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outubro 04, 2005

O Sector Público foi privatizado

Nestes últimos anos temos assistido a discussões acérrimas, mesmo sanguinárias, sobre o papel do sector público e sobre a necessidade do Estado alijar dos seus ombros a responsabilidade relativa a um conjunto de actividades e serviços para os quais se tem revelado de uma enorme ineficiência. Afinal era uma discussão inútil, baseada em falsas premissas. Peço desculpa pelo tempo e pelas reservas anímicas despendidas neste blog, terçando furiosamente armas sobre aquela matéria. Alguns de nós já havíamos apercebido, ainda que confusamente, que falhava algo nos conceitos em debate. Hoje tornou-se oficial: O sector público português está privatizado há alguns anos. E quem o oficializou é uma testemunha credível visto ter sido, in illo tempore, um dos principais impulsionadores da “captura do Estado” por parte de “corporações profissionais”.

A privatização foi de tal forma profunda que pouco sobrou. Mesmo as forças armadas, antigo orgulho da Nação, esteio das nossas virtudes, sustento da nossa soberania, estão privatizadas. Pertencem às Associações dos Oficiais e Sargentos das Forças Armadas. A Educação, uma das mais nobres missões de que o Estado se investira desde o triunfo liberal, no meritório propósito de ilustrar e qualificar o nosso povo, está privatizada. Já se notara, desde há muitos anos, que havia fortes indícios que algo mudara. Agora é oficial: A Educação pertence aos Sindicatos de Professores, Auxiliares de Educação, etc..

Há dúvidas sobre o principal accionista do SNS. Uns inclinam-se para os sindicatos dos médicos, mas a maioria aposta no sindicato dos enfermeiros. Inclusivamente um órgão de soberania foi privatizado, o que traduz o pensamento neoliberal levado às últimas e imprevistas consequências e uma inovação que não deixará indiferentes as sumidades teóricas da economia, ciências políticas e sociologia: O poder judicial e a magistratura pública pertencem às respectivas associações.

O que há de inovador nesta apropriação do Estado pelas corporações profissionais, é que essas OPAs (operações políticas de apropriação) não necessitaram de qualquer dispêndio de capitais nem de uma operação bolsista. A única bolsa que tem sido activada é a bolsa do contribuinte. As corporações profissionais não despenderam 1 cêntimo na apropriação do usufruto daqueles activos públicos.

Vital Moreira refere erroneamente esta situação como “Feudalismo de Estado”. Várias razões militam contra esta tese inconsistente. Em primeiro lugar estas OPAs começaram a ser lançadas em plena época da construção do Socialismo e de uma sociedade sem classes. É preciso estar muito esquecido da teoria marxista e do Materialismo Histórico para colocar o Feudalismo de Estado como etapa posterior à via socialista. Em segundo lugar o Feudalismo implicava que a concessão do feudo se fizesse mediante uma investidura. Não houve qualquer investidura no caso vertente. As OPAs têm sido realizadas, lote após lote, no secretismo negocial dos gabinetes, entre Governos e Corporações. Em terceiro lugar a concessão do feudo implicava fidelidade e obrigações – os senhores feudais honravam os seus compromissos para com o seu suserano e punham à sua disposição os seus homens de armas sempre que havia necessidade de defender a Coroa (designação que o Estado tinha naquelas épocas distantes). É certo que, às vezes, um ou outro senhor faltava aos seus compromissos ou traia o seu suserano, mas sempre houve ovelhas negras em qualquer rebanho. Ora, no caso actual, as corporações profissionais apropriaram-se do Estado, são sustentadas pelos contribuintes e derrogaram o dever de vassalagem perante o suserano. Não prestam qualquer serviço de hoste e fossado: nós é que fossamos para as sustentar.

Como tem sucedido no caso de algumas privatizações que conduziram a empresas majestáticas, não existe mercado. É uma situação pior que num monopólio. Num monopólio o comportamento dos consumidores influencia o estabelecimento dos preços. No caso destas corporações detentoras do usufruto dos activos públicos, os preços são fixados discricionariamente através dos OE. O contribuinte paga, independentemente do serviço que lhe prestam. Paga mesmo que não lhe prestem qualquer serviço.

Publicado por Joana às outubro 4, 2005 07:45 PM

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Comentários

Hum

Publicado por: pyrenaica às outubro 4, 2005 08:52 PM

O Vital Moreira estava furioso!

