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junho 17, 2004
As Bandeiras, o Génio e a Insuportável Deselegância dos Nativos
Portugal encheu-se de bandeiras. Flutuando nas fachadas dos edifícios, esvoaçando das janelas ou das antenas dos automóveis, afixadas nas boleias dos camiões, hasteadas nos quintais das moradias, dependuradas nos estendais da roupa, coladas nas montras das lojas, pintadas nas caras dos adeptos, etc., etc. Segundo parece, foi a resposta do país ao apelo feito pelo brasileiro que treina a selecção nacional.
Um sociólogo da nossa praça, Carlos Fortuna, que foi já presidente da Associação Portuguesa de Sociologia, apostrofou imediatamente, e os meios de comunicação deram a evidência que a qualidade do personagem e a importância das afirmações merecia, que esta onda de bandeiras nacionais, compradas a preço de saldo no hipermercado ou distribuídas com a aquisição de jornais da especialidade (da bola...) não passava de "um nacionalismo barato, imediatista e pouco consistente". "Este nacionalismo a propósito do futebol é pouco e a bandeira custa um euro. A verdade sociológica mais profunda é que este é um nacionalismo barato"
É usual entre os americanos hastearem a bandeira nos pátios das suas residências, engalanarem as janelas das suas casas, ou dos locais onde trabalham em todas as ocasiões festivas, e agitarem freneticamente bandeirinhas, nas bermas das estradas enquanto passam comitivas que querem saudar. Mas os americanos são um povo do novo mundo, que descende de gente que fugiu da Europa por não suportar o lastro do nosso elevado índice civilizacional. E Carlos Fortuna é peremptório: tal não passa de «nacionalismo barato», e Carlos Fortuna é um douto professor universitário de sociologia.
Os noruegueses quando chegam às suas casa de campo, ou melhor, de neve, a primeira coisa que fazem, depois de retirar a neve que se amontoou à porta de casa, é hastearem a sua bandeira nacional. Quem percorre as estradas alcantiladas nas encostas norueguesas apenas vê os carros, os pequenos troços limpos para permitirem o estacionamento, as bandeiras e os noruegueses estiraçados em peles, julgo que de borrego, deleitando-se ao sol primaveril. O resto é apenas a alvura da neve e do gelo. Mas trata-se, indubitavelmente, de indivíduos transviados pelas baixas temperaturas que lhes congelaram os cérebros e obstruem a fluidez dos processos cognitivos, pois o eminente sociólogo Carlos Fortuna é definitivo: tal não passa de "um nacionalismo imediatista e pouco consistente", e Carlos Fortuna é um ex- presidente da Associação Portuguesa de Sociologia.
Na passada 2ª feira percorri, ao princípio da tarde, a Rua Augusta. Do Terreiro do Paço até à Praça a Figueira e Restauradores viam-se milhares de suecos de todas as idades e géneros, todos trajando as camisolas da sua equipa nacional e usando a sua bandeira nacional por tudo quanto era sítio, incluindo as pinturas nos óculos. Milhares de suecos, e alguma centenas de búlgaros e de outras nacionalidades, todos embandeirados e repletos das insígnias e símbolos nacionais. É claro que aqueles milhares de banalizadores das respectivos símbolos nacionais não passavam de uma turbamulta alcoolizada pelo excesso de cerveja e com as meninges entorpecidas e desnorteadas pelo sol inclemente, pois o prestigiante sociólogo Carlos Fortuna é liminar: tal não passa de "um nacionalismo infantil e artificial", e Carlos Fortuna é um docente da Sociologia Coimbrã.
Os nossos doutos, eminentes e auto-prestigiantes intelectuais humanistas sempre foram unânimes, desde que se atribuíram a si próprios a exaltante missão de fazedores de opinião pública, em considerarem cavernícola, obscena e ainda pior, reaccionária, qualquer exibição, mesmo envergonhada, dos símbolos ou insígnias nacionais.
