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setembro 16, 2005

Alocação de Recursos

Pela Mão Visível

As coisas no Restaurante Pobieda, em Leninegrado (hoje, de novo, Sampetersburgo), não iam nada bem. Não que os salários não fossem integralmente pagos pelo Estado benfazejo. O problema era a desolação das mesas e escaparates vazios e a ausência inexplicável de clientes. A batalha da produção estava em risco. No quadro preto onde eram registados os êxitos do socialismo vitorioso, nem a inscrição das doses servidas aos empregados, e às suas numerosas famílias, como refeições servidas aos relutantes clientes conseguia disfarçar a situação.

O colectivo do restaurante reuniu-se para examinar a situação calamitosa e decidiu, por unanimidade e aclamação, enviar o camarada Serguei ao Ocidente para recolher ideias que revitalizassem o Pobieda.

Após uma digressão que se prolongou, inexplicavelmente, por muitos meses, Serguei regressou cheio de ideias: «A questão não é a qualidade da comida nem a lentidão do serviço. Há restaurantes no Ocidente que têm, quanto a estes aspectos, o mesmo padrão que o nosso, mas têm uma oferta suplementar: luzes feéricas na fachada, decoração deslumbrante, em tons de vermelho quente, música frenética e dançarinas cuja exuberância entusiasma os clientes. Estão cheios!». O colectivo, entusiasmado, aprovou a ideia por unanimidade e aclamação. As camaradas Elena e Irina foram nomeadas dançarinas e procedeu-se à remodelação.

A primeira semana foi sensacional. Todas as expectativas foram excedidas. Mas a partir daí a clientela começou progressivamente a desertar e, dois meses depois, o sapateado das camaradas Elena e Irina ecoava numa sala consternadamente vazia.

O colectivo reuniu-se de emergência e decidiu, por unanimidade e aclamação, enviar desta vez o camarada Alexei em inspecção por terras do Ocidente em busca de novas ideias.

Quando Alexei regressou estava eufórico. Trazia a solução. As camaradas Elena e Irina apareceriam vestidas apenas com curtos negligés e calçadas com sapatos de saltos vertiginosamente altos, e fariam strip-tease enquanto dançassem, as luzes seriam mais íntimas e sensuais, varrendo os corpos das camaradas com uma lentidão estudada, para levar ao paroxismo a libido dos clientes. O projecto era aliciante e o colectivo, arrebatado, aprovou a ideia por unanimidade e aclamação. Como o presidente (e principalmente a sua esposa) era amigo íntimo do camarada Vice-ministro da Cultura, não foi difícil obter, com rapidez, as 12.327 autorizações necessárias.

Os primeiros dias foram de enchentes. Havia filas à porta. Gerou-se espontaneamente um mercado negro para venda de lugares, na fila de acesso, mais próximos da porta. Foi sol de pouca dura. Um mês depois, tinham acabado as filas de espera, os clientes tinham desaparecido e o mercado de senhas de acesso tinha entrado em colapso.

O colectivo estava desolado e convocou uma reunião urgente. Todos se entreolharam cabisbaixos. Grigori, o mais novo e inexperiente, balbuciou:

- Vocês acham que as camaradas Elena e Irina ... ?

Um frémito de indignação percorreu o colectivo. O decano dos presentes, homem sábio e avisado, fez-se eco do pensamento do colectivo:

- Pois quê? Duas camaradas com 40 anos de Partido?


Foi assim decidido, por unanimidade e aclamação, pôr mais dois varões na placa giratória do palco, porque as camaradas Elena e Irina ostentavam na pele dezenas de hematomas provocados pelos tropeções e quedas constantes.

Publicado por Joana às setembro 16, 2005 03:35 PM

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Comentários

Dedico este post ao estimado (M), pois sei que ele é um admirador fervoroso deste modelo, embora não o queira, por vezes, admitir, pois ainda não chegou a altura de desfraldar a bandeira vitoriosa.

Publicado por: Joana às setembro 16, 2005 03:45 PM

E a todos os restantes tripulantes do nosso Titanic que continuam indignados pela referência àquele bloco de gelo despiciendo e insistem em olhar para o lado oposto e apontar extasiados para a beleza do horizonte.

Publicado por: Joana às setembro 16, 2005 03:47 PM

Joana às setembro 16, 2005 03:47 PM

Não me inclui nas dedicatórias do seu post e quase amuei.

