setembro 04, 2005

O blog Noites Áticas

Ou … Noctium.atticarum@commentarium.blog.roma

Aulus Gellius - nasceu (entre 117 e 130) durante o reinado de Adriano e morreu (entre169 e 180) durante o reinado de Marco Aurélio. Nascido em Roma, foi completar os seus estudos em Atenas, como era vulgar entre os jovens patrícios, e regressou a Roma onde exerceu as funções de centuvirum ou jurado de causas cíveis e viveu num ambiente de gramáticos, retóricos, filósofos, sábios e antiquários, entregues a debates frívolos “De que cálculos e de que proporções, segundo Plutarco, se serviu o filósofo Pitágoras para determinar o tamanho de Hércules, durante sua estadia entre os homens” [1º escrito do Livro I] Quando se pode dizer que alguém está morto?”, “Deve-se ou não cumprir sempre as ordens dos pais, quaisquer que sejam?”, “Virtudes e Propriedades do número 7”, “Artifícios de Sertório para atrair os Bárbaros [Lusitanos]” (ver adiante este interessante post sobre os nossos antepassados) etc..

Aulus Gellius não foi um escritor, foi um compilador. No seu prefácio ao Noites Áticas escreve que após um debate na sua sociedade de eruditos e gramáticos, ou depois da leitura de um livro, tomava notas e escrevia um pequeno texto: todas as vezes que eu tive nas mãos um livro grego ou latino, ou que ouvia relatar alguma coisa de notável, sempre que fosse digno da minha atenção, qualquer que fosse o assunto, eu tomava notas sem ordem e sem sequência. Eram, por assim dizer, provisões literárias que eu punha de reserva para ajudar a minha memória. Aulus Gellius não escreveu um livro – escreveu um blog, o “blog” Noites Áticas, nome dado em lembrança dos tempos que passara em terras de Ática. Os seus “posts” são escritos ao acaso, sem sequência, nem um fio condutor, ao sabor da matéria em discussão no último debate, ou das leituras do autor, como em qualquer blog actual. Neste por exemplo.

Amontoam-se no seu “blog” histórias de heróis mitológicos ou de figuras proeminentes da história greco-romana, questões sobre o Direito Romano, dissertações sobre as palavras, as suas origens e como se utilizam, o que significam e como se declinam, opiniões de filósofos coevos, fragmentos de obras depois perdidas (o que se reveste de enorme importância), etc. O seu gosto pelos arcaísmos, por tudo o que era antigo, e a sua preferência pelos autores mais antigos, como Porcius Catão, perante outros mais recentes, como Cícero, simbolizam uma época que marca o fim do mundo antigo e o início da transição para a idade das trevas. Dion Cassius, que escreveu a sua história meio século depois, diria, sobre a morte de Marco Aurélio: saída de um reinado de ouro, a nossa história vai mergulhar num reinado de ferro e de ferrugem.

À beira do fim do seu mundo, os intelectuais dessa época queriam agarrar o que havia de mais puro e de menos corrompido desse mundo, e recuavam cerca de 4 séculos, até à época dos romanos de velha têmpera, do mos maiorum (*), dos valores de vida representados por gravitas, pietas e simplicitas(*) e dos ideais competitivos de virtus, gloria, honor e fama(*), as qualidades que tinham sustentado Roma durante as guerras púnicas e durante o período de ouro da república, até à destruição de Cartago, o saque de Corinto, a anexação da Grécia e Macedónia (tudo em 146 AC) e ao colapso da constituição republicana (133 AC), com o começo das lutas sociais e civis. Aulus Gellius é um dos nomes representativos da época de decadência das letras romanas. Provavelmente escrevia numa língua que, exceptuando o círculo em que vivia e os meios cultos da época, já não era entendida por ninguém. Depois dele foi a esterilidade. O século III é um Sahara literário.
Aullus Gelus.jpg
Apesar disso, a leitura de Aulus Gellius é muito interessante. É como estar a ler uma revista típica dos fins do século XIX, princípios do século XX, misturando curiosidades científicas (metafísicas, no caso de Aulus Gellius) e linguísticas, com histórias diversas e por vezes anedóticas sobre figuras conhecidas, numa escrita leve e sem pretensões.

O seu “blog” está compilado em 20 livros (o 8º perdeu-se, assim como parte do 6º), que “correspondem” aos “Arquivos Mensais” deste blog, e cada livro agrupa diversos posts. Citando alguns posts, ao acaso:

Como a obesidade era “censurada”:

Livro VII - XXII. Como os censores tinham o hábito de confiscar os cavalos aos cavaleiros [Ordem Equestre] demasiado gordos. E se esta condenação era degradante para os cavaleiros, ou se ela não atingia a sua dignidade.

