novembro 24, 2005
Exibicionismos
Ou um post lascivapoliticamente incorrecto
Tem havido uma enorme restolhada sobre comportamentos públicos na sequência do beijo da Gaia. Rapidamente o banzé saiu fora do domínio da vida social e invadiu o domínio político e quiçá económico. Julgo que as escolas marxista, neoclássica e austríaca foram chamadas à colação. A questão ganhou tal pertinência que poderá dar origem à Escola Portuguesa que unificará, numa poderosa visão sincrética, a totalidade do pensamento e praxis política, económica e social, desde os mais recentes desenvolvimentos sobre a concorrência monopolística e a teoria dos jogos, até aos grafitis nos lavabos públicos, passando pelas vivências coloquiais e físicas nos estádios desportivos e no Intendente.
Eu, na minha ingenuidade, julgava que o comportamento público decorria das normas sociais, consensualmente aceites, embora variando no espaço e no tempo. Por exemplo, estar numa praia (obviamente afastada dos subúrbios de Lisboa) em topless, envergando unicamente um imperceptível fio dental, enquanto a cálida brisa marítima acaricia suavemente a epiderme generosamente exposta, não é minimamente constrangedor, nem para a protagonista, nem para os circunstantes.
Já seria diverso se, dias depois, a mesma entrasse assim vestida (ou despida) no Belcanto. Um escândalo absoluto e lamentável e a expulsão imediata (com alguma protecção corporal generosa e pudicamente oferecida pela gerência). Mas, o mais curioso, era que aquela clientela do Belcanto poderia ter estado entre os veraneantes da praia, que então se limitaria a deitar um ou outro olhar disfarçado e concupiscente. E tal não implicaria que, entre frequentadores e empregados do Belcanto (e da praia), estivessem, ou não, liberais, ultra-liberais, austríacos, comunistas, trotskistas, socialistas, conservadores ou, apenas, conversadores.
O escândalo seria porventura maior se o fenómeno ocorresse na praia de Pedrouços nos princípios do século XX. Todavia isto não significa que a evolução se faça num só sentido. Antes da vaga puritana do século XIX (e fins do século XVIII) o escândalo era certamente muito menor e sociedades e/ou épocas diferentes encarariam o caso com naturalidade.
O mesmo se dá com a exibição pública ostensiva e continuada de afecto (!?). É constrangedor para os circunstantes e apenas apreciada pelos voyeurs. É um exibicionismo desnecessário e indiciador de uma sexualidade frustrada. O que eu tenho verificado é que a exibição pública de afecto é inversamente proporcional à satisfação sexual de quem a faz. Pelo menos, todos os casais que eu conheço que passavam a vida aos beijos e a salivarem-se em público, divorciaram-se ao fim de pouco tempo. O exibicionismo público de desejo sexual é normalmente sinónimo de que esse desejo não encontra satisfação na intimidade.
O sexo tem uma característica: o que tem de mais belo, fascinante e de fantasia erótica, quando vivido na intimidade, é exactamente o que o torna mais porco e pornográfico, quando sujeito à devassa pública e ao voyeurismo.
Mas também isso depende da situação. Se dois ou mais casais concordarem numa farra conjunta com swing deixa de haver constrangimentos porque, para aquele grupo, isso passou a constituir a regra do jogo e, provavelmente, um dos fascínios do próprio jogo que é vivido na intimidade desse grupo, embora possa acontecer, mais tarde, sequelas negativas, pois a abertura de espírito teórica pode, em alguns casos, soçobrar perante a prática. Temos um lastro civilizacional mais pesado do que julgamos.
Quanto à homossexualidade discordo que seja apenas uma forma alternativa de sexualidade. É um desvio sexual congénito ou adquirido. Também há gente que tem o fascínio em ser chicoteada por mulheres atléticas de saltos altos e ameaçadoramente pontiagudos, envergando cabedais negros com penduricalhos metálicos, tilintando lascivamente, o que não é, igualmente, uma forma alternativa de sexualidade é um desvio sexual. Os desvios sexuais, desde que não incidam sobre menores, não se façam violentando o outro parceiro, nem levem a situações que ponham em risco a integridade física, são comportamentos cuja existência devemos aceitar, e relativamente aos quais não é lícito fazer algo que possa levar à exclusão social desses desviantes, sob quaisquer formas.
Por outro lado praticar um acto homossexual não significa que se seja homossexual. Em diversas situações, heterossexuais foram levados pela curiosidade (na adolescência, por exemplo) ou pela necessidade (nas prisões, por exemplo) à prática de actos homossexuais. Mas também foram levados a práticas onanistas ou outras. O onanismo não é uma forma alternativa de sexualidade. É um desvio provocado por diversas razões, entre elas a solidão.
