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novembro 09, 2004

O Lazareto Semiramis

Sempre me interroguei com que se pareceria este blogue. A resposta veio hoje, liminar e definitiva: Um Lazareto mental. Às vezes, é na voz dos simples (no caso, o Luís Rainha do Blogue de Esquerda) que aparecem as verdades mais inesperadas.

O Lazareto é um estabelecimento cheio de tradições: era inicialmente destinado a isolar pessoas vindas de localidades onde grassavam doenças contagiosas, em particular as chamadas moléstias pestilenciais. A par das pessoas eram isoladas as mercadorias e bagagens durante o tempo julgado suficiente em cada época, para os elementos transmissores perderem a sua capacidade de contágio. Chamava-se a isso pôr de quarentena. E quem ordenava estes internamentos eram os guardiães da saúde pública, investidos dessa suprema autoridade. Era o Lazareto físico.

A net impede o contacto físico, permitindo apenas o contacto a nível da opinião e do debate de ideias. Portanto, a designação de Lazareto mental, tão oportunamente dada por LR-BdE ao meu blog, terá que ser vista em termos de isolar as ideias mais molestas e pôr o pensamento mais contagioso de quarentena. E que bem que LR-BdE sabe assumir esse papel! Chegou aqui, ao post Intolerância Congénita, avisou de passagem um comentarista desprevenido, que estava nesta gafaria mental em risco iminente de contágio, e saiu apressadamente antes que os miasmas que flutuam insidiosamente pelo Semiramis pudessem penetrar através da poderosa couraça de betão e aço que, com vários centímetros de espessura, lhe protege o que lhe sobejou da massa encefálica.

Pois é, LR-BdE, nós aqui vivemos na mais estouvada e indecente promiscuidade mental. Temos opiniões diferentes e contrárias, expomo-las e ouvimo-las, incautamente impassíveis a contágios, arremessamos violentamente os vírus mentais mais infecciosos uns aos outros, com uma agressiva e pestilencial vontade de contagiar e corromper. Mas o mais surpreendente é que a nossa estrutura mental mantém-se praticamente incólume. Todos os dias porfiamos em contaminar os outros, e eles a nós, sem qualquer recato ou escrúpulo pelas prescrições dos guardiães da mente. Mas à força de tão prolixa troca de vírus, devemos ter criado tantos anti-corpos, que não há volta a dar. Ficamos na mesma!

Não, LR-BdE, apenas aparentemente ficamos na mesma. Em primeiro lugar aprendemos a respeitar e prezamos cada vez mais as opiniões dos outros, mesmo quando discordamos irredutivelmente delas. Em segundo lugar, as nossas próprias opiniões, mesmo quando se mantêm no essencial, temperam-se com o que nos vai chegando das opiniões dos outros – ou robustecem-se pelo exercício e força da nossa argumentação, ou transfiguram-se, em diversos dos seus aspectos, pelo reconhecimento do peso da argumentação contrária. Em qualquer dos casos, tornam-se sempre mais rigorosas e cosmopolitas.

A mente exercita-se no debate e na controvérsia, por muitos vírus que esse exercício licencioso e promíscuo transmita. Aliás, quanto mais vírus trocarmos, mais resistências ganhamos, mais robustecemos as nossas mentes e menos expostos ficamos a epidemias que por vezes surgem. Foi por não seguir este avisado conselho que Eduardo Prado Coelho se tornou, sempre, na primeira vítima de qualquer surto intelectual e cultural que assole o país (ou Paris de França). Aquele homem apanhou todas as viroses intelectuais que devastaram Paris e Portugal nos últimos sessenta anos. Não escapou a nenhuma, nem às suas mais imperceptíveis mutações. LR-BdE, pense bem! Pretende seguir este doloroso e insalubre exemplo?