Quando os censores encontravam um homem gordo, tinham o hábito de lhe confiscar cavalo, julgando, sem dúvida, que o peso do seu corpo o tornava impróprio para o serviço de cavalaria. Alguns pensam que tal não era uma punição, mais apenas um licenciamento sem degradação. No entanto Catão, num discurso que escreveu para a Celebração dos sacrifícios, reprova esse facto a um cavaleiro de forma tão incisiva que não restem dúvidas que ele atribuía a isso uma ideia de degradação. Se adoptarmos esta opinião, devemos acreditar que quem possuísse um corpo excessivamente gordo era olhado como culpado de indolência

E também tinha posts fracturantes:

Livro IX - IV. Tradições maravilhosas sobre algumas nações bárbaras. Encantamentos funestos e deploráveis. Mulheres que mudam subitamente em homens.

(excertos)
… Entretanto, a propósito de prodígios, permitir-me-ia citar Plínio, o Segundo, …”As metamorfoses de mulheres em homens não são uma fábula. Lemos nos anais que, sob o consulado de Q. Licinius Crassus e de C. Cassius Longinus, uma rapariga de Casinum, que vivia com os seus pais, se tornou num rapaz e que foi transportada, por ordem dos sacerdotes, numa ilha deserta. … Eu próprio vi, em Africa, L. Cossicius, cidadão de Thysdrus, que, inicialmente mulher, mudou de sexo no dia do seu casamento. ”
…
Plínio, no mesmo livro
[História Natural], diz ainda: «Há seres que reúnem os dois sexos, a quem chamamos hermafroditas ; antes eram chamados andróginos, e eram olhados como monstros. Hoje fazem as delícias da libertinagem».

E sobre os nossos antepassados, os Lusitanos, também há um post:

Livro XV - XXII. Aspectos da vida de Sertório; a sua habilidade, a suas astúcias e os seus artifícios para atrair os soldados bárbaros.

Sertório … nas conjunturas difíceis, mentia aos seus soldados, se via utilidade em mentir; Lia-lhes cartas, imaginava sonhos, falsas inspirações, quando esses expedientes lhe pareciam apropriados para agir sobre o espírito dos soldados. … Um Lusitano deu-lhe uma corça branca, de uma beleza rara … e ele soube persuadir todos que era um dom do céu, que inspirado por Diana, conversava com ele, dava-lhe conselhos e ensinava-lhe o que fazer. Quando pretendia que as suas tropas fizessem algo de penoso, dizia que apenas executava o que a corça lhe ordenava, e todos lhe obedeciam como a um Deus.
Um dia a corça, aterrada pelo tumulto do campo de batalha, fugiu e escondeu-se num pântano próximo. Após buscas inúteis, julgaram-na morta.
Dias depois alguém anunciou a Sertório que ela fora encontrada. Ele ordenou silêncio sobre isso e que a corça fosse transportada para o local onde ele se iria encontrar com os seus ajudantes. No dia seguinte, nesse local, ele reuniu-os e contou-lhes que tinha visto em sonhos que a corça iria regressar para o instruir como até então; fez então um sinal ao escravo e a corça precipitou-se na sala, no meio de gritos de admiração. Sertório sabia, nas ocasiões importantes, tirar partido desta credulidade dos bárbaros e verificou-se que todos esses povos fizeram causa comum com ele e nenhum, apesar dos numerosos revezes, desertou; e sabe-se quanto esses povos são versáteis.


Esses bárbaros crédulos e “versáteis” que só seguiam os líderes quando eles lhes mentiam descaradamente, eram os nossos antepassados. Mantemos essa notável herança virtutibus maiorum. Continuamos demasiado versáteis e a acreditar naquilo que os políticos nos dizem, sempre que acham útil mentirem-nos, por mais óbvias que sejam essas mentiras. Só que em vez de corças mensageiras de Diana, dizem-nos que tudo se resolverá sem sacrifícios, que não vai haver aumentos de impostos, que vai haver rigor nas contas, que vai haver mais 150 mil empregos, que vai haver moralização na vida pública, que vai ser restaurado o clima de confiança, etc.

(*) Notas:
mos maiorum: Costumes dos nossos antepassados
gravitas, pietas e simplicitas: sobriedade (ou prudência), cumprimento dos deveres agindo com rigor e honestidade, simplicidade (frugalidade)
virtus, gloria, honor e fama: coragem (brio, virtude), glória, desempenho de cargos públicos sem remuneração, fama.

Qualidades e ideais cuja existência fez a grandeza de Roma (enquanto duraram), e cuja persistente ausência tem feito a mesquinhez e a desgraça de Portugal

Fonte dos textos de Aulus Gellius: Œuvres Complètes d’Aulu-Gelle, 2 vols, Paris – Librairie Garnier Frères (sem data, provavelmente fins do séc XIX ou início séc XX), Edição bilingue.

O texto latino (incompleto) está aqui

Publicado por Joana às 06:55 PM | Comentários (61) | TrackBack

agosto 15, 2005

Neoplatonismo Socrático

Paradoxo? … ou talvez não!

