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janeiro 09, 2005

Tiros ao Acaso

Fico perplexa pelo que tenho lido e ouvido nos últimos dias. Jornalistas, fazedores de opinião e políticos no desemprego fazem lembrar um grupo de caçadores urbanos, vestidos a rigor, de um camuflado impecável, com caçadeiras e cães do último modelo e topo de gama, que iniciam a caçada pelas onze da manhã, atirando a tudo que mexe e não conseguindo destrinçar uma vaca de uma lebre.

A questão é simples. O país tem um problema, mas nem sequer conseguiu ainda atinar com o enunciado do problema, quanto mais com a solução ou soluções. E isto é deveras preocupante.

No início de 2002 o problema era Guterres, segundo a quase unanimidade daqueles caçadores urbanos. Mas quase nenhum tentou formular o enunciado do problema, porque Guterres não passava de um epifenómeno de um problema muito mais complexo. O problema ia muito para além de Guterres. Este apenas o tinha tornado desmedido.

Nos dois anos seguintes assistiu-se aos esforços inábeis de um governo para resolver um problema do qual se desconhecia o enunciado. E os caçadores urbanos, nos seus artigos, colunas e homilias, apenas se comportavam como tal: atiravam a tudo que mexia ... menos às espécies cinegéticas.

Finalmente, a indigitação de um novo primeiro ministro permitiu uma clarificação: Era ele o problema. Os caçadores urbanos já tinha um alvo: Santana Lopes. Foi a explosão de alegria entre os caçadores urbanos. Mas como Santana não era uma espécie cinegética, os chumbos continuavam inúteis para a solução de um problema sem enunciado.

A dissolução da AR pelo PR foi uma espécie de ágape festivo, de febras grelhadas e tinto, numa caçada infrutífera, num trilho abandonado e inútil. Foi um folguedo: a carne acalmou os estômagos e o tinto inebriou os espíritos. A caçada iria prosseguir, por trilhos ínvios, horizontes ignotos e espécies inexistentes, mas prosseguiria.

Surge agora a questão das listas. A depressão é geral. Santos Silva geme: “Nos partidos, as inumeráveis capelas e as suas afinidades e rivalidades tribais enxameiam as listas de candidatos sem rosto, sem ideias e sem valor autónomo”, esquecendo que mesmo os que têm rosto, como ele, não têm ideias nem valor autónomo. Numa coisa tem esse ex-Ministro de Educação, de desconhecida memória, razão, os “atiradores” esquecem-se que, na vez anterior, escreveram exactamente o mesmo.

António Barreto foi liminar: Três cavalheiros, Santana, Sócrates e Portas, nomearam pessoalmente cerca de 80 deputados ... mais ou menos 5.000 pessoas dos cinco partidos, reunidas em comissões locais ou nacionais, nomearam 190 deputados, ou seja, a quase totalidade do Parlamento que entra em funções dentro de seis semanas. Restam 40 para nós elegermos.

Outros falam de que o país estava à espera que a moeda boa regressasse, e expulsasse a moeda má, e afinal os partidos porfiaram em apresentar ao eleitorado um baú repleto de moedas mais “quebradas” que alguma vez o rei D. Fernando ousou fazer, nos períodos de maior aflição de escassez de metais preciosos no Reino. Nunca se viu moeda de tão baixo teor, clamam.

O problema agora é a questão das listas. Com tanta mediocridade, como resolver o problema? Mas qual problema? Primeiro há que identificar “o problema” e formular o respectivo enunciado. Eu olho para as listas e não vejo que estes sejam, em média, mais medíocres que os anteriores. Alguns nomes sonantes saíram dos elencos elegíveis. Mas são apenas nomes sonantes. Nunca vislumbrei neles qualquer competência. Helena Roseta, por exemplo, competente? Nem como política, nem como arquitecta ... não passa de um nome gerado pelos aparelhos partidários do PSD e do PS.

Jorge Sampaio, um dos mais exímios caçadores de pólvora seca, num debate há dias na SIC, na sequência aliás da sua mensagem de Ano Novo, voltou a afirmar a necessidade de uma estabilidade a médio prazo (ele, que vai ficar na História como o primeiro, e esperemos o último, presidente que dissolveu uma AR com uma maioria estável, a meio do mandato) e um entendimento entre os principais partidos para resolver “o problema”.

