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maio 31, 2004
Fouché Monárquico
Uma das primeiras medidas de Napoleão, após o seu regresso da ilha de Elba, foi nomear Fouché, pela terceira vez, ministro da polícia. Não seria isto que Fouché quereria, mas Napoleão tinha receio em dar mais. Também não seria esta decisão aquela que Napoleão mais desejaria tomar, mas todos os seus fiéis foram unânimes em aconselhar o regresso de Fouché. Para mais, Napoleão estava fragilizado. Já não era mais que um condottiero militar.
Por outro lado Napoleão era obrigado a reconhecer que todas as previsões de Fouché se tinham realizado: o casamento austríaco, que havia combatido (Fouché havia sugerido que Napoleão se casasse com uma princesa russa), tinha levado à ruptura com a Rússia, sem impedir Metternich de organizar a coligação de 1813 que conduzira à capitulação de Paris; a campanha da Rússia, fortemente desaconselhada por Fouché, tinha sido uma catástrofe; a polícia, retirada da direcção de Fouché, tinha-se desorganizado em pouco tempo; etc., etc..
Napoleão aprestava-se para seguir os conselhos que Fouché lhe havia dado nos anos anteriores. Infelizmente para Napoleão o que importava era os conselhos que eram dados agora: uma tripla política de simpatia pela Revolução, concessões ao liberalismo e moderação para com os monárquicos, ou seja, a pacificação da sociedade francesa. E estes conselhos, Napoleão não estava disposto a seguir.
Quando tomou posse do lugar, Fouché teria tido uma longa conversa com um amigo de longa data, Gaillard, entretanto tornado monárquico, que estava desolado com o seu comprometimento com o império. Fouché confidenciou-lhe que sabia que Napoleão o odiava, que este havia voltado ainda mais déspota, não respirando senão ódio e vingança, mas que lhe parecia útil estar perto deste «louco furioso» para o moderar, ou mesmo para abater o seu poder. Teria então dito a Gaillard: «O meu primeiro dever é contrariar todos os projectos do imperador. Antes de 3 meses serei mais poderoso que ele e se ele não me mandar matar, estará a meus pés». Falhou por 10 dias!
Luís XVIII, os republicanos, os monárquicos, os ingleses, Viena e o seu Congresso, todos vêem então em Fouché o único homem com quem se pode negociar preferem a sua razão fria e calculista ao génio insensato do Imperador.
Quando a Vendeia se revolta, Fouché acaba com a revolta com uma mensagem que envia aos generais monárquicos: «Dentro de alguns meses o Imperador terá triunfado ou terá perdido. Para quê então combater por algo que se pode, provavelmente, obter sem luta? Deponde as armas e esperai». Escreveu Lamartine sobre a actuação de Fouché durante os 100 dias «Fouché intimida o imperador, lisonjeia os republicanos, tranquiliza a França, faz um sinal à Europa, sorri a Luís XVIII, corresponde-se com o senhor de Talleyrand (que estava então em Viena, no Congresso) e tem todos suspensos da sua atitude ... A História, condenando Fouché, não poderá recusar-lhe, durante o período dos cem dias, uma ousadia de atitude, uma superioridade no manejo dos partidos e uma grandeza na intriga que o colocará na primeira fila dos verdadeiros homens de Estado do século, se pudesse haver verdadeiros homens de Estado sem dignidade de carácter e sem virtude».
Napoleão, que tinha uma polícia secreta exclusiva para vigiar o seu ministro da polícia, descobre a existência de uma carta secreta enviada por Metternich e decidiu confrontar Fouché com a sua traição. Mas a rede de informadores de Fouché estava mais bem montada e Fouché foi informado da descoberta. No fim do despacho quotidiano com o imperador, Fouché, com a indiferença de quem se esquece de uma bagatela sem importância, revela: «Ah! Já me esquecia de lhe dizer que recebi um bilhete do sr. de Metternich. Tenho tantas coisas importantes que me preocupam! Depois, o seu enviado não me deu o pó para tornar a tinta visível e eu creio que se trata de uma mistificação. Enfim, hei-de trazer-lhe». Napoleão tremeu de raiva, mas conservou o ministro. Afinal, Napoleão, bastante fragilizado, precisava mais de Fouché que o contrário.
Pode parecer estranho que um déspota como Napoleão se fragilize assim perante o réprobo Fouché. Quando disseram a Napoleão que Luís XVIII estava a constituir um ministério em Gand, no exílio, e citavam os nomes dos ministros, alguém perguntou «e na pasta da polícia?». Napoleão chacoteou: «M. Fouché, sans doute!». Troça-se quando não se tem força para mais. A relação de Napoleão com Fouché, durante os 100 dias, é uma mistura de ódio e de impotência.
Quando Napoleão regressa, derrotado, de Waterloo, é Fouché quem comanda as operações: é ele que impede a dissolução da Câmara dos Deputados; é ele que força a abdicação de Napoleão; é ele que se instala na presidência do governo provisório, burlando Carnot; é ele que negoceia secretamente com Luís XVIII e consegue, contra a resistência do Conselho, da Câmara e do Senado, que aquele regresse ao trono.
Cometeu então um erro: vendeu o poder a Luís XVIII em troca de um lugar no ministério. Teria sido preferível fazer outra travessia do deserto, esperando por uma nova conjuntura política. Fouché esqueceu-se que a médio prazo não haveria ambiente para ele na corte de Luís XVIII. Havia sido um regicida. A filha de Luís XVI, Duquesa de Angoulême, que também tinha estado prisioneira no Templo, tinha asco ao velho político. Toda a corte o olhava como um réprobo.