Se a alguém compete mentir, é aos chefes da cidade, em benefício da cidade, ludibriando quer os inimigos, quer os próprios cidadãos, … e afirmamos que o particular que mente aos chefes comete uma falta da mesma natureza, mas mais grave … que o marinheiro que engana o piloto … Por conseguinte, se os governantes surpreenderem algum dos cidadãos da classe dos artesãos a mentir … castigá-lo-ão, a título de que introduz costumes nocivos ou susceptíveis de pôr em risco a cidade. Platão, A República, Livro III.

Sócrates mentiu sobre as promessas eleitorais, mentiu quando afirmou que ignorava o défice, mentiu sobre os impostos, mentiu sobre a criação de empregos, mentiu sobre a colocação de boys e moralização da vida pública, pretende ludibriar os cidadãos sobre a existência de estudos sobre a Ota e sobre o facto desses alegados estudos serem irrefutáveis sobre as vantagens do novo aeroporto. Sócrates, e os restantes líderes da polis, não têm feito outra coisa senão mentirem. E quando um é apanhado a dizer, embaraçadamente, uma verdade, é demitido liminarmente por ter tentado introduzir costumes nocivos ou susceptíveis de pôr em risco a polis.

Falta de Ética? De forma alguma. Apenas uma questão de perspectiva: uma Ética vista em termos de utilidade colectiva e não de utilidade individual. E quem define a utilidade colectiva? O líder. Assim sendo, o líder não mente, ludibria os cidadãos para defender a maximização da utilidade colectiva de acordo com as concepções que ele próprio estabeleceu.

Surgiu então, parece, um homem sábio e astuto,
Compôs um conto, uma doutrina feiticeira
Vedando a verdade com véus de falso saber.
Cingiu assim os homens com o jugo do pavor,
Infundiu-lhes encantos e temores feiticeiros,
Mudando a desordem em lei serena e ordem

Crítias, Fragmento 15, excertos (via Karl Popper - A Sociedade Aberta ... Vol 1)
Crítias, tio de Platão, foi um dos líderes dos 30 Tiranos, espécie de Quisling ateniense por conta de Esparta.

Publicado por Joana às 06:23 PM | Comentários (73) | TrackBack

janeiro 01, 2004

O Mito da Caverna da Justiça

Onde Semiramis relata a Glauco, e à blogosfera em geral, o aprisionamento da percepção da verdade

Nós estamos, desde o início desta história da pedofilia, dia após dia, aprisionados na caverna subterrânea da justiça. Os nossos raciocínios e sentimentos estão algemados de tal modo que são forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas na direcção da informação que nos é veiculada, não podendo abri-los em qualquer outra direcção, nem para trás nem para os lados. A entrada da caverna da justiça permite que uma ténue luz exterior ali penetre, de modo que se possa, na semi-obscuridade, enxergar as sombras que se movem no interior.

Por causa da luz exterior, enxergamos na parede do fundo da caverna algumas sombras processuais: documentos, depoimentos, escutas, testemunhas, etc., mas sem os podermos ver nem os factos, nem as pessoas a que dizem respeito.

Como nunca vimos as coisas “em si”, nós, os prisioneiros, imaginamos que as sombras que vemos são as próprias coisas. Ou seja, não podemos saber que são sombras, nem podemos saber se são factos, nem se são aquelas as pessoas a que respeitam, ou se há outras pessoas relacionadas esses factos fora da caverna. Também não podemos saber o que enxergamos porque imaginamos que toda a luz feita sobre os factos é a que reina na caverna.

Que aconteceria se algo nos libertasse? Que faria um prisioneiro libertado? Em primeiro lugar, olharia toda a caverna, veria a opinião pública agrilhoada e a luz intensa vinda da abertura. Embora dorido por meses de imobilidade, começaria a caminhada rumo à entrada da caverna.

Num primeiro momento, ficaria completamente cego, pois a verdade é como a luz do sol, e ele ficaria inteiramente ofuscado por ela. Depois, acostumando-se à claridade, enxergaria as próprias coisas e factos, descobrindo que, durante o ano que passou não vira senão sombras de imagens projectadas no fundo da caverna e apenas as relativas aos factos que quiseram projectar, e que somente agora está contemplando a realidade em si.

Liberto e conhecedor do real, o prisioneiro regressaria à caverna, contaria aos outros o que vira e tentaria libertá-los.

Que lhe aconteceria nesse regresso? Os demais prisioneiros troçariam dele, não acreditariam nas suas palavras e, se não conseguissem silenciá-lo, tentariam fazê-lo por qualquer outra forma e, se mesmo assim, ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a sair da caverna, certamente acabariam por o hostilizar e eliminar do seu convívio.

E assim estamos nós. A imagem que nos chega das peças acusatórias é a que nos querem mostrar, reflectida segundo os ângulos que pretendem. O poder mediático e político dos arguidos e o poder corporativo da justiça são, ou podem ser, cristais refractores que criam ilusões onde deveria transparecer a verdade, que nos mergulham na sombra quando a nossa natureza humana anseia por viver banhada na luz da verdade.

