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abril 25, 2005

Américo Sampaio

Neste dia triste para os saudosistas do antigo regime, há, desde alguns anos para cá, algumas compensações, algumas identidades que se perpetuam. E a mais nostálgica é, seguramente, o extenso vazio discursivo do actual PR, no estilo que tanto notabilizou o último PR da II República. A referência à «A avó de 95 anos que vestiu o seu melhor vestido para ir votar pela primeira vez na sua vida» é uma das mais comoventes figuras retóricas daquele estilo que alguns recordam saudosos.

Mas todo o seu discurso foi uma peça retórica que relegou La Palisse para um truísta de segundo plano. Constituiu uma completa surpresa saber-se que «há momentos de consenso e dissenso, e que esses momentos são parte da vida política». Até hoje o país estava convencido que quando votava, apenas escolhia entre os logótipos esteticamente mais apelativos. O resto era completamente consensual.

Todavia não constituiu uma novidade exaltante saber-se que «há muito a fazer no Governo e na oposição, nas estruturas do Estado e na economia». Os portugueses já andavam desconfiados disso. Suspeitas pairavam no ar de que porventura houvesse algo a fazer naquelas áreas. O que continuam sem saber é o que é que falta fazer. Falta fazer muito ... mas o quê?

Na área da droga, Sampaio foi decisivo: «o combate exige uma resposta coerente». Está resolvido! Há décadas que a maioria dos governos mundiais tentava encontrar soluções para combater esse flagelo. Afinal é simples e linear: basta «uma resposta coerente».

Sampaio avisou igualmente que é urgente «aprofundar um investimento sério na educação e na ciência». Julgo que o país terá que se regozijar por este pensamento inovador de tratar «a educação e a ciência» como assunto «sério». Muitos de nós estávamos convencidos que «a educação e a ciência» não passavam de uma experimentação lúdica em que os brinquedos eram as nossas crianças e adolescentes.

Mas o PR não fez apenas concorrência a La Palisse e ao seu longínquo antecessor na presidência. Fê-la igualmente ao rifoneiro popular: «não podemos deixar de fazer hoje o que já devia ter sido feito ontem». Esta nova versão de um aforismo multi-secular pecou apenas pelo dia em que foi proferida e que pode causar uma interpretação duvidosa. Os portugueses, quase sem excepção, fizeram hoje, feriado, o que deviam ter feito (e provavelmente fizeram) ontem, domingo, isto é, descansaram. Ou seja, cumpriram os desejos do PR no preciso momento em que ele os formulava. É isto que define um líder político – estar em sintonia com as massas!

E rematou com uma gloriosa tirada, que faria roer de inveja a Pitonisa de Delfos: «não podemos comprometer o futuro, desperdiçando as oportunidades ou não cumprindo as responsabilidades do presente». Oportunidades e responsabilidades são palavras fortes e decisivas. A gramática assegura mesmo que são substantivos, ou seja, têm substância. Comprometer, desperdiçar e cumprir são verbos de reconhecido valimento gramatical. O conjunto sintáctico é que não tem qualquer sentido concretizador.

Em Outubro de 2003, escrevi aqui que «Nos tempos heróicos, a Pitonisa de Delfos, posta em transe pelos vapores telúricos, talvez com a mesma essência básica do suave aroma acanelado dos pastéis de Belém, debitava frases que serviam de referência a políticos, generais, mercadores de azeite, pastores e até a atletas que demandavam os Jogos Olímpicos, psicologicamente carenciados. A sua reputação era célebre. Os meios de comunicação da época asseguram que salvou a Grécia quando, instada por um Temístocles temeroso perante a inumerável hoste persa, o avisou para confiar nas suas muralhas de madeira.

Em Belém também se instalou uma pitonisa que, sobre os grandes (e pequenos) temas da política nacional, emite proposições que nunca são decifráveis em menos de 50 ou 100 interpretações diferentes e contraditórias. É uma pitonisa filosoficamente mais avançada, pois contém em si todos os momentos da dialéctica hegeliana (teses, antíteses, a afirmação e a sua negação) excepto as sínteses.

Felizmente para Temístocles, as difíceis comunicações da época impediram-no de demandar Belém, senão nunca teria havido Salamina e a história teria sido dramaticamente diferente. A trirreme de Temístocles estaria algures no Mediterrâneo, navegando em círculos, com os soldados no convés gritando teorias todas diferentes e contraditórias sobre a rota a traçar e, na coberta, a chusma de remadores, num alarido infernal, agitando perigosamente os remos e discutindo com o homem do tambor sobre o ritmo e direcção das remadas.

No seu último discurso do 25 de Abril, como PR, Sampaio não desmereceu esta gloriosa herança clássica. Muitos têm tentado imitar Aristóteles, Platão, Homero, Heródoto, Tucídides, mas sem o conseguirem. Sampaio foi mais feliz com a Pitonisa.