É certo que os começos foram auspiciosos: Luís XVIII recebe o assassino do seu irmão, na sala de audiências, onde Fouché, várias vezes perjuro, lhe presta juramento de fidelidade. É Talleyrand quem o conduz apoiando-se no seu ombro (Talleyrand era coxo). Chateaubriand comenta com ironia: «é o vício apoiado no crime». Um mês depois, Luís XVIII e toda a corte apadrinham o casamento de Fouché (que havia enviuvado em 1812) com uma jovem da alta aristocracia.
Todavia, as eleições de Agosto de 1815 deram uma maioria esmagadora à extrema direita (350 ultra-realistas em 400 eleitos). Foi a «Chambre Introuvable», designada assim porque seria impossível encontrar uma assembleia tão à direita como esta. Esta Câmara era demasiado violenta no seu ódio e no seu fanatismo para tolerar ministros como Fouché ou Talleyrand. Talleyrand, para conservar o cargo, tirou o tapete debaixo dos pés de Fouché. Menos de seis meses decorridos da restauração da monarquia, Fouché é despedido e depois exilado, para nunca mais regressar a França. Talleyrand não ganhou muito com o negócio pois foi forçado a resignar dias depois.
Apenas a Áustria o aceita, desde que longe de Viena. Viveu sucessivamente em Praga, em Linz e em Trieste, onde morreu em 26 de Dezembro de 1820. No dia anterior à morte chamou o filho e encarregou-o de queimar todos os seus papéis. A História vinga-se, cruelmente, das figuras que apenas agem em função do momento que passa enterra-os em vida. Fouché, esquecido, completou essa vingança queimou a sua história.
As memórias que, anos mais tarde, em 1824, foram publicadas como sendo suas, merecem menos confiança que o próprio Fouché.
Bibliografia:
Louis Madelin Fouché 2 volumes Paris 1901
Mémoires de Joseph Fouché, duc d'Otrante, Paris 1824
Actes du Comité de salut public avec la correspondance des représentants en mission, 20 vols, Paris 1889
Publicado por Joana às maio 31, 2004 10:12 AM
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Comentários
Uff!
Vou descansar!
Publicado por: Joana às maio 31, 2004 10:24 AM
Volto a perguntar, Joana, para quando o "Regresso de Fouché"?
Publicado por: riuse às maio 31, 2004 10:25 AM
riuse: tenho que procurar outro realizador, pois este ficou esgotado!
Publicado por: Joana às maio 31, 2004 10:30 AM
Tou esmagado. Vou fazer d/l disto tudo e levar para férias!
Ou pró inverno
Publicado por: Roberto às maio 31, 2004 01:04 PM
Que tal o fim de semana, Joana?
Publicado por: David às maio 31, 2004 02:09 PM
Conclusão:
Fouchés há muitos...
Publicado por: Senaqueribe às maio 31, 2004 03:37 PM
Estes estudos biográficos, que me parecem excelentes, contrariam um pouco a ideia que eu tinha.
Apesar do que a Joana diz de Fouché, Napoleão é pintado aqui com cores muito piores que as de Fouché.
Será mesmo assim?
Publicado por: Rui Pereira às maio 31, 2004 04:28 PM
Achei interessante este seu "folhetim" sobre o Fouché, que só é (mal) conhecido das americanadas de Hollywood.
Pelo que tenho lido de si julgo que deve estar bem fundamentado.
Parabéns
Publicado por: Vitapis às maio 31, 2004 11:24 PM
Joana, a menina realmente não deve ter mais nada que fazer. Para mulher deve ser uma grande seca aturá-la.
Publicado por: Jackelyn às junho 1, 2004 09:36 AM
o que a joana faz para esconder as misérias da coligação....devem pagar-lhe bem.
trabalho não lhe vai faltar. amanhã não perca a ascensão e a queda de von trausen, o Bávaro.
Publicado por: dionisius às junho 1, 2004 10:50 AM
O Fouché não é a eminência parda da coligação?
Publicado por: Bonny às junho 1, 2004 12:14 PM
Blog variado e interessante. Parabéns
Publicado por: jfpereira às junho 1, 2004 05:00 PM
Tenho sido uma leitora assidua, mas calada.
Mas interrompo o meu silencio para a felicitar por esta biografia deste personagem de quem se diz tao mal, mas de quem se sabe tao pouco,
Publicado por: Filipa Zeitzler às junho 1, 2004 05:41 PM
Vasco Pulido Valente escreveu hoje no DN: Na estrada, na praia ou num estádio qualquer quase ninguém irá pensar em eleições. De resto, as patéticas personagens que por aí andam em «campanha» (dizem elas) foram universalmente ignoradas. Daqui decorre que os resultados do dia 13, com uma abstenção esperada de 70 por cento e sobre uma matéria, a «Europa», que o País não entende, deviam ser em princípio irrelevantes, se existisse algum senso comum e sensatez.
Depois de ler e meditar nestes pensamentos, decidi-me: vou para férias.
Só volto 2ª à noite. Se tiver oportunidade e pachorra, passarei por aqui durante a próxima semana, pois levamos um portátil com GSM. Se não, até para a outra semana!
Em todo o caso, este sítio continua aberto a quem quiser dizer de sua (in)justiça.
Publicado por: Joana - Férias às junho 5, 2004 11:36 AM
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Publicado por: Whe às fevereiro 20, 2005 09:25 PM
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Publicado por: Whe às fevereiro 20, 2005 09:25 PM
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Publicado por: Whe às fevereiro 20, 2005 09:26 PM
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Publicado por: Chips às fevereiro 20, 2005 09:26 PM