Ou de como Semiramis resolveu iniciar o ano a filosofar

Publicado por Joana às 07:37 PM | Comentários (14) | TrackBack

novembro 09, 2003

Tucídides, o Peloponeso e o Iraque - 6º Acto

A democracia e a sua fragilidade

Vale a pena aqui voltar ao discurso de Péricles sobre a Democracia. No citado elogio ao soldado caído nas guerras contra Esparta, Péricles diz que os heróis se sacrificaram não meramente pela sua cidade, mas pelo que ela significava, uma democracia singular e que era o modelo e a escola da Grécia. E descreve as suas características. Nela não havia censura nem intromissão na vida privada do indivíduo. O cidadão era livre para exprimir a sua opinião, enquanto nas restantes cidades, por exemplo Esparta, o caso mais extremo de totalitarismo, o cidadão vivia em função exclusiva da colectividade e nenhuma opinião contrária aos regimes estabelecidos lhe era permitida. Atenas tinha as suas portas abertas. Qualquer estrangeiro poderia visitá-la. As suas praças e ágoras estavam em permanentemente efervescência com debates e discussões em que todos podiam participar e intervir. Era o teatro, a música e os desportos, e não as paradas militares, que empolgavam aquela sociedade. Mas nem por isso os seus soldados se mostravam inferiores no campo de batalha, quando chegava a hora de combater.

Porém, esta indelével figura de Atenas como cidade aberta, tão brilhantemente exposta por Péricles, não se manteve. Atenas perdeu a guerra. Terminou sua idade de ouro e caiu sob domínio de Esparta. Foi um domínio de curta duração, mas nunca mais se reergueu. Mas Esparta teve pior sorte. A sua derrocada, anos depois, levou-a a desaparecer da história, definitivamente. A Grécia entrou na decadência e acabou na dependência da Macedónia e depois de Roma.

O nosso mundo, no início do século XXI, é uma estranha amálgama de continuidade e de mudança. Alguns aspectos da política internacional não se alteraram desde Tucídides. Existe uma determinada lógica de hostilidade, um dilema de segurança/insegurança que acompanha a política entre Estados. Alianças, equilíbrios de poder e escolhas de políticas entre a guerra e o compromisso, permaneceram semelhantes ao longo dos milénios.

Uma ilação a tirar, paradoxalmente contrária à que foi tirada noutros textos aqui apresentados, é a de que a democracia é frágil perante estados totalitários, baseados na opressão interna, no cerceamento da liberdade de expressão, na desconfiança sobre o comportamento dos seus cidadãos e na repressão de quaisquer veleidades de oposição. Os sistemas fechados gozam da vantagem de não admitirem opositores internamente e de exercerem controlo sobre a informação. Por isso apresentam uma imagem de uma maior coesão, eventuais dificuldades e desaires não chegam à opinião pública, ou chegam com uma imagem distorcida e mesmo contrária à realidade. Foi essa a vantagem de Esparta sobre Atenas, foi essa a vantagem da Alemanha nazi e do Japão imperial sobre as potências aliadas no início da guerra de 1939/45.

No dealbar do século XXI, após o esmagamento do totalitarismo de direita em 1945 e o desmoronamento do mundo soviético há pouco mais de uma década, já não há uma grande potência totalitária, como Esparta, para se opor à grande potência democrática, Atenas.

Assim, na nossa época, a liberdade, a tolerância e o exercício da democracia e da participação cívica, na sua acção concertada, criaram sociedades de grande prosperidade que se impõem economicamente, mas também militarmente. Mas essa combinação de poder económico e militar está circunscrita aos EUA. O poder económico da Europa não tem suficiente contrapartida no poder militar. A Europa terá poder militar para se defender de uma agressão externa no interior das suas fronteiras, mas não o tem para defender os seus interesses fora dessas fronteiras.

Portanto, no que respeita à Europa, a lição de Tucídides de que a democracia é frágil perante estados totalitários, que controlam a informação e podem desviar verbas importantes para planos bélicos de armamento de destruição maciça sem que alguém, internamente, os impeça, é algo de fundamental a reter.

É algo que a Europa deverá pensar maduramente nesta fase de construção da sua identidade.

Publicado por Joana às 11:00 PM | Comentários (3) | TrackBack

Tucídides, o Peloponeso e o Iraque - 5º Acto

A hipocrisia de democratas e tiranos

Tucídides observava que cada Cidade-Estado expunha as suas razões para justificar seu envolvimento no conflito. Mas o perspicaz historiador não se contentava com os discursos oficiais e procurava identificar as razões verdadeiras por detrás dessas posições e desses argumentos.

Em Tucídides transparece, ao longo da sua obra, que as alianças atenienses eram sempre estabelecidas de tal modo que apenas beneficiavam a si própria, mesmo quando o pretexto para essas alianças tinha fins eticamente inatacáveis, como o de derrubar oligarquias e regimes tirânicos. Neste entendimento, haveria uma curiosa semelhança entre o comportamento imperial de Atenas e a imagem que muitos actualmente têm do comportamento dos EUA em matéria de política internacional.