Mas, anyway, venho aqui apresentar-lhe mil desculpas: fez-se luz.
A Joana, quando fala de socialismo, refere-se ao defunto socialismo soviético e afins. E eu estava a interpretá-la mal. Quando falo de socialismo, falo (tanto falo já é pornográfico) de coisa diversa. Falo do socialismo a que agora chamam, hummm, sei lá, talvez social-democracia... Ou 3ª via?
Mas, convenhamos que é V. a responsável pela minha confusão. Fala de defuntos como se estivessem vivos. Como é que um tipo vai adivinhar?

Tem que passar a datar com exactidão os seus textos. Por baixo aparece "2005". Como ia eu adivinhar que são dos anos 70?

Publicado por: Vítor às setembro 16, 2005 04:00 PM

Excelente.

Compelmento com a velha anedota sobre dois advogados que passeiam, quais veraneantes Sócrates, na savana africana, quando dão com um leão. Como o leão parecia bastante esfomeado, um deles fica bastante assustado, mas o seu medo foi substituído por perplexidade ao constatar que o outro estava calmamente a calçar uns ténis.
- Pensas que consegues correr mais que o leão? - pergunta. Ao que o outro responde, terminando de apertar os atacadores e pondo-se em pé:
- Não preciso de correr mais que o leão, só preciso de correr mais que tu.

Publicado por: Pedro Oliveira às setembro 16, 2005 04:03 PM

Vítor às setembro 16, 2005 04:00 PM:
Pois, mas o nosso Titanic está a afundar-se em 2005 e o actual socialismo estatizante, responsável por esse progressivo mergulho, sabe que não se pode reclamar do de 70, pois ninguém o levaria a sério, e reveste-se de novas e inexplicáveis roupagens, para que o continuem a comprar por bom.

Publicado por: Joana às setembro 16, 2005 04:08 PM

Pensando melhor, a comparação é um bocado descabelada...

Publicado por: Pedro Oliveira às setembro 16, 2005 04:15 PM

Caríssima

Como anedota náo está mal. Embora eu conheça outras mais engraçadas e mais contundentes sobre a defunta URSS.
Devia ter mais cuidado. Essa sua tendência para a necrofilia ideológica pode tornar-se irreversível.
Você, que não sabe nada sobre mim, imagina (porque lhe dá jeito imaginar) que eu sou adepto de visões anedóticas da sociedade.
É melancólico que tenha sido essa a única maneira que você encontrou para contrabalançar a impossibilidade de responder racionalmente aos meus comentários sobre o (esse sim) anedótico desempenho da administração americana no caso do Katrina.
Como não quero que lhe falte nada, aqui ficam algumas palavras do sumo sacerdote da sua religião:

...«George W. Bush, que falou diante da catedral de Saint-Louis, reconheceu que a Administração americana não esteve "à altura" do drama provocado pelo furacão "Katrina", cuja passagem pelos Estados Unidos, no dia 29 de Agosto, matou pelo menos 792 pessoas, segundo um balanço provisório.

"Quatro anos após a horrível experiência do 11 de Setembro, os americanos têm todo o direito de esperar uma resposta mais eficaz em caso de urgência", afirmou.

"Quando o governo federal falha no cumprimento de uma obrigação, eu - enquanto Presidente - sou responsável pelo problema, e pela solução"....

Eu poderia, mas não quero, responder-lhe ao nível do José Vilhena. Alguns leitores do blog encontrariam nisso motivo de gáudio, mas eu não me sentiria muito bem contribuindo para a degradação deste espaço.

Este blog já foi um tranquilo condomínio fechado, que cresceu para uma urbanização de luxo. Passou, depois, à fase suburbana, mas parece que está a atingir o nível do bairro das Galinheiras...
Se é esse o seu desiderato, não hesite. Vai no bom caminho.

Publicado por: (M) às setembro 16, 2005 04:48 PM

Esta história é uma boa visão do funcionamento das sociedades baseadas no papel do Estado. Não apenas na antiga URSS, mas em todos os países em que o Estado é pesado, como o nosso.

Publicado por: soromenho às setembro 16, 2005 05:08 PM

Eram hematomas ou medalhas de mérito pelo trabalho heróico?

Publicado por: Coruja às setembro 16, 2005 05:38 PM

(M): Havemos de chegar à zona J de Chelas, para começarmos a aparcer na TVI

Publicado por: Coruja às setembro 16, 2005 05:39 PM

Com o Louçã!

Publicado por: Coruja às setembro 16, 2005 05:40 PM

Coruja às setembro 16, 2005 05:39 PM
Coruja às setembro 16, 2005 05:40 PM

— Então temos que nos despachar, porque parece que o Cebrian não gosta de telelixo e não tarda está a mandar na TVI

— Com o Louçã, se me permite, vá você...

# : - ))

Publicado por: (M) às setembro 16, 2005 05:55 PM

Há muita gente que vai embirrar com esta história.

