fadistas mas, …não há por aí uma marcha?

Publicado por: fernando nogueira gonçalves às janeiro 11, 2004 03:39 PM

Maria Barroso nomeada para tacho por um anterior ministro da defesa por ser mulher de Mário Soares e destituída por posterior ministro da defesa por
ser mulher de Mário Soares !!!como foi que disse?

Publicado por: Francisco às abril 13, 2004 06:09 AM

Segundo Durkheim:
É impossível designar pelo mesmo nome de imitação o processo em virtude do qual, no seio de uma reunião de homens, um sentimento colectivo se elabora, o que nos leva aderir às regras comuns tradicionais de conduta e, finalmente, o que levou os carneiros de Panurgo a deitarem-se à água porque um deles o fez. Uma coisa á sentirmos em comum, outra é inclinarmo-nos perante a autoridade da opinião, outra, ainda é repetirmos automaticamente o que os outros fizeram

Publicado por: Rodbertus às abril 25, 2004 10:59 PM

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