Publicado por: Viegas às outubro 4, 2005 08:57 PM

Agora que o PS mudou de ideias. Aqui há um ano deve ter dito o contrário

Publicado por: Viegas às outubro 4, 2005 08:59 PM

"Este serviço é pago e reservado a assinantes."
Safa! Prefiro ler a DICA da semana.

Publicado por: Senaqueribe às outubro 4, 2005 09:31 PM

O Público não ganho nada com a história de ter reservado o on-line a assinantes. As vendas continuam a cair e é bem feita

Publicado por: David às outubro 4, 2005 09:55 PM

Em tempos que já lá vão, aquele senhor seco de carnes e de semblante carregado (que muitos desejam venha a suceder ao pianista Sampaio) em debate televisivo do género "grande entrevista", reconheceu que a capacidade reivindicativa de alguns sectores da função pública lhes trazia mais benesses.
Esta verdade de La Palice não pode ser dita publicamente por um primeiro-ministro. Foi o reconhecer da OPA a que se refere a Joana.
Ao dizê-lo, contribuiu sobremaneira para que o Regime Geral de carreiras da função pública esteja quase reduzido a um "Regime Particular".

Sócrates quer mudar (ainda quererá?) este estado de coisas.
E a que assistimos?
Ao conjunto de greves mais estapafúrdias do Portugal democrático.
Greves desencadeadas pelo verdadeiro aparelho de Estado: sindicatos e associações profissionais de professores, enfermeiros, juízes, oficiais de justiça, sargentos, etc.
Greves desencadeadas por aqueles que, de entre os que neste país estão menos mal (funcionários públicos), são os que estão melhor.

Só para exemplificar:
Quem ouviu ontem o comentário nojento de António Cluny em relação às motivações do Governo para acabar com alguns regimes de excepção, deve ter ficado elucidado sobre as reais motivações dos que desencadearam a greve.

Publicado por: Vítor às outubro 4, 2005 10:01 PM

... com relação às corporações, como classificaríamos os partidos políticos e os seus militantes e simpatizantes ?
Fica-se até com a impressão de que o Estado Novo ao assumir claramente as corporações e a manifestação dos seus interesses e debates numa Câmara, tinha uma melhor inteligência deste fenómeno. Mas se calhar não se pode, ou deve, escrever estas coisas assim, sem mais nem menos ...

Publicado por: asdrubal às outubro 4, 2005 10:16 PM

Vítor: o que disse o António Cluny é grave, principalmente tratando-se de um magistrado.
Todavia o PS deveria portar-se com uma estatura que o pusesse ao abrigo daquele tipo de acusações. O PS não o tem feito. Basta ver a actual intenção de despachar a Catalina Pestana logo que não dê muito alarido.

Publicado por: Rui Sá às outubro 4, 2005 10:23 PM

Ou o PS muda de postura no que respeita a estas situações ou terá de ouvir muitos António Cluny a dizerem bojardas daquelas.

Publicado por: Rui Sá às outubro 4, 2005 10:24 PM

Joana!
Isto é um assalto! Ou nos diz já onde e quando é que começou a ser construido o Socialismo em Portugal, ou fica sem a mísera bolsa com a pouca credibilidade que porventura ainda tenha dentro.
(não está a pensar nos mários soares,carluccis&Comp., pois não?)
bom - e agora vou fazer um jejum daqui para fora durante uns tempos - porque isto por aqui não chove nada de jeito.

Publicado por: xatoo às outubro 4, 2005 10:47 PM

eu é só uma capicua

Publicado por: py às outubro 4, 2005 10:53 PM

Para Joana, e demais adeptos do FCLiberal, Socialismo em Portugal foi o PREC e é o preâmbulo da Constituição!
... para além de haver alguns maduros na esquerda que continuam a insistir com a defesa do Estado Social contra Capitalismo Selvagem.

Publicado por: zippiz às outubro 4, 2005 11:01 PM

Estado Social? Qual Estado Social? Segundo li o Estado está nas mãos das corposrações profissionais. Li aqui, e tinha lido de manhã no Público

Publicado por: David às outubro 4, 2005 11:08 PM

E não foi o ex-maoista JMF, foi o ex-PC Vital Moreira

Publicado por: David às outubro 4, 2005 11:09 PM

Pois amanhã é a República. Platão.

Publicado por: pyrenaica às outubro 4, 2005 11:23 PM

Vão ser cúmplices de um acréscimo de mortandade nas estradas, passeios entupidos, etc.

http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=195340

Publicado por: pyrenaica às outubro 4, 2005 11:43 PM

Já não há greves como havia na Carris: não cobrar bilhetes !
Agora temos greves de juizes e de policias. Segundo alguns, só pode ser do Socialismo!