Portanto, para Sampaio, e não só, a solução poderia estar num entendimento partidário alargado para tomar medidas ditas “impopulares”, mas necessárias, para recuperara o país. O que há de anedótico em tudo isto é que Sampaio andou a vetar, ou a enviar para o Tribunal Constitucional, para este considerar inconstitucional, inúmeras medidas impopulares em matérias que agora reclama serem solucionadas mediante um entendimento salvador.

O problema das medidas impopulares não é apenas elas serem impopulares e só gerarem efeitos positivos a médio e a longo prazo. Não é precisarem de um entendimento partidário alargado, para assegurarem a quietude social. É serem inconstitucionais. A nossa constituição, apesar das revisões que teve, continua inquinada pelo conceito de um Estado demasiado interventor na economia e na prestação de serviços públicos, o que é uma contradição com o funcionamento eficiente de uma economia de mercado. Continua inquinada por conceitos que protegem interesses corporativos e impedem o funcionamento eficiente do mercado de trabalho, o que é negativo em termos de competitividade e de incentivos à qualificação. Temos uma constituição que tem disposições que não deveriam figurar lá, por constituírem matéria para decisões dos governos e não normas rígidas que os governos estão impedidos de alterar. Temos uma constituição completamente desajustada face aos países com os quais concorremos, face aos países com os quais estamos unidos política e economicamente. Temos uma constituição que é contrária aos interesses do país e um entrave ao seu desenvolvimento.

Para que queremos deputados competentes e governantes competentes, se essa competência não se traduzir em resultados práticos? Apenas por masoquismo extremo, gente competente aceitaria expor-se a governar, sabendo que não tem possibilidades constitucionais de resolver as questões mais essenciais.

E o masoquismo é uma perversão e não uma virtude.

Publicado por Joana às janeiro 9, 2005 10:17 PM

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Comentários

A questão é simples. Joana tem um problema e chama-se : Poder.
Prestes a perder o poder a direita portuguesa atira sobre tudo o que mexe . Este post de Joana começa com a simpatia do costume para com os jornalista - esta coisa de nos informarem sobre as asneiras do bloco central , é uma chatice - e acaba com a choradeira do costume acerca de os problemas do país não se resolverem só porque temos uma constituição "marxista" ...
uma palvra sobre as "quotas" de mulheres nas listas do PPD e do PS vinha a calhar.

Publicado por: zippiz às janeiro 9, 2005 10:44 PM

Excelente post, Joana.

Publicado por: David às janeiro 9, 2005 10:44 PM

O PROBLEMA ENTÃO É A CONSTITUIÇÃO

Se não me engano, a Joana já disse que é uma economista.
Ora então diga-me onde é que a Constituição impede o desenvolvimento económico ?

Onde é que na Constituição diz que devem governar os incompetentes em desfavor dos competentes?

Mas diga algo de concreto, não venha com as balelas das leis do trabalho, que não sendo as melhores, também não impedem de termos desenvolvimento.

Sabe, este País tem de facto, bastantes problemas para e por resolver; com tal, passamos a enumerá-los sem lhes darmos prioridade. E...quando alguém..consegue finalmente ver as prioridades, choca com os poderes CORPORATIVOS inquinados.

Exemplo concreto que atrasa este País desde o 25 de Abril: O Poder Judicial

Juízes e Tribunais, não prestam contas a ninguém e agem como querem e quando querem.

A este propósito, já Sampaio se referiu por diversas vezes, e há pouco tempo, falou mesmo na sua responsabilização.

Quem não se lembra, do chinfrim, quando o Governo nomeou a Presidente do Instituto dos Estudos Judiciários, aqui-d´el-rei foi nesse acto que se desmascararam e provavelmente alguém lhes disse, que estávamos em 2004... e já não era o PREEC a tomar decisões.

Portanto, se procurava o culpado, a Justiça é a 1ª Culpada, o Ensino a 2ª culpada, que nem educa, nem forma ninguém com novas atitudes e novas mentalidades. Seria fastidioso enumarar aqui todas as outras, mas termino dizendo, que na minha opinião apenas alterava o sistema, e transformava-o em sistema Presidencialista por 7 ANOS.

Publicado por: Templário às janeiro 10, 2005 12:14 AM

Quanto ás competitividades, lá voltamos nós à bela discussão do sexo dos anjos.

Diga-me sinceramente se conhece o sistema Chinês, como pensa combatê-lo.
E nem me estou a referir aos salários, ou seja o desafio é ainda maior, ou seja: tem operários a ganhar o mesmo que na China, acha que mesmo assim os consegue combater ?

Sistema Chinês é muito simples :

- O empregado assina um contrato de objectivos, se os cumpre fica, se não os cumpre rua, sem direito a nada, muito menos a Justiça.