Lutar contra a discriminação dos homossexuais alegando que a homossexualidade é apenas uma forma alternativa de sexualidade, é um absurdo, cria anti-corpos no tecido social, farto da propaganda do lobby gay e dos adeptos das teorias ditas fracturantes, e abre a porta a que dezenas de outros desvios sexuais tenham todo o direito de exigirem idêntico tratamento de forma alternativa de sexualidade.
Todavia, o que expus é o que eu penso. Não estou a pretender fazer disto uma teoria absoluta, universal e totalizante. Se eu vivesse na época vitoriana, pensaria talvez de outro modo. Talvez também pensasse de outra maneira se vivesse na Corte francesa de Luís XIV, no serralho do Sultão de Constantinopla, num templo de Ísis na Roma antiga, ou em Lesbos, no círculo de Safo. Estou agora mesmo a debater-me com a dúvida sobre o que pensaria se vivesse actualmente em Cabul.
No meio disto tudo, esqueci-me de referir Marx, Marshall e Hayek. Mas pensando melhor, não discirno onde os inserir.
Publicado por Joana às 07:37 PM | Comentários (152) | TrackBack
junho 22, 2005
Meninas!
Se os serviços do canalizador polaco corresponderem ao que se pode deduzir da imagem seguinte, há todos os motivos para apoiar, sem ambiguidades, a Directiva Bolkenstein da livre circulação de serviços.
... a menos que ele seja um inepto a manejar as ferramentas que orgulhosamente ostenta.
Publicado por Joana às 12:01 AM | Comentários (75) | TrackBack
junho 20, 2005
Futuro pelas Lentes do Presente
Em abril 07, 2005, escrevi aqui O Erro dos Futurólogos, fundamentalmente dedicado às futurologias em termos de tecnologia, produtividade e respectivas consequências económicas. Hoje, para amenizar, vou colocar aqui algumas gravuras de um artigo publicado por Santos-Dumont na revista Je Sais Tout, no número de Janeiro de 1905, há 100 anos, portanto. É extremamente interessante a visão que Santos-Dumont, um dos principais pioneiros da aviação, tem do futuro. Por duas razões: primeira, porque Santos-Dumont não é um qualquer; segundo porque se equivocou completamente.
Nesse meu texto acima referido eu havia escrito que: «A faceta mais interessante dos futurólogos é a de que nunca acertaram em nada. Júlio Verne foi-se tornando cada vez mais desinteressante, porque acertou sempre ao lado: o homem criou o transporte aéreo e submarino, mas nada que se parecesse com as soluções ficcionadas por ele; criou os veículos motorizados para uso particular, mas completamente opostos à Casa a Vapor; e assim sucessivamente. Uma coisa é imaginar que uma dada acção se torne possível no futuro; outra é prever de que forma e porque processo essa acção se irá concretizar. Imaginamos o futuro, mas sempre através da matriz presente.»
Outro dos erros da futurologia é o facto dos futurólogos usarem, sem se darem conta disso, a hipótese ceteris paribus (tudo o resto constante). Prevêem algo sobre o futuro, mas mantendo tudo o resto igual. Ora isso é impossível.
A primeira imagem retrata a ingenuidade de Santos-Dumont sobre os rápidos cruzadores aéreos a alturas inacessíveis, esquecendo a sua vulnerabilidade e que seria tecnicamente mais rápida a produção de meios anti-aéros eficazes do que aqueles cruzadores aéreos lentos e vulneráveis
A segunda imagem traz-nos o aspecto pitoresco e inesperado de uma estação no topo de Notre-Dame!! Estou a ver Sá Fernandes a interpor uma providência cautelar.
A terceira imagem é a de um Metro Aéreo, no topo de um edifício, servido por ascensor. O transporte traz a indicação de que tem a lotação completa. Se pensarmos no actual helicóptero, verificamos que esta previsão talvez seja a que se afastou menos da realidade.
A quarta imagem mostra um yacht aéreo atracando num 5º piso, recolhendo alguns elegantes à saída de um sarau parisiense. É de uma enorme ingenuidade. Os hábitos de 1905 com pseudo-tecnologia do futuro. Um equívoco completo, pois ao mudarmos as nossas tecnologias, também mudamos os nossos hábitos e mentalidades.
O que há de interessante nesta futurologia é que todas estas previsões do futuro se revelaram completamente impraticáveis. Os meios aéreos dão-nos possibilidades imensas, infinitamente maiores que as previstas por Santos-Dumont, mas as previsões dele não se revelaram exequíveis. A aviação evoluiu de uma forma totalmente diversa.
E as nossas mentalidades e hábitos mudaram igualmente.
Publicado por Joana às 07:26 PM | Comentários (30) | TrackBack