Quando fui agora a Blogue de Esquerda em busca dos “links” (onde encontrei, com atónita surpresa, LR-BdE repetidamente virado para Deus), reparei que, finalmente e contrariando o que se poderia extrair do que eu havia escrito na véspera, se referiram ao assassinato de Theo van Gogh. Isto é ... apenas indirectamente ... pois o que o BdE pretendia mostrar era a sua indignação e apreensão pelo ataque a uma mesquita perpetrado por alguém com espírito de vendetta. O título é «O Assustador Presente da Holanda» e o que era assustador, era o ataque à mesquita. Objectivamente, o BdE não encontrou nada de assustador no assassinato de um agente cultural por este haver realizado um filme sobre o humilhante papel da mulher na sociedade islâmica. Quem teve a paciência de me ler até aqui, agradecia que recortasse este parágrafo e o colasse no post anterior sobre o “politicamente correcto”. É um dos paradigmas mais perfeitos dessa praga maniqueísta.

LR-BdE, você não quer aparecer por aqui, de peito aberto, pulmões carentes de oxigenação, sorver em longos e profundos haustos, todos estes miasmas corruptores da mente? Todos estes vírus insidiosos que inflectem a mente e corrompem a visão totalitária? Porquê persistir na Totalidade, em vez de se abandonar, por exemplo, ao Único (e sua Propriedade), começando pelo início absoluto: «A minha causa é a causa de nada»? Mas para isso teria que aceitar a morte de Deus e abandonar o folhetim (1,2,3, 4 e só Allah, o misericordioso, sabe quando terminará) a que hoje está a dedicar todo o seu enorme talento, talento que ambos admiramos intensamente, e que é a única matéria sobre a qual estamos presentemente de acordo.

Nota - Ler a réplica:
Lazareto Semiramis II

Publicado por Joana às novembro 9, 2004 07:49 PM

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Comentários

Esta está demais. Você está com o gás todo!

Publicado por: Rui Sá às novembro 9, 2004 08:56 PM

Esta está demais. Você está com o gás todo!

Publicado por: Rui Sá às novembro 9, 2004 08:57 PM

Olhe Joana, va por mim que sou imunologista:
Quanto mais anticorpos, melhor...

Publicado por: P Vieira às novembro 9, 2004 09:09 PM

Este estilo literário não é apenas brilhante. É demolidor!

Publicado por: bsotto às novembro 9, 2004 09:24 PM

Joana ,
não leve tão a mal as críticas ! Já se percebeu que aqui ninguém tem lepra !

ps:
a respeito do post anterior (politicamente correcto) também faço questão de ver/ler a sua dita independência quando nos brindar com um post sobre o Politicamente Incorrecto e os seu mais cândidos representantes.
Não se esqueça, nomeadamnete, de Vasco G. Moura essa sumidade intelecto/ideológica que também deve ter apanhanhado todas as viroses intelectuais dos últimos anos !

Publicado por: zippiz às novembro 9, 2004 10:25 PM

«Críticas», Zippiz ?!

Publicado por: asdrubal às novembro 10, 2004 12:05 AM

Levar a mal, zippiz? Se eu até concordei com a designação!
Quer mais fair-play? Mais benevolência?

Publicado por: Joana às novembro 10, 2004 12:15 AM

Vasco G. Moura ter apanhanhado todas as viroses intelectuais? Eu sempre o li igual a ele próprio. Excepto quando perde eleições, onde perde igualmente a cabeça.
O EPC é um caso único na cena intelectual planetária: nunca um foi tanta coisa, tantas vezes.

Publicado por: Joana às novembro 10, 2004 12:19 AM

P Vieira em novembro 9, 2004 09:09 PM:
Não tenha quaisquer dúvidas!

Publicado por: Joana às novembro 10, 2004 12:20 AM

asdrubal/joana :
críticas , bocas , apartes...enfim , fair-play é preciso !
não precisamos matar o adversário ; senão, com quem se pode travar polémicas ?!

Publicado por: zippiz às novembro 10, 2004 12:23 AM

Ahh Zippiz, mas que grande saída airosa, ehehehe !