Tucídides mostrou-nos igualmente que, em todos os casos, os tiranos, os oligarcas e as oligarquias estavam sempre propensos a apoiarem outros oligarcas ou oligarquias. Mesmo se esses tiranos, oligarcas, ou aspirantes a tal, fossem cidadãos de uma democracia.

Veja-se o caso do ateniense Alcibíades, general ateniense, sobrinho de Péricles, dotado de brilhantes qualidades, grande orador, mas sem escrúpulos, rompeu a trégua existente (Paz de Nícias) e, chefe do Partido Democrático, mas aspirando à tirania, levou Atenas a uma aventureira expedição à Sicília, que foi um desastre completo. Processado e condenado pelos atenienses, refugiou-se entre os espartanos, os protectores dos tiranos, das oligarquias e dos regimes aristocráticos. A eles confiou segredos que havia obtido enquanto comandante ateniense, deixando a própria pátria em apuros. A sua pátria era afinal o vil metal e o poder pessoal.

Todavia, e apesar da hipocrisia de muitos dos dirigentes políticos de então, em todas as circunstâncias, os chefes dos partidos populares apelavam à ajuda e intervenção de Atenas, enquanto que os aristocratas apelavam à ajuda e intervenção de Esparta.

Quando, em 411, após 20 anos de guerra, o regime democrático ateniense é derrubado pelo partido oligárquico, este imediatamente faz a paz com Esparta. Aquela guerra não era apenas uma guerra hegemónica, por redistribuição de territórios e apropriação de riquezas, era acima de tudo um conflito ideológico, entre a democracia e a tirania (ou aristocracia), semelhante aos conflitos que sacudiram o nosso mundo no último século.

Portanto, Tucídides acaba por ser um observador impiedoso da generosidade da democracia, mas também da hipocrisia do comportamento de alguns dos seus dirigentes, assim como um observador impiedoso da tirania dos oligarcas e da sua ânsia pelo poder pessoal, pelo dinheiro e o seu desprezo pela cidadania e liberdade.

Mas a principal conclusão a reter, e o rescaldo daquela guerra não deixa quaisquer dúvidas, é que com ou sem hipocrisia, com ou sem “projecto imperial”, as democracias estão, têm que estar, do mesmo lado e em oposição à tirania e aos regimes totalitários. E o seu melhor contributo para um mundo melhor não será ficarem como espectadoras a observar os conflitos, mas envolverem-se neles lutando para que não haja hipocrisias e para que a democracia não sirva de alibi a quaisquer projectos imperiais.

Publicado por Joana às 10:24 PM | Comentários (2) | TrackBack

Tucídides, o Peloponeso e o Iraque - 4º Acto

O Elogio da democracia e o projecto imperial

Tucídides (II, 37) põe na boca de Péricles um dos mais notáveis elogios que alguma vez foi feito ao sistema democrático A nossa Constituição ... chama-se "democracia" porque o poder está nas mãos, não de uma minoria, mas do maior número de cidadãos – mas nesse elogio, Péricles (ou Tucídides ao citá-lo), embora sem ter provavelmente consciência do passo que estava a dar, enuncia um novo tipo de "patriotismo" ao serviço de um projecto imperial.

As palavras de Péricles, no elogio fúnebre a um soldado caído na guerra, dirigem-se tanto a atenienses como a estrangeiros, apresentando a democracia de Atenas como «um padrão de referência», como um modelo a imitar por todas as cidades gregas: porque «há igualdade perante a lei»; porque «dá aos homens a liberdade e a todos abre caminho das honras»; porque «mantém a ordem pública, assegura aos magistrados a autoridade, protege os fracos, e dá a todos espectáculos e festas que são educação da alma»; e, ao concluir, «Eis aqui porque os nossos guerreiros preferiam morrer heroicamente a deixar que lhes tirassem esta pátria; eis ainda porque quantos sobrevivem estão sempre prontos a sofrer por Atenas e a consagrarem-se-lhe.»

No elogio de Péricles, a pátria deixara de merecer ser amada apenas por ela ser o lar dos seus maiores, pela sua religião e pelos seus deuses. A pátria merecia ser também amada pelas suas leis, pelas suas instituições e pelos seus direitos. O cidadão tinha deveres e devia-se sacrificar pela sua cidade, mas porque nela usufruía de instituições que lhe davam vantagens.