Publicado por: zippiz às outubro 4, 2005 11:48 PM

Algures, talvez por acaso, Marx percebeu que o Ancién Régime vinha antes do capitalismo, e que antes do primeiro tinhamos formas ainda mais primitivas de garantia de privilégios. Foi talvez por isso que cascou tanto nos socialistas utópicos, que se entretinham a cantar 'Ó tempo volta p'ra trás'. Onde sem qualquer margem de dúvida falhou foi no objectivo final de voltar ao 'comunismo primitivo': qualquer imbecil poderia constatar que o 'comunismo primitivo' só é aplicável a sistemas tribais - e mesmo assim, o controlo, não tendo a propriedade qualquer importância no contexto em que é desconhecida, sendo exercido pelas elites sociais. Infelizmente, Marx, ao invés de ser um imbecil qualquer, era filósofo: o que vale então a realidade comparada com um belo sonho?

Publicado por: Pedro Oliveira às outubro 4, 2005 11:51 PM

zippiz: tem alguma dúvida?

Publicado por: David às outubro 5, 2005 12:23 AM

David,
dúvida sobre se "isto" é uma República Socialista? Não, de todo, se os Liberais o dizem, quem sou eu para os contrariar?

Publicado por: zippiz às outubro 5, 2005 12:27 AM

o Pedro Oliveira às outubro 4, 2005 11:51 PM é um malabarista: consegue ler a História a fazer o pino:
Na Crítica ao programa de Gotha (1875), Marx afirma que entre o fim da sociedade capitalista e o advento da sociedade comunista transcorreria um longo período de transição, que ele denominou de socialismo. Estabelecidas as condições políticas (ditadura do proletariado) e econômicas (socialização dos meios de produção), sobreviveriam ainda na sociedade socialista elementos fundamentais da velha sociedade: relações econômicas, sociais, jurídicas, éticas etc. Permaneceria a oposição entre trabalho intelectual e manual e o grau insuficiente de desenvolvimento das forças produtivas determinaria a distribuição dos bens e serviços segundo a quantidade e qualidade do trabalho de cada um.
Cumprido o período de transição socialista, seria instaurada a sociedade comunista, com a posse coletiva da totalidade dos meios de produção, desaparecimento definitivo das classes, das diferenças entre a cidade e o campo e entre trabalho intelectual e manual. O estado, instrumento de dominação de uma classe sobre outras, desapareceria e, nas palavras de Marx, o governo dos homens seria substituído pela administração das coisas. Uma vez superada a ordem jurídica burguesa, a sociedade poderia "escrever em suas bandeiras: de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo sua necessidade".

Quem estudou o "comunismo primitivo" foi Engels nas "Origens da Familia,da Propriedade e do Estado"
veja aqui:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_do_Comunismo

e assim o Pedro Oliveira começou a construir o seu (dele) raciocinio colocando a primeira telha do prédio num buraco dos caboucos - irá encontrar as origens da construção se algum dia conseguir chegar ao telhado.

Publicado por: xatoo às outubro 5, 2005 12:52 AM

E por falar nisso vários sectores da saúde e da educação estão mesmo privatizados: olha os Melos a fazerem render as dores...

Nas universidades privadas não é preciso falar.

Mas é bom que o sistema de educação tenha várias componentes. Já quanto ao negócio da saúde é outra conversa.

Publicado por: pyrenaica às outubro 5, 2005 01:06 AM


Sejamos práticos:

Na prática, o único dinheiro bem gerido é o privado. Porque sai do bolso de quem manda nele.

A passagem do sector público para as mãos de privados, embora um roubo colectivo e ao colectivo, acaba por ser positivo a longo prazo: torna quase tudo totalmente privado.

Daí não vinha mais mal ao País.

O verdadeiro problema é que esse sector público quer continuar a usar o dinheiro de outro bolso: o dos contribuintes. E isto mesmo depois de estar nas mãos das corporações.

Para isso, usa brilhantemente o populismo de esquerda para assegurar e promover o tal fluxo de dinheiro oriundo do esvaziamento do bolso dos contribuintes.


Perante isto, a única solução é menos Estado. Menos sector público. Com a correspondente baixa de impostos.

Mata-se as corporações com a sua própria autofagia...

Comece desde já a fugir aos impostos (legalmente, claro: é só produzir menos ou emigrar).


E aqui temos as últimas décadas da história de Portugal. Resumidas e (muito) simplificadas.