Sobre este tema ler ainda:
O Manto Habitual da Hipocrisia
Belém pariu um rato
Um de nós mentes ...
e os links indicados neste último post

Publicado por Joana às abril 25, 2005 11:05 PM

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Comentários

Mas o PR não fez apenas concorrência a La Palisse e ao seu longínquo antecessor na presidência. Fê-la igualmente ao rifoneiro popular: «não podemos deixar de fazer hoje o que já devia ter sido feito ontem»

Eu hoje por acaso fui, pela primeira vez ao site da Presidência da República e o que vi lá ?

Vou fazer copy paste ....

Assembleia da República

A Assembleia da República é a assembleia representativa de todos os portugueses. Sendo composta por um mínimo de 180 e o máximo de 230 deputados. Eleitos por sufrágio universal directo e secreto dos cidadãos portugueses maiores de 18 anos segundo o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt.

As eleições realizadas em Março de 2002 deram lugar à seguinte distribuição de mandatos: Partido Social Democrata (PSD) 105; Partido Socialista (PS) 96; Partido Popular (PP) 14; Partido Comunista Português (PCP) 10; Partido Bloco de Esquerda (BE) 3; Partido Ecologista os Verdes (PEV) 2.

Presidente da Assembleia da República - Dr. João Bosco Mota Amaral (desde Abril de 2002)

Ora, como não me aguentei... lá tive que lhes enviar um mail explicando que 2 meses para actualizar umas linhas num site... era tempo demais !

Publicado por: Templário às abril 25, 2005 11:27 PM

Este PR é uma desgraça. E quando ele, no princípio do ano passado fez uma declaração com ar solene a dizer que a "lei é para se cumprir"

Publicado por: Diana às abril 26, 2005 12:16 AM

Quanto a mim, é um Homem Bom. Um Homem Bom.
Que outra coisa é outra coisa. E há muitas coisas, caramba.

Publicado por: asdrubal às abril 26, 2005 01:26 AM

Um homem bom pode não ser um presidente da república bom. Mas num país anestesiado pela "cultura" do vazio politicamente correcto as coisas parecem o que não são.

Publicado por: lino às abril 26, 2005 08:34 AM

Não percebo como é que foi publicado um comentário em Abril 26, às 12:16 AM e o comentário seguinte o foi em Abril 26 às 01:26 AM.
O homem do tambor do blogue parece que não acerta com o rítmo.

Publicado por: Senaqueribe às abril 26, 2005 10:18 AM

Penso que foi um excelente discurso, em que disse muitas verdades.

O problema é que ele nunca foi capaz de realizar nenhuma das boas ideias que tem.

Foi um desgraçado presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Transformou, ou deixou tansformar, uma cidade na qual pessoas podiam viver, num caos automobilístico vergonhoso e terceiro-mundista, com carros a estacionar à borla por todo o lado, servidos por ruas que os levavam aonde eles quisessem, em total desrespeito pelos habitantes da cidade, que o tinham elegido.

Nunca lhe perdoei ou perdoarei isso.

Publicado por: Luís Lavoura às abril 26, 2005 10:20 AM

Luís Lavoura às abril 26, 2005 10:20 AM

"... disse muitas verdades".

Banalidades também podem ser verdades? Talvez, mas eu não encontro diferenças substanciais entre os discursos do PR e as conversas do meu barbeiro.
Só que o meu barbeiro não tem culpa...

Publicado por: Senaqueribe às abril 26, 2005 11:27 AM

O Sampaio especializou-se em banalidades. E a maioria nem se percebe bem o que quer dizer

Publicado por: David às abril 26, 2005 11:35 AM

A minha Avó votou até aos 99 anos e deslocava-se pelo seu pé à assembleia de voto. Nem bengala tinha. Ganhei a corrida das avós à urna!

Publicado por: JMTeles da Silva às abril 26, 2005 01:59 PM

Os discursos de intenções são sempre parecidos, navegando ao sabor das modas e das dificuldades. Há uns anos lembro-me do Presidente Sampaio ter ilustrado os nossos absurdos jurídicos contando, jocosamente, que quando concorreu à reeleição para a Presidência da República tinha sido obrigado, novamente, a fazer prova da sua nacionalidade portuguesa. Ora quase que aposto que, daqui a uns anos, um Presidente terá de fazer uma nova prova da sua nacionalidade quando se quiser recandidatar à chefia do Estado.

Publicado por: Rui Lizandro às abril 26, 2005 03:44 PM

Mas a avó do Sampaio já apareceu em 8 discursos do 25 de Abril, fora os ensaios.

Publicado por: bsotto às abril 26, 2005 04:10 PM

É a egrégia avó que nos há-de levar à vitória

Publicado por: bsotto às abril 26, 2005 04:11 PM

Joana o PR é muito mais Panglos que La Palisse...

