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junho 01, 2004

É Bom Trabalhar nas Obras

Passeando-me outro dia pela Feira do Livro dei com o pavilhão da “Oficina do Livro” que ostentava, em tudo que era sítio, uma frase cheia de intenções sublimes:

«É Bom Trabalhar nas Obras»

É comovente a nostalgia que os intelectuais têm pelo trabalho manual. Não qualquer trabalho. Tem que ser um trabalho duro, árduo, que implique sofrimento, suor, músculos entumecidos, físico extremado, exaurido; o ferro malhando na bigorna, a picareta faiscando na pedreira; sol inclemente, abrasador; as trevas gélidas do fundo da mina; bíceps magníficos, feições duras, angulosas, determinadas; mais suor ... muito suor ... e os bíceps ... ah! Aqueles bíceps!

Neste imaginário obreirista não colhe qualquer trabalho manual. Empregado(a) de balcão ou de mesa não têm estatuto. Afixar «É Bom Servir à Mesa» seria despiciente. Servir à mesa? Bah! Afixar «É Bom Estar Atrás de um Balcão »? Pior! Poderia ser tomado como um insulto para as enfadadas funcionárias que estavam dentro do pavilhão ... atrás do balcão. Algo como o «Arbeit Macht Frei» que encimava os portões que acolhiam os “clientes” de Auschwitz.

Afixar «É Bom Estar no Fundo da Mina» resultaria incompreensível. As poucas que ainda existem, no nosso país, estão à beira da exaustão. Restam as obras. Pois que o nosso ícone seja «Trabalhar nas Obras»!

Portanto os nossos intelectuais idealizam aquilo que os nossos não-intelectuais abominam: Trabalhar nas obras. Recrutamos ucranianos para trabalharem nas obras, quando afinal existem tantos intelectuais nostálgicos, aspirando por empunharem a picareta, acarretarem baldes de massa, empilharem tijolos, empoleirarem-se nos andaimes ... o Nirvana!

Antero de Quental, influenciado pelo “obreirismo” de Proudhon e à imagem deste, partiu para Paris para exercer a profissão de tipógrafo. Como bom diletante intelectual português, não lhe servia uma tipografia na Coimbra onde estudara, nem na Lisboa queirosiana. Além do que os tipógrafos portugueses eram-lhe conhecidos ... gente inculta, analfabeta, que não compreendia a elevação dos seus pensamentos. Paris sempre é Paris!

Antero deu-se mal com a experiência: os tipógrafos reais, mesmo os parisienses, não eram os mesmos dos ícones obreiristas e anarquistas dos livros que lia e que escrevia, mas era o Antero, oriundo de uma família burguesa, licenciado em Coimbra, enfim, tudo o que há de mais inadequado para tal experiência.

Os intelectuais da “Oficina do Livro” serão, provavelmente, mais bem sucedidos.

Mas, se falharem nas obras, poderão sempre encetar uma carreira mais próxima do ideal e da ambição do intelectual contemporâneo 3º-mundista: ir mondar arroz para o Bangla-Desh; ir, no âmbito de uma ONG, para Fallujah ou para a Faixa de Gaza ... ou talvez descarregar sacos de farinha na Africa Central; etc., etc..

Publicado por Joana às junho 1, 2004 07:05 PM

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Comentários

Irra....Abraço, WB

Publicado por: whiteball às junho 1, 2004 07:52 PM

Aqueles bíceps! Não há aí também qualquer desejo reprimido?
Confesse.

Publicado por: Romeu às junho 1, 2004 08:04 PM

Faltou terminar escrevendo que esses intelectuais são "Guterristas ou Bloquistas" ...
ou Vasco Graça Moura gosta de trabalhar nas obras?

Publicado por: zippiz às junho 1, 2004 11:26 PM

São os da Oficina do Livro, claro, e todos os outros, muitos ..., a quem servir a carapuça.

Publicado por: Joana às junho 1, 2004 11:36 PM

«É Bom Trabalhar nas Obras»

Joana ,
vc deu-se ao trabalho de questionar "os nossos intelectuais" a que OBRAS se estão/estavam a referir ?

Publicado por: zippiz às junho 1, 2004 11:44 PM

Ser mineiro de fundo é mais chique

Publicado por: Dominó às junho 2, 2004 10:28 AM

Não há dúvida que esse dístico, que eu também reparei, mostra essa tal nostalgia do operariado.
Tá bem observado

Publicado por: riuse às junho 2, 2004 10:52 AM

Bem visto e bem escrito

Publicado por: Diana às junho 2, 2004 01:00 PM

O teu blog está simplesmente magnifico! Continua a opinar e a criticar, para o bem da blogosfera :) Se quiseres ver umas primas, aparece no Blog da tua prima.

Publicado por: primo às junho 2, 2004 04:49 PM

Estah giro, Joana.

Publicado por: Filipa Zeitzler às junho 2, 2004 07:14 PM

Há um certo erotismo nesse «ícone»!

Publicado por: Sa Chico às junho 2, 2004 10:36 PM

Trabalho manual?
Bem, mas uma Obra de Verdi também é trabalho manual, não é verdade?
E a ponte Vasco da Gama também é trabalho intelectual, não é verdade?
A questão é que, em Portugal, desde a época dos Descobrimentos e a riqueza fácil obtida, há um enorme horror e desprezo pelo trabalho manual.
"O trabalho é bom para o preto" e "trabalhar como um mouro" são expressões dessa época que ainda perduram.
Outros países tiraram proveito dessa nossa atitude e seguiram outra ética que os fez desenvolver, valorizando e harmonizando o trabalho manual e intelectual.
E hoje aí os temos, com a ciência e a tecnologia pujantes, e nós cantando o fado.

Publicado por: Senaqueribe às junho 3, 2004 11:31 AM

Muito giro este texto.

Publicado por: Romeiro às junho 4, 2004 02:39 PM

Eles deviam ir mesmo prás obras para perderem daí o sentido

Publicado por: Nocturno às junho 5, 2004 02:00 AM

Vasco Pulido Valente escreveu hoje no DN: Na estrada, na praia ou num estádio qualquer quase ninguém irá pensar em eleições. De resto, as patéticas personagens que por aí andam em «campanha» (dizem elas) foram universalmente ignoradas. Daqui decorre que os resultados do dia 13, com uma abstenção esperada de 70 por cento e sobre uma matéria, a «Europa», que o País não entende, deviam ser em princípio irrelevantes, se existisse algum senso comum e sensatez.

Depois de ler e meditar nestes pensamentos, decidi-me: vou para férias.
Só volto 2ª à noite. Se tiver oportunidade e pachorra, passarei por aqui durante a próxima semana, pois levamos um portátil com GSM. Se não, até para a outra semana!

Em todo o caso, este “sítio” continua aberto a quem quiser dizer de sua (in)justiça.

Publicado por: Joana - Férias às junho 5, 2004 11:36 AM

Então, foi trabalhar para as obrsa?

Publicado por: z às junho 10, 2004 03:01 PM

Então, foi trabalhar para as obrsa?

Publicado por: z às junho 10, 2004 03:02 PM

Então, foi trabalhar para as obrsa?

Publicado por: z às junho 10, 2004 03:02 PM

Então, foi trabalhar para as obrsa?

Publicado por: z às junho 10, 2004 03:02 PM

.

Publicado por: virtual às fevereiro 20, 2005 07:07 PM

m***

Publicado por: Absnt às fevereiro 27, 2005 12:59 PM

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