Publicado por: J P Castro às outubro 5, 2005 01:10 AM

Não sei o que me deu agora para me lembrar do AJJardim!

Publicado por: zippiz às outubro 5, 2005 01:13 AM

E quanto a essa história da privatização da saúde vou-vos contar um pequeno episódio: há uns anos a minha irmã tinha um problema bem chato, lá nas zonas de baixo, e teve por 3 vezes a operação marcada e desmarcada no Amadora-Sintra, porque não era muito urgente porque, felizmente, não era maligno. Depois de nãoseiquantos meses e porque podia, recorreu aos serviços privados no mesmo hospital, pagou 2000 contos e foi logo operada. Assim a saúde é um negócio, não é um direito.

Publicado por: pyrenaica às outubro 5, 2005 09:27 AM

Agora, para quem quiser... Há muito tempo que não tinha um problema intelectual a dar-me tanta ponta. Ainda não percebi quando é que se passou a considerar que um número real era um valor, mas esse "inocente" salto, está cheio de consequências perversas, parece-me.

Dado um objecto do real, susceptível de valoração, em termos matemáticos o máximo que podemos alcançar é um modelo desse objecto. Admitindo que o objecto pode ser valorizado quantitativamente segundo diferentes perspectivas, a representação mínima desse modelo é um vector n-dimensional do tipo (a1, a2, ..., an).

Ora na redução desse modelo a um número opera-se uma redução, mas essa redução pode ser bem feita, porque se prova que R e Rn têm a mesma potencia, ou seja que é possível estabelecer uma correspondência biúnivoca.

Querem um exemplo?

Sejam a =0,a1...an... e b=0,b1...bn... (escritos na forma de infinitas casas decimais) dois pontos do quadrado unitário aberto de R2: ]0,1[x]0,1[. Então a aplicação que transforma os números a e b no número c=0,a1b1a2b2...anbn... é bijectiva. E portanto R e R2 têm a mesma potência (a do contínuo). E isto é extensível para Rn, n finito.

Portanto podemos ter bons índices. Por exemplo uma folha é um índice fraco de uma espécie vegetal, enquanto que a flor é um índice (muito)forte.

Mas esse número real mais não será que um índice do valor do modelo da coisa. Agora chamar-lhe valor propriamente dito...

Publicado por: pyrenaica às outubro 5, 2005 09:44 AM

opera-se uma redução dimensional

Publicado por: pyrenaica às outubro 5, 2005 09:46 AM

agora vou namoriscar pra Lisboa

Publicado por: py às outubro 5, 2005 09:47 AM

"Na prática, o único dinheiro bem gerido é o privado. Porque sai do bolso de quem manda nele." (J P Castro)
É verdade, sim senhor! E a prova é que nunca se viu uma empresa privada ir à falência.
Pois...

Publicado por: Senaqueribe às outubro 5, 2005 09:55 AM

E lá em cima é para manter a conversa bem educada. Porque também nos poderíamos interrogar sobre qual será o valor da coisa do índice do modelo...um primo!

Publicado por: py às outubro 5, 2005 09:56 AM

falhou! é porque é este: o x, designação da variável ou incógnita, segundo li algures, é a abreviatura de chai,ou parecido, que quer dizer "coisa", em árabe, e assim andava lá nos tratados algébricos, pelos lados de Córdova, etc. Al'jabr por sua vez queria dizer restituição.

Publicado por: py às outubro 5, 2005 10:07 AM

Para quem ficar baralhado com uma aparente inconsistência dimensional no que escrevi acima, pode esclarecer-se que os pontos de R2 são mais propriamente (a,0) e (0,b), estão portanto sobre os eixos e são transformados no ponto real c=0,a1b1a2b2...anban... por integração alternada dos dígitos decimais.

Publicado por: pyrenaica às outubro 5, 2005 10:30 AM

Senaqueribe em outubro 5, 2005 09:55 AM:
As empresas vão à falência porque t^m que responder perante o mercado

Publicado por: Rui Sá às outubro 5, 2005 10:31 AM

já agora

Publicado por: py às outubro 5, 2005 10:31 AM

O que certamente nunca viu, por muito mal que funcione, por muitas baldas que os funcionários dêem, foi uma entidade pública ir à falência.
É isto que pretende?

Publicado por: Rui Sá às outubro 5, 2005 10:32 AM

zippiz: por falar em candidatos-bandidos.
"Teodósio Alcobia, condenado no processo das FUP/FP25 (cumpriu 10 anos de prisão) e candidato pelo Bloco de Esquerda à junta de freguesia de Agualva, Sintra."