Publicado por: lopes às setembro 16, 2005 07:17 PM

Joana desculpe que lhe diga mas este está piroso!!! Será que a Joana estava programada para escrevê-lo? Desde ontem, se antes não fora, e se já tomou consciência, esta é uma pergunta pertinente.

Publicado por: pyrenaica às setembro 16, 2005 07:26 PM

Transcrevo agora aqui um texto do meu blog. Leiam com atenção.

Sócrates o grande "comunicador"

Arautos de uma suposta moralidade superior, a esquerda arroga-se de ser o defensor do povo e dos trabalhadores.

Assim, noutro caso de grande comunicabilidade, hoje Sócrates na Figueira da Foz, coadjuvado pela sua ministra da educação, foi mais uma vez arauto da superioridade de esquerda, ignorando completamente aqueles que fazem parte dos seus empregados, professores que manifestavam o seu descontentamento.

Não julgo pela positiva nem pela negativa as reivindicações destes empregados do estado, mas renego completamente a falta de cultura democrática já patente há muito neste governo PS.

Sócrates à entrada passa cândidamente pelos seus empregados, completamente autista perante a entrega de de uma carta de reivindicações destes professores. Eles não existem para Sócrates. Surdo e mudo Sócrates passa ao lado daqueles que o elegeram. Para rematar, o governo afirma que não é altura para os professores se manifestarem.
Que falta de respeito para com as pessoas e os seus direitos. Estamos perante um déspota.

Para aqueles que não se recordam, relembro um caso muito idêntico, faz agora exactamente um ano.

José Manuel Canavarro, secretário de estado da educação do governo PSD, visita Viseu para inaugurar uma escola. Igual recepção fazem exactamente os mesmos professores, o Sindicato de Professores da Região Centro.
A diferença: Canavarro, envolto num contexto bastante mais sério nas falhas de colocação de professores, ao invés de tentar escapar da turba, dirige-se serenamente para os seus empregados. sob assobios e insultos troca impressões com o líder dos sindicalistas, recebe uma carta com as suas reivindicações. Em suma, ele exerceu democracia, escutou o mal estar das pessoas.

Podem afirmar que são diferenças de estilo, mas são elas que marcam a diferença entre formas de encarar a democracia.

Publicado por: Braveman às setembro 16, 2005 07:29 PM

Acho bem, vamos lá a isto que já é mais que tempo:

http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?section_id=12&id_news=192610

Publicado por: pyrenaica às setembro 16, 2005 07:50 PM

Não sei se é tão bem assim. Para já ainda nem se sabe se é legal. Há muitas dúvidas. Outra é a razão porque este referendo se faz neste preciso momento. Esta não é uma questão prioritária para o país ainda que importante, e ressalvo que provavelmente votaria a favor, ainda que tenha bastantes argumentos contra.

Na verdade ao que parece o caro pyrenaica, sem querer ofender, vai na onda e distrai-se no acessório, que é exactamente a estratégia seguida por este governo desde o início. Começando nos famosos 6,83% e acabando no foclore Presidênciais.

Publicado por: Braveman às setembro 16, 2005 08:19 PM

O Braveman parte de uma premissa errada: a de que Sócrates é «de esquerda», mesmo tendo em conta a elasticidade dessa qualificação, hoje e sempre.

Por outro lado, Braveman também não situa os intervenientes no seu devido lugar — Sócrates não é patrão dos professores: são todos nossos empregados, porque somos nós que lhes pagamos os salários para eles nos servirem. Logo, Sócrates é, sim, COLEGA dos professores, o que só agrava o seu comportamento.

Publicado por: (M) às setembro 16, 2005 08:21 PM

Nós pagamos os salários deles, porque não temos alternativas. Somos obrigados s isso.

Publicado por: Surpreso às setembro 16, 2005 08:58 PM

Mas isso um dia pode acabar se continuar este roubo descarado aos nossos bolsos.
Por enquanto a evasão é a dos fraudulentos. Quando for a sociedade a recusar ser roubada, então se verá.

Publicado por: Surpreso às setembro 16, 2005 09:00 PM

O pyrenaica?

Publicado por: Coruja às setembro 16, 2005 09:01 PM

Era para lhe dizer que voto SIM ao aborto se tiver efeitos retroactivos e não houver direitos adquiridos.

Publicado por: Coruja às setembro 16, 2005 09:03 PM

derrapagem de 20% , mandem alguem á Noroega outra vez , não estamos a copiar bem ...ou estamos ?

