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julho 03, 2004

George Sand

Quando em 1832 vieram a lume 2 livros – Indiana e Valentine, da autoria de um tal George Sand, todos supuseram tratar-se de um homem maduro e experiente, profundo conhecedor dos costumes e hábitos da sociedade francesa, estigmatizando com amargura e veemência o universo fechado da célula matrimonial, a tirania dos maridos sobre as esposas frágeis e temerosas. O nome de George Sand passou para o topo das letras francesas.

A ninguém passou pela cabeça, excepto ao editor das suas obras e a alguns amigos, que se tratava de uma rapariguinha de 27 anos. Uma rapariga que havia nascido em Julho de 1804, algures entre o dia 1 e o dia 5 (*), faz agora 200 anos.

Para se identificar mais completamente com o seu pseudónimo masculino e também para poder entrar em locais onde as mulheres não eram admitidas e observar cenas e emoções, para as utilizar nos seus livros, George Sand trajava indumentárias masculinas, fumava cachimbo, cavalgava à homem (naquela época, e dada a indumentária utilizada, as mulheres sentavam-se de través no dorso do cavalo), etc.

Aliás, o seu pseudónimo derivou de Jules Sandeau, com quem tinha então uma ligação e cujo nome servia de «testa de ferro» aos artigos que sozinha, ou em colaboração com Sandeau, escrevia. Um artigo num jornal da autoria de uma mulher? Nem pensar! Um escritor de então, hoje merecidamente desconhecido, disse-lhe mesmo: «Je serai franc, une femme ne doit pas écrire… Croyez-moi, ne faites pas de livres, faites des enfants».

Assim, para se impor na literatura, com os temas ousados que abordava, Aurore Dupin Dudevant (Baronesa Dudevant pelo casamento, que mandou às urtigas antes de ir para Paris tentar a carreira literária) teve que se tornar George Sand, nome que definitivamente a consagrou, mesmo quando, poucos anos depois, se começou a divulgar que se tratava de uma mulher.

Uma mulher que constituía um escândalo público onde quer que fosse, mas que estava definitivamente consagrada como um dos primeiros prosadores franceses de então.

Uma mulher que viveu, do ponto de vista do relacionamento com o sexo oposto, com o comportamento de um homem, tendo diversas ligações ao longo da sua vida, algumas célebres como as que manteve com Alfred de Musset e com Frederic Chopin. Célebres não só pela reputação artística de ambos, como pelas peripécias, bastante picantes para a época, a que deram origem. Uma mulher que fascinava os homens pela sua reputação de mulher livre e ousada, mas que os intimidava por isso mesmo.

Uma mulher que constitui uma das minhas heroínas preferidas, da história e da literatura, apesar dos seus livros, muito datados, terem perdido muito da aceitação inicial. Os seus romances são hoje de leitura difícil. A extensão da sua obra é notável: produziu 63 romances, 18 peças de teatro, 10 ensaios literários e filosóficos, sem falar da sua actividade jornalística para a Revue des Deux Mondes (a mais importante revista francesa do século XIX e onde muitos dos seus escritos da última fase da sua vida apareceram sob a forma de folhetim), Le Figaro, La Revue de Paris, etc. A sua correspondência compreende 27 volumes! Escreveu Colette : "Comment diable s'arrangeait George Sand ? Cette robuste ouvrière des lettres trouvait moyen de finir un roman, d'en commencer un autre dans la même heure. Elle n'en perdait ni un amant, ni une bouffée de narghilé, sans préjudice d'une Histoire de ma vie en vingt volumes, et j'en tombe d'étonnement". Isto para não falar dos seus dois filhos que, após a separação conjugal, ficaram sob sua custódia.

A revolução de 1848 trouxe-a para a ribalta política. Ela alia-se a Ledru-Rollin, Louis Blanc, Arago e outros republicanos de esquerda. Victor Hugo escreveu então que a revolução tinha virado o mundo às avessas e arrastado para a arena política dois dos mais famosos escritores da época: ”uma mulher chamada Lamartine e um homem chamado George Sand”. Era uma boutade contrapondo a forte personalidade de George Sand à personalidade errática de Lamartine.

O fracasso da ala esquerda dos republicanos e depois da própria república levou-a ao abandono da actividade política. Teve alguns encontros com Luís Napoleão (o futuro Napoleão III) para tentar salvar alguns dos seus amigos da prisão ou do desterro. O seu distanciamento dos corifeus da esquerda republicana e os seus contactos com Napoleão III, de quem aliás obteve alguns perdões, desacreditaram-na perante os republicanos que lhe moveram uma campanha de calúnias e maledicência. Mal vista pela direita, pela sua personalidade e pelas suas opiniões políticas, e pela esquerda, por se ter distanciado de posições que ela considerava sem consistência, George Sand foi penalizada pela sua independência e pelo seu hábito inveterado de pensar pela própria cabeça.