Publicado por: Sa Chico às outubro 5, 2005 10:37 AM

(afinal a minha namoriscada vem cá, leão...)

Sa Chico às outubro 5, 2005 10:37 AM

Há uma pequena diferença: é que ele cumpriu a pena.

Publicado por: pyrenaica às outubro 5, 2005 11:11 AM

http://diariodigital.sapo.pt/dinheiro_digital/

Mas deve-se a quem???

(eu vou lá e trato disso...)

Publicado por: pyrenaica às outubro 5, 2005 11:14 AM

Sabem que Portugal dantes era representado por um dragão? Anda zangado...

http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=195396

Publicado por: pyrenaica às outubro 5, 2005 11:18 AM

Dragão? Mas agora também. Pelo menos é o que Pinto da Costa pensa

Publicado por: Coruja às outubro 5, 2005 12:05 PM

pois, e é verdade. O problema é S. Jorge e o Dragão. Mas Portugal ali nas armas do Museu Militar está representado como Leão, e portanto safamo-nos por aí.

Publicado por: py às outubro 5, 2005 12:10 PM

"Na prática, o único dinheiro bem gerido é o privado. Porque sai do bolso de quem manda nele"

Confunde-se posse com competência... Sinal dos tempos... Ora já muita gente disse e escreveu - e alguma dela nem sequer era marxista - que a posse privada dos bens produtivos não é um direito absoluto, mas condicional. Condicional à sua utilização para a promoção do bem comum. Aqueles que crêem em Deus dirão que Deus criou o mundo para as suas criaturas. Logo os recursos do planeta (fiquemo-nos por aí) foram criados para toda a humanidade (ou talvez até para todas as criaturas animadas), para que deles pudessem tirar o sustento. O que torna ilegítima a sua posse privada, se isso se traduzir numa inibição da sua utilização por todas as criaturas. O que dá o direito a alguém de ocupar uma porção do planeta e dizer: "Isto é meu"? Por direito de ocupação? Por direito de conquista? Se eu não posso desviar a água de um rio, na sua nascente, se isso impedir os que estão a jusante de ter acesso a essa água, por que razão poderei retirar aos outros o uso de uma terra, só porque fui o primeiro a lá chegar? O que dá direitos é o trabalho produtivo, não é a posse, sempre abusiva, de um recurso natural. É claro que aquele que, pelo seu esforço, cria um bem produtivo, tem direito a uma recompensa (renda?) pelo uso desse bem, mas não pode retirar aos outros o valor do produto que eles geram pelo trabalho efectuado com esse bem produtivo. O empresário tem direito a uma remuneração pelo uso do seu capital investido, pela sua iniciativa e pelo risco que corre, mas mais nada. A partir do momento que uma empresa produtiva existe os direitos da comunidade sobrepõem-se aos direitos individuais, e a sua existência passa a ser do interesse comum. O empresário deixa de poder dispor arbitrariamente desse bem, mantendo apenas o direito à sua renda. A gestão passa a ser uma responsabilidade colectiva, num quadro cooperativo.

Radical, não é?...

Publicado por: Albatroz às outubro 5, 2005 12:10 PM

xatooo, deve ser um nojo, mas vê lá se te calha tratar da Isabel II... I'll be around... (Billy Holliday)

Publicado por: py às outubro 5, 2005 12:12 PM

É verdadeiramente extraordinário que passado um século sobre os escritos de Marx, em que a sua teoria foi confirmada na pratica politica com todas as variantes e cores e com as consequências que todos conhecemos, (centenas de milhões de mortos, miséria fisica e moral, ocupação do estado por cliques organizadas de bandidos), venham alguns dizer que não é bem isto o socialismo, que estes "excessos" podiam ter sido controlados, etc e tal, o que confirma que o socialismo é apenas uma religião, uma religião perigosa, mas apenas mais uma entre as muitas religiões sem deus, e que os seus promotores devem ser considerados com a mesma bonomia e condescendencia intelectuais com que se tratam as freiras no peditório, mas com a atenção e cuidados devidos para com os loucos perigosos.

Publicado por: Joao P às outubro 5, 2005 12:16 PM

Albatroz às outubro 5, 2005 12:10 PM:
Radical? Não. Essa é a concepção de todos os regimes totalitários, desde o fascismo ao comunismo.
Depois, para a imporem na prática, massacram os que são de opinião contrária.