Claro que isto colocado assim, até um amigo me disse, que era bom, o ingénuo...só acordou...quando lhe disse que o objectivo, para se cumprido, em vez de 8 horas tem que trabalhar 14, mais sábados e domingos. Aí...ele acordou..

Portanto, contra um sistema Capitalista Esclavagista, o Capitalismo Democrático..não tem hipótese !

Resultado: Vai haver guerra entre Ocidente e a China, é para breve...muito breve...talvez 3 anos.

Publicado por: Templário às janeiro 10, 2005 12:26 AM

A Joana devia passar um fim-de-semana a ler algumas constituições europeias.

«...transformava-o em sistema Presidencialista por 7 ANOS»... (Templário)

7 anos era só para o De Gaulle...
Já imaginou o que teria sido aguentar a família Soares durante 14 anos?

Publicado por: (M)arca Amarela às janeiro 10, 2005 01:26 AM

(M)arca Amarela
Foi 14 para Giscard´Estaing, 14 para Miterrand e se o Chirac não morrer, fará tb 14.

Vive la France !!!

Ps: assim aturámos Soares 30 anos !

Publicado por: Templário às janeiro 10, 2005 02:40 AM

Para: Templário em janeiro 10, 2005 02:40 AM
Desculpe mas errou . Presidentes da Va rep. francesa :
De Gaulle - 11 anos
Pompidou - 5
Giscard - 7
Mitterand - 14
Chirac - 12 seguros ( maximo 17)

Penso que o Sampaio estava-se a referir a um mandato longo ( 7 ou 9 anos) mas UNICO ! para fugir a pressoes e clientelismos.

Publicado por: Ethan Hunt às janeiro 10, 2005 08:35 AM

O PROBLEMA ENTÃO É A CONSTITUIÇÃO

Ó Templário, torço-me todo mas desta vez dou-lhe razão, sem tirar à Joana a dela. E já você aceitar que há um Capitalismo Democrático...3 vivas!

Publicado por: Sargento às janeiro 10, 2005 02:31 PM

Templário em janeiro 10, 2005 12:14 AM:
7 anos com um bonifrate como o Sampaio? Tenha juízo

Publicado por: Coruja às janeiro 10, 2005 03:21 PM

Templário em janeiro 10, 2005 12:14 AM:
7 anos com um bonifrate como o Sampaio? Tenha juízo

Publicado por: Coruja às janeiro 10, 2005 03:21 PM

Aos comentadores HUNT,Sargento e Coruja

Está cada vez mais dificil conversar com as pessoas, aqui neste blog, ou em qualquer lugar, mesmo aqueles que telefonam para a Sic e ao terem a oportunidade de falarem algo de importante, caem logo na esparrela partidária.

Caro Hunt enganei-me no Giscard, pensava que ele tinha sido reeleito, Pompidou julgo que não completou, por ter falecido. Agradeço-lhe a sua rectificação, pois meus dados são de memória.

Sargento, você não conhece as minhas ideias, e julga que eu pertenço a algum partido, se já me leu sobre os Templários, teria percebido, que eles são únicos, autênticos, indomáveis, e incontroláveis, por isso Sua Santidade o Papa Clemente V os entregou à fogueira.

Coruja : Poderia ter sido 14 anos de Cavaco, pois não se esqueça que eu falo de sistema Presidencialista.

Já agora Coruja, para que fique a saber algo sobre minhas ideias, na 1ª Maioria de Cavaco votei nele, tendo sido a 1ª e única vez que votei PSD, e posso lhe dizer, que não me arrependi, e lamentei a propaganda da altura da oposição, que diziam todos em coro afinado, tanto betão para quê ???

E "obriguei" até dirigentes do PS a darem a mão à palmatória e a inverterem o discurso.

Ou seja, a questão não era naquela altura " tanto betão ", mas sim, só estas autoestradas? Onde está a do algarve, a de Castelo Branco etc. etc.

Em resumo, eu faço críticas pela positiva e nunca pela negativa.

Agora que Sampaio agiu bem, a maioria dos Portugueses concorda com ele. Temos que despir as clubites partidárias, para tratarmos melhor os problemas do País.

Os Portugueses desta vez vão dar a maioria ao PS, e durante 4 anos eles só têm é que trabalhar melhor que os outros.

Publicado por: Templário às janeiro 10, 2005 11:14 PM

Excelente post

Publicado por: Susana às janeiro 14, 2005 10:24 AM

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