Em 1863 o Santo Ofício punha no Índex o conjunto da sua obra. Em face do seu conteúdo custa perceber porquê. Estou convencida que se tivesse sido escrita por um homem não teria sido objecto daquela censura. Mas a obra de George Sand foi posta no Índex justamente por ter sido escrita por uma mulher. Mais ousada que a obra foi ter sido uma mulher a escrevê-la.

Morre em 1876 em Nohant, onde passara a infância e onde passou a viver após o fracasso da república. Nohant, que fora sempre o seu local de refúgio e onde compôs a maior parte da sua obra. Não apenas ela, mas também Chopin, Delacroix, etc..

GSand_delacroix.jpg

George Sand, por Delacroix

(*)Lucile-Amandine-Aurore Dupin nasceu, segundo ela, em 5 de Julho: « Le 5 juillet 1804, je vins au monde, mon père jouant du violon et ma mère ayant une jolie robe rose. Ce fut l'affaire d'un instant.». A investigação documental afirma que a data precisa foi 1 de Julho. Foi uma época de transição entre o calendário republicano e o nosso calendário tradicional que Napoleão acabara de restabelecer. A imprecisão da data é atribuída a essa transição. A homenagem nacional que lhe foi prestada em França realizou-se a 3 de Julho, a meio caminho entre aquelas duas datas ...

Publicado por Joana às julho 3, 2004 08:46 PM

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Comentários

d'Aurore Dupin à George Sand ... (finalememt peut etre une explication réele au Blog de Joana...)

Aurore Dupin, née le 1er juillet 1804, était la fille d'un officier de l'armée impériale, mort en 1808.

Recueillie par sa grand-mère, elle passe son enfance à Nohant (Indre), à l'exception d'un séjour en pension à Paris de 1818 à 1820.

Elle épouse le Baron Dudevant en 1822, mais le quitte bientôt, et s'installe à Paris avec son fils Maurice et sa fille Solange en 1831.

Elle rencontre Jules Sandeau, avec qui elle écrit son premier ouvrage "Rose et Blanche"

Ses romans suivants seront signés de son seul pseudonyme, et recueilleront une critique très favorable : "Indiana", "Valentine" (1832), "Lélia" (1833). Elle y défend la femme face à une société opprimante, plaide pour le droit à la passion plutôt que pour le mariage.

En 1834, liaison mouvementée avec Alfred de Musset, avec qui elle part pour Venise, où elle le quitte pour le Docteur Pagello. Elle racontera cet épisode dans "Elle et Lui".

Autre voyage célèbre : aux Baléares avec Frédéric Chopin, avec qui elle vivra un peu moins d'une dizaine d'années.

Entre-temps, elle fait paraître, entre autres, "Mauprat" (1837), "Horace" (1841), "Consuelo" (1842), "La mare au diable" (1846), collabore à "La revue des deux mondes", se lie avec des démocrates et utopistes comme Barbès, Arago, Louis Blanc ou Bakounine et, fortement influencée par l'oeuvre de Rousseau, se fait l'apôtre de la pensée de Lamennais.

En 1848 elle salue la chute de Louis-Philippe, fonde un journal, écrit des "Lettres au peuple", conseille Ledru-Rollin, mais donne sa "démission politique" après les Journées de juin.

Elle devient alors "la bonne dame de Nohant", amie de Flaubert, de Sainte-Beuve, de Michelet, de Théophile Gautier. Elle rédige jusqu'à sa mort de nombreuses pièces de théâtre et romans ("La petite Fadette " - 1849, "Le marquis de Villemer" - 1861), ainsi qu'une "Histoire de ma vie" en 1854.

C'est pour elle que Flaubert écrira "Un coeur simple", mais elle mourra avant qu'il soit achevé.

Publicado por: Ch'ti às julho 7, 2004 01:47 PM

Esta gaja só elogia o pessoal de esquerda que está nos cemitérios

Publicado por: Cisco Kid às julho 7, 2004 02:42 PM

Esta gaja só elogia o pessoal de esquerda que está nos cemitérios

Publicado por: Cisco Kid às julho 7, 2004 02:42 PM

És tótó, mas às vezes tens piada, ó Cisco

Publicado por: Rui Silva às julho 8, 2004 02:11 PM

Uma coisa que aprecio no seu blog é a diversidade e a vertente cultural.

Publicado por: Pimentel às julho 13, 2004 12:32 AM

Apparemment il n’y a pas grand monde intéressé par George Sand… dés que l’on aborde des thèmes comme le chômage ou le foot, il y a du monde, mais quand il s’agit de parler de culture, c est autre chose – surtout quand on parle de culture étrangère…
Mais bon, grand merci pour ce post…

Publicado por: Ch'ti às julho 14, 2004 10:48 PM

Estudo biográfico muito interessante

Publicado por: Lopes às agosto 6, 2004 11:23 AM

A história de George Sand é maravilhosa, gostei muito desse site pois conta a história totalmente detalhada é fantástico se puder compreender minha lingua me responda Se Vous Plait? Merci! Aurevoir!

Publicado por: Silvia Caroline às janeiro 29, 2005 03:54 AM

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