Publicado por: Hector às outubro 5, 2005 12:16 PM

Não, Hector. Esta é a essência da doutrina social da Igreja, que, tanto quanto eu saiba, não está na origem nem de comunismos nem de fascismos. Pelo contrário, é a recusa de reconhecer que os direitos da comunidade se sobrepõem aos direitos individuais que gera as reacções totalitárias.

Publicado por: Albatroz às outubro 5, 2005 12:35 PM

Publicado por: Sa Chico às outubro 5, 2005 10:37 AM

ah sim?! só espero que o sujeito seja eleito !

Publicado por: zippiz às outubro 5, 2005 06:42 PM

Publicado por: Albatroz às outubro 5, 2005 12:35 PM

A doutrina social da igreja está na base do estado corporativista. Levou Portugal (e tantas nações da América do Sul) por belos caminhos.

Publicado por: Pedro Oliveira às outubro 6, 2005 09:54 AM

Pedro Oliveira às outubro 6, 2005 09:54 AM

Reduzir a Doutrina Social da Igreja à interpretação corporativista que alguns lhe quiseram dar, parece-me muito pobre. E depois, a Doutrina Social da Igreja evoluiu qualquer coisa desde os tempos de Leão XIII... Basta ler as encíclicas de Paulo VI e João Paulo II para perceber que assim é. Mas é de facto necessário lê-las, pois sem isso não se pode falar dessa doutrina. Seria o mesmo que discutir o marxismo sem ler Marx...

Publicado por: Albatroz às outubro 6, 2005 07:05 PM


O problema entre o marxismo e a doutrina Social da Igreja (que muitos querem tornar equivalentes entre si) é o décimo mandamento da lei de Deus:

"Não cobiçarás os bens alheios" (ou na versão mais chã, "não desejarás a mulher do próximo")

A doutrina social da Igreja defende a partilha comunitária voluntária e num quadro de cooperação voluntária ou de indução a esse voluntarismo. Senão, corre-se o risco de tal partilha resultar apenas da cobiça à riqueza alheia, que é proibida.

O marxismo decreta a partilha forçada, estimulando uma clara violação do décimo mandamento (que obviamente não reconhece) e dizendo às pessoas que têm direito a cobiçar a riqueza alheia (argumentando que ela não é legítima porque em tempos deve ter resultado de exploração, nunca de trabalho e poupança honesta...).

É esta clara divergência num fundamento basilar que torna marxismo e a doutrina social da Igreja irreconciliáveis.

Aliás, historicamente, o marxismo evolui da legitimação da violação do décimo mandamento para a legitimação da violação do sétimo ("Não roubarás") através das expropriações generalizadas e, por fim, do quinto ("Não matarás") quando um Estaline qualquer chega ao poder. E tudo porque começa por não compreender o décimo, dada a sua natureza materialista.

Ora, o fundamento do décimo mandamento é precisamente abandonar uma visão materialista do mundo.

E esta diferença prossegue nos nossos dias sempre que os impostos, originalmente contribuições forçadas e progressivas PARA construir património comum, são usados e vistos pela esquerda filha do marxismo como "uma forma legítima de redistribuição de riqueza".

Uma forma de cobiçar a riqueza alheia, digo eu.

As chamadas "políticas sociais" e as despesas galopantes em educação e saúde são a face mais visível dessa cobiça. Porquê ? Porque tornam-se instrumentais para forçar o aumento da taxa de impostos. A partir de necessidades sempre intermináveis exige-se a redistribuição forçada de custos, encargos, enfim, de riqueza.

Por isso, quando voltarem a ouvir falar um apóstolo da teologia da libertação ou um marxista que quer que a igreja se converta ao marxismo, discutam o décimo mandamento com ele.

"Não cobiçarás os bens alheios" ou "Não cobiçarás", simplesmente.

Um cristão com cobiça e exigências não entendeu os evangelhos, de certeza.

Publicado por: J P Castro às outubro 7, 2005 12:28 AM

Curiosa interpretação da Doutrina Social da Igreja... Que certamente deixaria os Sumo Pontífices estupefactos... Faz-me lembrar uma explicação que há muito tempo ouvi de alguém, relativamente à afirmação bíblica de que "era mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus". Para esse alguém "agulha" era uma estreita passagem nas muralhas das cidades judaicas. Seria complicado um camelo passar por lá, mas não era de todo impossível... O problema milenar do cristianismo é que é radical e exigente demais para a grande maioria dos que se intitulam cristãos. E então estes, não podendo ser cristãos a sério, tentam falsificar a doutrina cristã. Para que a sua cobiça, falta de solidariedade e de amor pelo próximo, se possam encaixar nesse falso cristianismo.