Publicado por: asdrubal às novembro 10, 2004 12:36 AM

A Holanda sempre foi uma terra tolerante. Parece mentira que não se veja o que levou alguns (sublinho alguns) holandeses a 'perder a tramontana'. O Islão trata de facto mal as mulheres e matar alguém por 'dizer que o rei vai nú' é indesculpável. Como é incompreensível que haja ocidentais que o tentem relativizar esta situação...

Um abraço,
Francisco Nunes

Publicado por: Planície Heróica às novembro 10, 2004 12:36 AM

zippiz:
Matar o adversário? Primeiro, não o considerei adversário e depois afirmei que ambos (eu e ele) admirávamos intensamente o talento dele, infelizmente a única matéria onde, por enquanto, estamos de acordo.

Publicado por: Joana às novembro 10, 2004 12:48 AM

Planície Heróica em novembro 10, 2004 12:36 AM:
Não sei se leu o «O Assustador Presente da Holanda» posto pelo BdE. Provavelmente leu. Vale a pena ler, para ver onde pode chegar a perversidade do politicamente correcto.

Publicado por: Joana às novembro 10, 2004 12:51 AM

O zippiz tem alguma razão, Joana. Você foi de uma subtileza assassina.
Não me lembro de ter lido, ultimamente, uma texto tão perfeito. É que elegância com que você desfaz o LR é também assassina.

Publicado por: vitapis às novembro 10, 2004 01:02 AM

Também lhe queria dizer que concordo com a crítica que faz a essa posta do BDE. Acho de muito mau gosto. Fiquei muito chocado.
Você tem razão quando, na sua posta anterior, diz que coisas como esta apenas ajudam a xenofobia.
É pena aquela malta não perceber isso, porque entre eles há gente de qualidade.

Publicado por: vitapis às novembro 10, 2004 01:06 AM

Ao ler este texto, e não vendo os galões políticos dos intervenientes, dir-se-ia que se trata de uma polemista de esquerda a desbancar um conservador, alguém de direita.
Este texto está escrito com elegância, graça, frescura e abertura de espírito, qualidades que sempre nos habituámos a ver nos polemistas de esquerda, ou progressistas, de todas as épocas.
Será que a esquerda se está a tornar conservadora e está a aparecer uma direita “progressista”? Isto admitindo, como alguns dizem, que a autora é de direita, porque eu, pelo que li dos posts dela, o único sintoma de direita é apoiar algumas medidas económicas do governo de direita.

Publicado por: Rafael Matos às novembro 10, 2004 10:47 AM

Uma adenda para evitar confusões. Quando fiz o comentário anterior não estava a pensar esquerda e direita em termos das grandes soluções económicas e sociais, mas em termos de frescura de ideias e abertura ao debate.

Publicado por: Rafael Matos às novembro 10, 2004 11:03 AM

Olha, olha: mas que honra, esta dada a alguém com tanto betão em redor do encéfalo...
Joana: não se estique com isso do "nós". Aqui, vejo-a a si e a uma corte de acólitos sem espírito crítico. Isso não faz um "nós". É mais uma Branca de Neve acompanhada por um coro de subservientes anões.
Mas tudo continua na mesma, por aqui. Quando afirma: "objectivamente, o BdE não encontrou nada de assustador no assassinato de um agente cultural" está, objectivamente, a esconder a verdade, a mentir. Não de propósito, creio eu, mas por preguiça de melhor procurar. É um pouco o que se passa com os seus posts: o caminho para o óbvio é sempre o mais fácil de trilhar e o que angaria mais devotados "compagnons de route"...
Quer provas da sua mentira? Aqui (http://bde.weblog.com.pt/arquivo/034527.html), pode ler a notícia de que fala. E neste post (http://bde.weblog.com.pt/arquivo/034653.html) poderá descobrir, se não der muito trabalho, um comentário mais extenso e indignado. Revelador é também o facto de me criticar a propósito de textos alheios, mas nem isso me surpreende por aí além.
Se quer mesmo desfazer a minha ideia de que a lepra mental grassa no seu pequeno domínio, pode tentar um pedido de desculpas. Mas não me parece que isso vá acontecer...