Seguem-se os excertos mais importantes desta notável arenga política:

O regime político que nós seguimos não inveja as leis dos nossos vizinhos, pois temos mais de paradigmas para os outros do que de seus imitadores. O seu nome é democracia, pelo facto de a direcção do Estado não se limitar a poucos, mas se estender à maioria; em relação às questões particulares, há igualdade perante a lei; quanto à consideração social, à medida em que cada um é conceituado, não se lhe dá preferência nas honras públicas pela sua classe, mas pelo seu mérito; tão pouco o afastam pela sua pobreza, devido à obscuridade da sua categoria, se for capaz de fazer algum bem à cidade.
.......
Distinguimo-nos dos nossos adversários, no que respeita a assuntos bélicos, no seguinte: franqueamos a todos a nossa cidade, e não há ocasião alguma em que, numa proscrição de estrangeiros, cerceemos seja a quem for qualquer oportunidade de aprender ou de ver um espectáculo, cuja observação pudesse ser útil a algum inimigo, se não lho ocultássemos. Não confiamos mais nos preparativos e nas ciladas do que na coragem que brota de nós mesmos para a acção.
......................
Se, pois, com mais desprendimento do que esforço, e com uma energia mais derivada dos nossos hábitos do que prescrita pelas leis, quisermos expor-nos ao perigo, sucede-nos que não padecemos antecipadamente as dores que estão para vir, e, quando chega a ocasião, não nos mostramos menos corajosos do que os que vivem em contínuo estado de esforço. Por isto é a cidade digna de admiração, e por outras razões ainda.
.........................
Diferentemente dos outros, temos ainda a norma de ousar o máximo, mas reflectir profundamente sobre a empresa a que nos votamos. Enquanto que aos outros a ignorância traz a coragem, e o cálculo acarreta a hesitação. Com razão se podem julgar mais corajosos os que conhecem com toda a clareza os riscos e prazeres e, por causa deles, não se alheiam do perigo. Também na generosidade de conduta somos o oposto da maioria. Não é por recebermos benefícios dos amigos, mas por lhes fazermos bem, que os conservamos.
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Em resumo, direi que esta cidade, no seu conjunto, é a escola da Grécia, e cada um de nós em particular, ao que me parece, se mostra mais apto, para as mais variadas formas de actividade e para, com a maior agilidade, unida à graça, dar provas da sua perfeita capacidade física. É a própria força da cidade que, em virtude destas qualidades, que possuímos, bem demonstra como o que acabo de dizer não é um discurso forjado para estas circunstâncias, mas a verdade dos factos. Sozinha dentre as que existem, é posta à prova e mostra-se superior à fama que possui, é a única que, quando invadida, não causa irritação ao inimigo pelo carácter dos que o derrotam, nem censura aos que ficam submetidos, por serem governados por homens indignos.
Foi por uma cidade assim que pereceram nobremente em combate os que julgaram não dever consentir que os privassem dela. E os que ficaram é natural que queiram também sofrer por uma causa.
Eis a razão por que me alonguei ao falar da nossa cidade, explicando que o nosso combate não é por motivos iguais para nós e para aqueles que não possuem idênticos privilégios, e fazendo publicamente, com provas, o elogio daqueles em cuja honra falo agora.
...........................
Nenhum destes se deixou amolecer pela riqueza, preferindo continuar a gozá-la, nem recuou ante o perigo, na esperança de evitar a pobreza, se lhe escapasse, e de poder enriquecer ainda. Consideravam que a vingança sobre os seus adversários era mais desejável do que a opulência, e entenderam que isso se sobrepunha ao risco. Por isso deliberaram castigar assim os inimigos, e abandonar tudo o mais, confiando à esperança a incerteza da vitória, mas, na acção, perante a realidade já iminente, seguros de si mesmos. E, no próprio combate, entenderam que era mais belo lutar e sofrer do que salvarem-se, entregando-se. Assim evitaram a vergonha da fama que lhes adviria, aguentaram o seu posto com os seus corpos, e partiram desta vida no breve instante do transe decisivo, na culminância da expectativa, mais da glória do que do temor.

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Tucídides, o Peloponeso e o Iraque - 3º Acto

A Lei do mais forte

A actualidade de Tucídides na época que atravessamos vê-se, por exemplo e a dada trecho, quando põe na boca de um ateniense que fazia um ultimato a um estado minúsculo, que estava recalcitrante em o aceitar, por pensar que tinha o Direito das Gentes pelo seu lado, o seguinte conceito:

Sabeis tão bem quanto nós que o direito, em todo o mundo, só existe entre iguais em poder, ao passo que os fortes fazem o que querem e os fracos o sofrem

Eis o relato de Tucídides:

No décimo-sexto ano da guerra do Peloponeso, Atenas, a cidade que sob o governo de Péricles, entretanto falecido durante a peste que assolara Atenas, se tornara a 'escola viva da Grécia', tomou as armas contra uma colónia espartana, a minúscula ilha de Melos, até então neutra na guerra, que se recusava a submeter a seu domínio. Antes de a atacar, os Atenienses enviaram uma embaixada para entabular negociações. Os embaixadores atenienses disseram o seguinte:
"Estamos agora aqui e vô-lo demonstraremos, a fim de consolidar o nosso império e apresentaremos propostas capazes de salvar a vossa cidade, pois não queremos estender o nosso domínio sobre vós sem correr riscos e, ao mesmo tempo, salvar-vos da ruína, para o bem de ambas as partes".
Os representantes de Melos responderam: "E como poderemos ter o mesmo interesse, nós tornando-nos escravos e vós, sendo patrões?"
Atenienses: "Enquanto vós tereis interesse em submeter-vos antes de sofrer os mais graves males e nós teremos o nosso ganho não vos destruindo completamente".
Melienses: "De modo que não aceitareis que nós fôssemos, em boa paz, amigos em vez de inimigos, conservando intacta a nossa neutralidade?"
Atenienses: Não, porque nos prejudica mais a vossa amizade do que a hostilidade aberta: de facto, aquela, aos olhos de nossos súditos, seria prova manifesta de fraqueza, enquanto o vosso ódio seria testemunho da nossa potência, e não se poderá dizer que vós, ilhéus e menos poderosos do que outros, resististes vitoriosamente aos senhores do mar".
Melienses: Também nós (e podeis acreditá-lo) consideramos muito difícil apoiar-nos em vossa potência e contra a sorte, se não for igualmente favorável para ambos. Contudo, temos firme confiança em que, no que respeita a fortuna que provém dos deuses, não devemos levar a pior, pois, fiéis à lei divina, insurgimos em armas contra a injusta opressão".
Atenienses: "Se for pela benevolência dos deuses, nem sequer nós temos medo de ser por eles abandonados. Os deuses, de facto, segundo o conceito que deles temos, e os homens, como se vê claramente, tendem sempre, por necessidade de natureza, a dominar onde quer que se prevaleça pela força. Esta lei não fomos nós que a instituímos e nem fomos os primeiros a aplicá-la; assim, da forma como a recebemos e da forma como a transmitiremos ao futuro e para sempre, nós nos servimos dela, convencidos que também vós, como os outros, se tivésseis a nossa potência, o faríeis
".

Em face deste diálogo de surdos, a delegação ateniense regressou às suas bases, os estrategas organizaram o dispositivo de cerco e de ataque e após meses de uma resistência desesperada, mas inútil, os melienses renderam-se sem condições: os adultos foram passados pelas armas e as mulheres e as crianças vendidas como escravas.

Ler este texto faz-nos vir à memória muitos comportamentos de dirigentes políticos mundiais no último século e, com maior actualidade, nos últimos anos.

A ideia expressa por Hitler que aos vitoriosos ninguém pede explicações acerca das mentiras sobre as quais se basearam para desencadear o conflito, é uma transposição de descrições de Tucídides levadas à perversidade extrema. Estaline e outros líderes totalitários foram também discípulos dedicados daqueles conceitos.

A administração Bush, na forma como dirimiu a questão do Iraque, seguiu o exemplo dos atenienses em Melos. Saddam, por sua vez, havia praticado aquela máxima com todos os que eram mais fracos que ele.

Pode achar-se estranho que Tucídides, ateniense de gema, escrevesse com aquela crueza. Todavia fê-lo, quer por ele ser escravo da verdade, quer porque, para além de estar ressentido pelo exílio a que fora votado, era então favorável ao Partido Aristocrático (contrário à guerra), enquanto que em Atenas e nos seus aliados, a política era dominada pelos democráticos. Ou fê-lo por achar que o Direito das Gentes era aquilo mesmo e não havia nada de imoral naquela postura.

É difícil descortinar as razões íntimas de Tucídides, nem isso parece relevante para o efeito. O que é importante é o que ele escreveu e a descrição que fez.

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novembro 08, 2003

Tucídides, o Peloponeso e o Iraque - 2º Acto

A importância da História da Guerra do Peloponeso

Falando de Tucídides, verifica-se ser verdade aquele aforismo que diz que “quem sabe faz, quem não sabe ensina”, neste caso “escreve”.

O nosso amigo Tucídides, despedido, por incompetência, de estratego das forças atenienses, foi a banhos para a Trácia (bem longe do epicentro do conflito, dadas as más comunicações da época) e aproveitou esse repouso forçado para escrever sobre a guerra. Já que o julgavam incapaz de a conduzir, ele iria mostrar que a sabia interpretar. E mostrou!

Tucídides escreveu a sua História da Guerra do Peloponeso com grande rigor técnico. Isso transparece em cada página da sua História. Ao invés de seus predecessores, e de muitos que posteriormente se dedicaram à mesma profissão, ele não se preocupou apenas em descrever uma sucessão de factos curiosos ou dramáticos. Os acontecimentos que descreve são apresentados de forma concisa e desapaixonada, em ordem rigorosamente cronológica, com grande sobriedade, sem retóricas desnecessárias. O enquadramento em que eles ocorreram é delineado sempre de forma crítica e procura determinar as causas mais profundas dessas ocorrências e o porquê dos seus resultados. Em Tucídides não era o destino, não eram os deuses, não era algo exterior aos homens que fazia mover a história, mas apenas as paixões e os interesses humanos.