Publicado por: jojo às setembro 16, 2005 09:07 PM

A Joana tem uma forma engraçada de argumentar. Começa por atacar aquilo que não defendemos, e depois proclama-se a si própria vencedora. Tenho aqui, por várias vezes, defendido um modelo cooperativo autogestionário como alternativo ao capitalismo neo-liberal, e já afirmei que esse modelo é compatível com a manutenção dos mecanismos de mercado. E também tenho defendido o reforço do papel do estado como redistribuidor de riqueza, de forma a impedir que uma parte da população fique privada de bens e serviços essenciais. Não vejo que isto tenha alguma coisa a haver com o modelo soviético que a Joana insiste em combater, como se ele ainda existisse ou fosse defendido por alguém. Se a Joana quer argumentar contra as ideias que expus, então que o faça directamente, sem recurso a fantasmas. Uma economia de mercado, mas sem capitalistas, não me parece menos viável, do ponto de vista da eficiência de afectação de recursos, do que o seu querido capitalismo neo-liberal. Com a vantagem de ser muito mais justo.

Publicado por: Albatroz às setembro 16, 2005 09:59 PM

Já sei Coruja. Querias livrar-te das dívidas a anteriori, não era? Paciência.

Publicado por: pyrenaica às setembro 16, 2005 10:36 PM

Joana, "alocação" não é uma piroseira abrasileirada? Dantes dizia-se afectação.

Publicado por: pyrenaica às setembro 16, 2005 10:38 PM

Esta história aplica-se também, como caricatura, ao funcionamento de muitos serviços públicos actuais onde o "mérito" é a idade e o compadrio político.
E ao funcionamento das estruturas de muitos partidos

Publicado por: putativo às setembro 17, 2005 08:53 AM

O exemplo de ser na ex-URSS só serve para a tornar mais ridícula.

Publicado por: putativo às setembro 17, 2005 08:54 AM

Muitos dos que acham que esta história não se aplica à vida actual são saudosistas daquele modelo, embora tenham vergonha de o dizer, dado o desastre que foi.
Vejam o post anterior, do checo, onde este nos diz sob que movimentos os herdeiros dessas concepções se disfarçam

Publicado por: AJ Nunes às setembro 17, 2005 09:15 AM

NAPOLEÃO BONAPARTE USAVA CAMISAS VERMELHAS PARA CASO FOSSE ATINGIDO, SUAS TROPAS NÃO FICASSEM DESMORALIZADAS, E CONTINUASSEM A LUTAR NO CAMPO DE BATALHA.
NAPOLEÃO ERA UM DIGNO ESTADISTA........

PASSADOS 200 ANOS..........

NOSSO PRIMEIRO MINISTRO ZEZINHO SÓCRATES USA CALÇAS CASTANHAS...........


HA HA HA HA HA HA HA HA

Publicado por: o vingador às setembro 17, 2005 03:23 PM

A precisar mesmo! Como é que vai ser? Olha desejo-te um zorro.

Publicado por: pyrenaica às setembro 17, 2005 03:42 PM

pyrenaica em setembro 16, 2005 10:38 PM:
Também se diz afectação, mas alocação é muito usado em linguagem económica. No Brasil é o único termo usado.
Se consultar o Ciberdúvidas - http://ciberduvidas.sapo.pt/php/resposta.php?id=245
verá o seguinte:
"Alocar é bom português. O dicionário Aurélio Buarque de Holanda indica que é colocar num lugar dentro de uma sequência de lugares ou destinar uma verba a um fim específico ou entidade."

Publicado por: Novais de Paula às setembro 17, 2005 03:48 PM

Olá!

Publicado por: Coruja às setembro 17, 2005 03:49 PM

Nos Dicionários de português de Portugal normalmente não aparece, julgo que pelo pretensiosismo de que somos os detentores da língua

Publicado por: Novais de Paula às setembro 17, 2005 03:51 PM

Tudo bem. Podemos usar as duas, eu pessoalmente prefiro afectar. Também concordo que não somos os detentores da língua.

Publicado por: pyrenaica às setembro 17, 2005 05:35 PM

piu

Publicado por: pyrenaica às setembro 17, 2005 05:35 PM

Não me parece que esta mentalidade esteja tão distante quanto isso. Está é sob novas roupagens

Publicado por: Hector às setembro 18, 2005 12:59 PM

Coitadas das camaradas horoínas do trabalho socialista

Publicado por: Silva às setembro 18, 2005 01:42 PM

ALOCAÇÃO?

O dicionário on line Priberam explica:

Alocação - derivação fem. sing. de alocar

Alocar - a palavra não foi encontrada

hehehehehe

Publicado por: Senaqueribe às setembro 19, 2005 03:49 PM

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