Publicado por: Luis Rainha às novembro 10, 2004 02:57 PM

Ja agora aproveito para quebrar a unanimidade subserviente e discordar da Joana:
Nao estou nada de acordo consigo na unica materia de que fala...

Publicado por: P Vieira às novembro 10, 2004 03:17 PM

Olha, olha! O Luis Rainha acha-me um "acólito" da Joana, "sem espírito crítico"! Fico mais descansado quanto ao futuro do país quando vejo um bloguista de esquerda (ou será "bloquista"?) com um poder de análise tão profundo...

(P.S. - Será que alguém que faz uma apreciação tão profunda se considera minimamente inteligente? Qual será o QI do Luizinho?)

Publicado por: Albatroz às novembro 10, 2004 03:25 PM

Sr. Ave Marinha,
Não o "acho", em particular, coisa alguma. Falo sim do ambiente geral que por aqui se vê: mais de côro do que de discussão.
Quanto ao meu, QI, não se atormente com coisas tão ínfimas...

Publicado por: Luis Rainha às novembro 10, 2004 04:04 PM

Mr. Queen,
Este blog é da Joana. A maioria das pessoas que aqui escreve aprecia os textos da Joana. O que não significa que se concorde sempre, ou sequer maioritariamente, com eles. Aqui não há coro, há diálogo civilizado. Mas reconheço que esta postura pode gerar problemas junto de quem está habituado a funcionar em climas mais ideológicos ou de "igreja". De qualquer forma julgo que todos apreciaríamos a leitura de reflexões de Luis Rainha neste espaço de liberdade, se Luis Rainha não se importasse de correr o risco de ser contradito.

Publicado por: Albatroz às novembro 10, 2004 04:49 PM

Eu com lepra? Eu, um anão? Quem é esse manda-chuva do Luis Rainha que me cataloga assim?

Publicado por: Bsotto às novembro 10, 2004 05:49 PM

Luis Rainha em novembro 10, 2004 04:04 PM:
E já agora, eu não faço parte do coro. E ainda menos do côro, que é palavra que não existe em português.
Aprenda a escrever e venha depois dar lições.

Publicado por: Bsotto às novembro 10, 2004 05:52 PM

Nós somos os anões e "o" Rainha é a Bruxa que interroga o espelho sobre se há mais bela ...

Publicado por: David às novembro 10, 2004 06:06 PM

Caramba! Não se ofendam assim tanto; estava a falar de forma metafórica. E, na verdade, desconfiava que grande parte dos panegíricos era composta pela autora do blogue...

Publicado por: Luis Rainha às novembro 10, 2004 07:05 PM

Mas, já agora, tenho ou não tenho razão, no que diz respeito ao essencial?
A vossa Joana, pura e simplesmente, omitiu a parte que lhe convinha da verdade, revelando um post sobre o ataque à mesquita e ignorando outros dois, sobre o cobarde assassinato do cineasta.
"Vale a pena ler, para ver onde pode chegar a perversidade do politicamente correcto." Pois. Mas mais valia ler as coisas por inteiro.

Publicado por: Luis Rainha às novembro 10, 2004 07:09 PM

Luis Rainha em novembro 10, 2004 07:09 PM:
Acho que você está enervado, apressado e precipitou-se. Eu trabalho, tenho a minha vida e giro sózinha este blog.
Portanto teria que esperar paciente, como bom menino, que eu chegasse a casa para abrir o PC e lhe responder.
Como a resposta foi comprida, resolvi dedicar-lhe um post. Veja como eu me desfaço em atenções para consigo!

Publicado por: Joana às novembro 10, 2004 07:40 PM

Esta caixa de comentários parece úma novela: mentiras, anões, virgens envenenadas por madrastas maldosas, aves marinhas e estilos de vida alternativos...

Publicado por: Anacleto às novembro 10, 2004 09:00 PM

Este Luis Rainha é bom tipo mas deve ser bronco. Meter-se com uma cabra reaças que é especialista em dar bailes aos outros.

Publicado por: Cisco Kid às novembro 11, 2004 12:55 AM

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