Publicado por: Joao P às abril 26, 2005 04:42 PM

Mesmo assim, aposto que se fosse novamente a votos, Sampaio ganhava por grande margem.
Claro que a malta que aqui se "prosta", não é propriamente representativa da maior parte da nossa sociedade, e ainda bem.
Limitam-se a emitir uns palpites, umas piadas alarves, muito ao jeito de conversa da treta. Alguns, fazendo o favor e a reverência de ler os "lençois" escrevinhados pela Joana, que finalmente encontrou o rumo para os seus trocadilhos maldicentes, assim que a direita, a liberal e a outra, "levou no coco".
Outros fazem a costumeira verborreia de piadeticas atoardas baratas, que não acrescentam nada à discussão política ou social.


Publicado por: E.Oliveira às abril 26, 2005 05:36 PM

"aposto que, se fosse novamente a votos, Sampaio ganhava por grande margem"

Eis um excelente argumento para a limitação de mandatos.

Publicado por: Luís Lavoura às abril 26, 2005 06:15 PM

O E.Oliveira e o Luís Lavoura fazem neste blog o papel do saridon e do Fernando Pessoa no blog Do Portugal Profundo. E tal como os outros dizem mal mas não desgrudam.

Publicado por: JM às abril 26, 2005 08:00 PM

Qual dos dois disse a célebre frase:

"Já não vinha aqui desde a última vez que cá vim!".

Quem acertar ganha o conjunto dos discursos do 25 de Abril de um e o conjunto dos discursos do 28 de Maio do outro.

Publicado por: JM às abril 26, 2005 08:07 PM

Parabéns, Joana. Como sempre um óptimo texto.

Publicado por: JM às abril 26, 2005 08:13 PM

Publicado por: JM às abril 26, 2005 08:00 PM
Quem se limita a dizer "amen", escusava de cá vir "engraxar".

Publicado por: E.Oliveira às abril 26, 2005 09:41 PM

O Oliveira manda: aqui só se pode escrever mal da autora do blog.
Tudo o resto é proibido

Publicado por: David às abril 26, 2005 11:19 PM

Outro a dizer "amen".
De facto, já são muitos...desisto.

Publicado por: E.Oliveira às abril 27, 2005 12:29 AM

O Presidente Sampaio tem uma avó Iraquiana?

Publicado por: lucklucky às abril 27, 2005 01:07 AM

"dizem mal mas não desgrudam"

Eu não digo mal. Critico uma coisa ou outra, mas não digo mal.

Publicado por: Luís Lavoura às abril 27, 2005 09:30 AM

Não vejo qual o problema de "dizer mal e não desgrudar", desde que isso seja feito sem insultos grosseiros e constantes processos de intenções.

Quem tem segurança das suas ideias não tem receio da confrontação.

Sobre o "nosso" PR, penso que ele se vê como uma espécie de reserva moral da Nação. Brinda-nos constantemente com uma atitude paternalista, e se nos diz banalidades não é porque não saiba ter um discurso mais elaborado, mas apenas porque tem a certeza das nossas limitadas capacidades.

Publicado por: Mário às abril 27, 2005 11:06 AM

Como alguém disse e é bem verdade eu também só o consigo entender quando fala em inglês...

Publicado por: lucklucky às abril 27, 2005 09:09 PM

"Eu não digo mal. Critico uma coisa ou outra mas não digo mal". Luis Lavoura,09.30pm

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Admito que no seu caso tenha sido injusto e peço desculpa.

Publicado por: JM às abril 27, 2005 11:31 PM

Eu não digo mal. Critico uma coisa ou outra, mas não digo mal.
Publicado por: Luís Lavoura às abril 27, 2005 09:30 AM:
Criticar emitindo uma opinião contrária é dizer mal de uma coisa ou de uma opinião. É um acto normal da crítica. Provavelmente o que você queria dizer é que não insulta, não fulaniza as questões nem é virulento quando critica.

Publicado por: Joana às abril 27, 2005 11:52 PM

Outra coisa: Imagine que eu contrariava uma opinião sua sobre algo da Física ... por exemplo ... o Princípio da Incerteza de Heisenberg.
Imagine que eu lhe dizia que aquela coisa de não se conseguir ver um electrão porque ao iluminá-lo, um fotão lhe dava um pontapé e o tirava do sítio, era uma ideia futebolística sem cabimento ... era uma questão de arranjar um microscópico com poder de ampliação bastante.
Você respondia falando em momentos lineares, Schrödingers, etc. e em insistia nos chutos e nas bolinhas a andarem à volta dos núcleos e nos fotões que como não tinham massa não faziam mossa ... etc., etc., etc..
Às vezes pode tornar-se complicado dirimir questões com pessoas que não estão a par dos princípios básicos de uma dada ciência.
Não pense que apenas a Física é uma ciência. A Economia também é. E não é apenas uma diferença de âmbito, é também uma diferença de metodologia de abordagem.

Publicado por: Joana às abril 27, 2005 11:54 PM

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