No preâmbulo, Tucídides põe em causa a inexactidão com que os seus contemporâneos tratavam os relatos históricos ou coevos: “Vê-se com que negligência a maioria das gentes procura a verdade e como elas acolhem como verídicas as primeiras informações que lhes chegam” (I-XX). Se Tucídides lesse os nossos meios de comunicação ou pesquisasse os nossos fóruns e blogues da net, ficaria desiludido pelo facto da humanidade pouco ter avançado nos últimos 25 séculos.

O conflito em causa, que embora designado pelo nome de Guerra do Peloponeso alastrou a todo o mundo grego, incluindo a Sicília, foi descrito de uma forma muito meticulosa por Tucídides, quer as operações militares, quer as negociações políticas, acordos e alianças e todos os factores que, directa ou indirectamente, influenciaram os acontecimentos. A sua história é um modelo de clareza e concisão e é certamente o pai da historiografia baseada em factos, que não tem nada a ver com a historiografia baseada no Milagre de Ourique da Monarchia Lusitana de Fr. Bernardo de Brito e dos monges de Alcobaça, escrita 20 séculos depois, e isto sem menoscabo para a intenção patriótica dos monges de Alcobaça, em pleno domínio castelhano, de exaltarem a pátria oprimida.

O que impressiona é a lucidez com que Tucídides prevê os acontecimentos subsequentes. Profundamente céptico, afasta quaisquer explicações moralistas, superficiais e a noção metafísica do destino. Escreve Tucídides:

A minha investigação foi penosa porque aqueles que assistiram aos acontecimentos não os contavam de igual modo, falando deles segundo os interesses do seu partido ou segundo a volubilidade das suas lembranças” (I-XXII).

Uma das coisas importantes para nós, na História de Tucídides, é que, na actual conjuntura onde se debatem os limites da defesa ou da imposição dos valores democráticos no mundo; se debate a justeza e a viabilidade da tentativa americana de imposição desses valores a todo o planeta; se debatem as raízes do unilateralismo americano, isto é, se ele resulta de uma incapacidade própria de ver o mundo sem ser a preto e branco, ou se resulta da tibieza da Europa em acompanhar as pretensões americanas, influenciando-as como aliada; e se debate se os regimes ditatoriais e castradores dos direitos, liberdades e garantias não deverão ser abolidos quer com o recurso a pressões económicas ou políticas, quer recorrendo à força, etc..

Ora estes foram temas que, directa ou indirectamente, a obra de Tucídides abordou, e o que ainda é mais interessante, é que a sua história nos permite várias leituras e extrair diversas conclusões, algumas aparentemente contraditórias entre si.

Publicado por Joana às 09:53 PM | Comentários (5) | TrackBack

Tucídides, o Peloponeso e o Iraque - 1º Acto

Os pseudo-Tucídides da net

Os acontecimentos internacionais, desde a intervenção americana no Afeganistão até ao conflito iraquiano e as suas actuais sequelas têm dado aso a diversos comentaristas explanarem, freneticamente, as concepções geo-estratégicas mais arrojadas (e absurdas, na maioria).

Os mais diversos comentaristas, nos mídia e nos fóruns da net, escreveram e reescreveram a História para sustentarem as suas concepções estratégicas com uma ousadia e uma fantasia que faria inveja aos enciclopedistas soviéticos que andaram 70 anos a reescrever a História, até lhes tirarem os lápis e o papel.

E não há indícios que a imaginação desses comentaristas se esteja a esvair. Mesmo que aquilo que escreveram com uma convicção inabalável na semana n fosse completamente invalidado pelo ocorrido na semana n+1, e que o que foi afirmado como uma certeza inexorável na semana n+2, tenha ficado absolutamente infirmado na semana n+3 e …e que a previsão irredutível da semana n+m (com m a tender para infinito) tenha desabado com fragor na semana n+m+1, …etc., etc., etc., os prolixos comentaristas da net (fóruns, blogues, etc.) continuam indiferentes e desmemoriados.

Se Darwin analisasse esta espécie nova, que erra sistematicamente e não tem qualquer função de aprendizagem que lhe permita alterar o rumo do seu percurso, deduzi-la-ia como valência ontológica do Pithecantropus em S (Variante degenerativa do Pithecantropus erectus), um ramo colateral da linha que chegou ao Homo Sapiens Sapiens, mas que falhou algures, devido à exposição prolongada ao teclado e ao monitor, conduzindo a um impasse evolutivo.

Sendo assim, e dada a impossibilidade de competir com a imaginação delirante desses comentadores desdenhosos do empecilho incómodo dos factos, vou aproveitar este fim de tarde outonal para reflectir sobre um comentador que, por ter falecido há milénios, poderei falar sobre ele à vontade, sem receio que me venha a desmentir ou contrariar.

Falemos então de Tucídides.

Publicado por Joana às 09:30 PM | Comentários (4) | TrackBack