Agora foram apanhados de surpresa. Um estrangeiro a apelar à exibição dos símbolos nacionais!? Ainda se fosse o satânico Portas! Ah! ... esse era imediatamente grelhado nos micro-ondas dos mídia. Sempre que se abrisse um jornal ouvir-se-iam as risadas chasqueantes a surdirem das dobras das folhas. Mas um estrangeiro ... Zombar de estrangeiros por fazerem apelos à exibição dos símbolos nacionais seria de uma enorme inconveniência ... seria mostrar a nudez tacanha da verdade sem o manto diáfano da auto-glorificação.
Já que estrangeiros estão imunes a estas críticas, resta desfazer nos nativos:
Assim, trata-se de um nacionalismo barato pois as bandeiras foram compradas a preços de saldo em hipermercados. Os nativos deram evidentes provas de falta de elegância. Deveriam tê-las adquirido na Loja das Meias ou no Londres Salão em vez de se aviltarem pelos hipermercados ou pelas lojas dos 300. Não havia necessidade disso ... Alguns levaram mesmo a falta de decoro ao ponto de as obterem a custo zero, em promoções.
Também é um óbvio nacionalismo imediatista, porque os nativos mostraram pouco discernimento e muita precipitação na escolha. Não ligaram a marcas, não apalparam o tecido para avaliarem se era fino e macio ... Nada ... entraram e serviram-se.
E toda esta deselegância, precipitação e falta de charme denota a inconsistência dos nativos. Portanto, para qualquer sociólogo, humanista e intelectual, desde que patenteadamente português, impõe-se a conclusão lógica e inexorável: para além de barato e imediatista, este nacionalismo também é inconsistente.
E não se discute porque, para aquela excelência sociológica coimbrã, as afirmações que produziu representam a «verdade sociológica mais profunda».
Carlos Fortuna, de todos os disparates que disseste só estamos de acordo, tu e eu, numa única coisa: és um génio!
Publicado por Joana às junho 17, 2004 10:53 PM
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Comentários
Admira-me um sociólogo não entender o fenómeno futebolistico , apesar dos digirentes que temos e do apelo ter sido feito por uma personagem brasileira , segundo as más línguas apreciador de Pinochet...
Publicado por: zippiz às junho 17, 2004 11:19 PM
Eu também não percebo nada de futebol.
Mas os dislates do nosso sociólogo transcendem em muito o campo futebolístico.
Publicado por: Joana às junho 18, 2004 12:05 AM
Estas atoardas de Carlos Fortuna mais não são do que um pequeníssimo exemplo da imbecilidade em que se encontra a Sociologia em Portugal.
É raro ver um sociólogo intervir, nessa qualidade, isto é, como homem de ciência, sem que todo o seu discurso esteja pejado de influências político-ideológicas.
Enquanto aluno de Sociologia (licenciatura e mestrado) tive de aguentar verdadeiras aulas de formação ideológica, que nada tinham de científico. Em algumas cadeiras os respectivos docentes não deram rigorosamente nenhuma matéria científica. Só conversa ideológica.
Enfim, este tipo de Sociologia é das piores coisinhas que se pratica em Portugal. Não será por acaso, aliás, que Boaventura de Sousa Santos tenha sido tão profunda e radicalmente criticado por António Manuel Baptista em "O Discurso Pós-Moderno contra a Ciência - Obscuridade e Irresponsabilidade" e "Crítica da Razão Ausente" e a comunidade científica nacional, da área das ciências sociais, não discutiu essas críticas, não debate as matérias em confronto e continua a divulgar nas academias obras de BSS, como "Um Discurso sobre as Ciências" e outras, como se nada de tivesse passado.
A comunidade sociológica portuguesa é simplesmente autista. E duvido que a maior parte deles tenham a mínima noção do que é ou deve ser o exercício da Ciência.
Em Portugal, sociologia escreve-se com "s".
Publicado por: Paulo Pedroso às junho 18, 2004 12:06 AM
Paulo Pedros, vou-lhe contar uma história:
Um amigo do meu pai, colega de lutas estudantis, embora de áreas diferentes (o meu pai é engenheiro e esse nosso amigo formou-se numa área de ciências humanas) acabou o curso e foi fazer a tese de licenciatura (naquele tempo era obrigatória tese de licenciatura) para o estrangeiro.
Esse nosso amigo é dotado de grande capacidade oratória (aliás, ele foi deputado julgo que 15 anos e foi uma vez secretário de Estado) e era, ao que contam, um aluno brilhante na nossa universidade.