Publicado por: Albatroz às outubro 7, 2005 12:50 AM


Utopias, meu caro.

Quanto aos pontífices, é sabido que eles todos gostavam de Leonardo Boff e de Marx... Estupefactos, mesmo, com a minha curiosa interpretação passaram a aceitar as teorias daqueles.

Quanto ao caso do camelo e da agulha, a frase provém dum erro de tradução do grego (Kamilo-corda) e houve alguém que trocou o i pelo e. Depois de aceite canonicamente o texto traduzido, tornou-se impossível alterá-lo.

Voltando ao camelo, qualquer grande industrial que detenha uma siderurgia pode fazer uma agulha suficientemente grande para que o mais pequeno camelo do mundo passe lá no buraco. Difícil ? Claro, para alguns.

Mas voltemos ao "tal" Cristianismo difícil que deseja que entreguemos tudo ao Estado... Se já o deixei a pensar no assunto já vou dormir melhor !

Publicado por: J P Castro às outubro 7, 2005 01:06 AM

Infelizmente é verdade.

Publicado por: VSousa às outubro 7, 2005 12:27 PM

A fase da privatização já está.

Publicado por: Coruja às outubro 7, 2005 02:58 PM

Falta só liberalizar o mercado

Publicado por: Coruja às outubro 7, 2005 03:00 PM

Que um partido liberal privatize, até se entende.
Que um partido socialista privatize só algumas cabeças priveligiadss podem compreender.

Publicado por: Pato Marreco às outubro 7, 2005 10:45 PM

"Quanto aos pontífices, é sabido que eles todos gostavam de Leonardo Boff e de Marx..."

Já aprendi hoje qualquer coisa: Leonardo Boff e Karl Marx são os verdadeiros autores da Doutrina Social da Igreja... Leão XIII e todos os subsequentes papas limitaram-se a plagiá-los... Volto a dizer que seria útil ler as encíclicas papais relativamente às questões sociais antes de tentar comentar a Doutrina Social da Igreja.

Publicado por: Albatroz às outubro 7, 2005 11:31 PM


Albatroz

Credo, você não entende uma ironia ?... Por este andar, ainda vamos pedir a Cristo os comentários dele sobre a última encíclica papal.

Agora a sério,

só expliquei a minha opinião na incompatibilidade entre o marxismo e o cristianismo. Para a doutrina social da Igreja, papa após papa, se aproximar daquele, terá que violar o espírito do Décimo mandamento. O que se me afigura impossível.

Mas talvez você ache que tal barreira não é intransponível. Eu acho que é.

Por outro lado, é verdade que o marxismo também já não parece ser o que era... Só se for por aí.

Mas tem razão, vamos nos remeter para as fontes: as encíclicas. Espere aí, os mandamentos não são anteriores ?
Pois, tenho agora um dilema: o que fazer ? Qual o texto fundamental que devo considerar ? Evitar comentários até alguém decidir ?

Cumprimentos,

Publicado por: J P Castro às outubro 8, 2005 02:25 AM

J P Castro às outubro 8, 2005 02:25 AM

Pois falemos dos mandamentos:

"Não roubarás."

Deus criador criou o planeta Terra, com tudo o que tem, para todas as suas criaturas. Aquele que se apodera do direito exclusivo de uso de uma parte do planeta (direito de propriedade fundiária) está a fazer o quê? Não será um roubo? Como justificar o direito de ocupação? Só porque em determinado momento não havia ninguém a utilizar os recursos de uma determinada porção de terra, significa isso que ela não fazia parte do património comum que nos foi deixado por Deus?

É isto que a Igreja afirma, na sua Doutrina Social, embora faça uma concessão à cultura de posse: a propriedade privada pode justificar-se se esse direito for usado para benefício de todos. Aquele que controla uma terra, a cultiva e põe o produto da terra cultivada à disposição de todos, a um preço justo (que não é necessariamente o preço de mercado), legitima a posse da terra. Mas só enquanto assim proceder. Se deixar de cultivar a terra perde o direito a ocupá-la. Tudo em perfeita consonância com as mandamentos. Só que nós gostamos de interpretar os mandamentos de forma a não ferir a nossa ganância...

Publicado por: Albatroz às outubro 8, 2005 10:55 AM


A sua visão da propriedade como roubo seria correcta se não se desse o caso de os donos das propriedades (ou de outros imóveis) pagarem ao Estado um imposto específico, precisamente para terem o direito a que o Estado lhes reconheca a "posse" das mesmas.

Pode dizer que tal imposto está desactualizado, que é preciso ajustá-lo de forma a ser mais eficiente, penalizando quem abandona sem produzir, reflectindo uma contrapartida mais ajustada, etc.

Não pode dizer que os proprietários "roubaram" o Estado ou o resto da sociedade. Só se não pagassem impostos. Mas pagam e pagaram muitas gerações antes deles.

Se porventura tivessemos já a funcionar um sistema de avaliação fiscal para o rústico semelhante ao urbano (que vai surpreender muita gente), teríamos esta situação: admitindo uma taxa média de imposto de cerca de 1% (0,8% ao ano + 10% na transmissão por morte ou numa doação ou 5% na compra/venda - em média a cada 20 anos) então ao fim de 100 anos, os sucessivos proprietários já pagaram o valor da propriedade em impostos específicos sobre o imóvel. Bastaria que a avaliação fosse correcta.

E lembre-se que além destes impostos ainda há os que incidem sobre o rendimento da propriedade, que se inserem na lógica do IRS/IRC etc. Portanto, aqueles outros não são os impostos do costume: afectam só os proprietários.

Isso, aliás, causa situações injustas. O caso mais evidente desta diferença manifesta-se no arrendatário com rendas baixas, que não paga impostos por não ser o proprietário, mas cujas rendas não chegam para pagar o imposto sobre a propriedade, quanto mais para a manutenção da mesma. Aqui, o proprietário "paga" o direito de propriedade SEM poder ter acesso ao rendimento pretendido.

O arrendatário quase que se apropria de todo o usufruto do direito de propriedade daquele. E sem o pagar.


Portanto, e resumindo numa frase, a propriedade não é um roubo, é um contrato fiscal com o Estado.

Sempre foi.


E acredite que o Estado sempre gostou destes proprietários gananciosos que pagam impostos. É que se eles devolvessem algumas terras ao Estado, este não saberia o que fazer com elas e perderia a receita fiscal ao mesmo tempo.

Publicado por: J P Castro às outubro 9, 2005 01:41 AM


Concluindo,

segundo a sua interpretação, na lógica da Doutrina Social da Igreja a posse da propriedade só se justifica se for usado para o bem comum.

Na minha visão, esse ponto está resolvido a partir do momento que o Estado cobra um imposto para garantir à cabeça o tal benefício comum, dando depois liberdade ao proprietário de gerir o rendimento da propriedade como entender, numa lógica mais individualista.

A partir daqui, só se pode discutir a forma e o valor de que se deve revestir tal imposto.

Publicado por: J P Castro às outubro 9, 2005 02:00 AM

É curioso como nunca me tinha ocorrido olhar para os impostos fundiários nessa perspectiva. E tenho de confessar que acho que tem razão (embora a figura mais adequada fosse a concessão, e não a propriedade), inclusive nas dúvidas quanto à adequação do montante desses impostos para o fim referido. Como sou um tipo imaginativo fiquei logo a pensar que o Estado deveria manter a posse formal da terra e proceder regularmente (10 em 10 anos?) a leilões sobre o uso dessa terra. A qual seria concedida em exploração a quem oferecesse uma maior comparticipação ao Estado, ficando entendido que as benfeitorias deveriam ser reembolsadas a quem as tivesse realizado, se o seu valor não tivesse já sido abatido aos impostos.

Tudo isto é teórico, mas faz bem soltar a mente em todas estas coisas da "res publica"...

Publicado por: Albatroz às outubro 9, 2005 11:05 AM

É evidente que o uso da terra para habitação própria não podia ficar sujeito ao leilão acima sugerido.

Publicado por: Albatroz às outubro 9, 2005 11:10 AM

Sabe-se, desde a antiguidade, que a posse precária da terra não incentiva o investimento. Tem acontecido, ultimamente, que muitos a deixam ao abandono. Mas isso é o reflexo da degradação dos preços agrícolas e da estrutura da propriedade fundiária. Isso é um aspecto que deveria ser encarado num futuro reordenamento agrário.
Há alugueres de prédios rústicos (a Companhia das Lezírias tem muitos rendeiros), mas a prazos muito longos.

Publicado por: Hector às outubro 9, 2005 12:21 PM

Tem que haver uma lei das Sesmarias

Publicado por: Coruja às outubro 9, 2005 01:50 PM

Ou das Seis Marias?

Publicado por: Coruja às outubro 9, 2005 01:51 PM

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