Foi para França para preparar a tese orientado por um dos nomes sonantes da filosofia francesa. Ao fim de poucas semanas foi interpelado pela sua pouca ou nula habilitação nos procedimentos da investigação. Ficou envergonhadíssimo.
Mas esse é um tipo honesto, teve vergonha das suas insuficiências e, inclusivamente, contou a história aos meus pais, o que prova que tomou consciência da justeza da crítica e a aceitou.
Isto passou-se algures, no fim da década de 60. Como vê, em Portugal estes vícios vêm de longe.
Quanto mais um curso se afasta do técnico puro (alguns ramos de engenharia e medicina) e caminha para o "humanismo puro", como as áreas sociológicas, mais facilmente a aldrabice impera, pois é mais difícil encontrar critérios que a invalidem.
Publicado por: Joana às junho 18, 2004 12:27 AM
zippiz
a ideia foi dada na homilia dominical do prof. martelo e como isto é um país de católicos pegou logo de estaca. no essencial o sociólogo tem razão: é um nacionalismo barato (e não o é pelo preço das bandeiras)e bacoco . dura enquanto durar a presença da nossa selecção.quero ver quantas bandeiras há penduradas na 2ª feira se formos eliminados pelos espanhóis.
Publicado por: distraído às junho 18, 2004 09:59 AM
Tá genial, Joana!
Publicado por: David às junho 18, 2004 02:00 PM
Acertou em cheio, mesmo na mouche.
Publicado por: David às junho 18, 2004 02:02 PM
Esta onda de nacionalismo, barato ou bacoco, é a prova da crise existêncial em que Portugal está a mergulhar! na 2ªfeira, caso Portugal seja derrotado, temos a depressão colectiva á porta!
Publicado por: Micas às junho 18, 2004 02:25 PM
Carlos Fortuna? Mas quem é que conhecia este abencerragem?
Será que, àquilo que ele designa por nacionalismo barato, contrapõe um nacionalismo faustoso, cheio de pompa e circunstância?
E já agora, que estamos a assistir às pressões do presidente francês e do chanceler alemão para que seja aprovada a constituição europeia, (alguém sabe o que isso é, e quais as suas consequências?), convém lembrar que a nossa bandeira contem em si mesma as referências que caracterizam os estados europeus. Exactamente as mesmas referências que os iluminados politicos europeus não querem ver consagradas no preâmbulo da constituição.
Esperem pela pancada. Quando a famigerada constituição for referendada, vão ter uma enorme surpresa.
Publicado por: Luís Monteiro às junho 18, 2004 03:48 PM
Tenho observado as assistências ao Euro2004 e você está cheia de razão.
Há entre nós gente que é uma vergonha e tem a mania que sabe tudo e que os outros andam às suas ordens.
Publicado por: Nunes às junho 19, 2004 10:45 AM
Muito Bom
Publicado por: Benquisto às junho 19, 2004 04:13 PM
Você tem mesmo piada!
Publicado por: Sargão às junho 20, 2004 01:53 AM
A maior parte das bandeiras em vez de castelos tem fogareiros!!
Publicado por: Humberto às junho 20, 2004 12:47 PM
Ninguém ensinou o pessoal sobre os castelos, portanto énatural que se enganem
Publicado por: Arroyo às junho 21, 2004 01:49 PM
30 anos de ensino anti-patrótico dá nisto
Publicado por: Arroyo às junho 21, 2004 01:50 PM
Queria dizer 30 anos de ensino anti-patriótico dá nisto
Publicado por: Arroyo às junho 21, 2004 01:51 PM
De facto, é lamentável que um sociólogo venha verberar a única função que a bandeira nacional tem: mostrar o orgulho que o povo português tem pelas suas aptidões futebolísticas.
Se Portugal não pode mostrar mais nada ao resto do mundo, ao menos que os portugueses mostrem a bandeira, pois que o respectivo escudo até parece uma bola de futebol.
Mesmo se os castelos pareçam fogareiros ou pagodes chineses...
Publicado por: Senaqueribe às junho 21, 2004 02:20 PM
É extraordinária a incapacidade crónica de "avaliação" das massas, dos intelectuais de esquerda. São raras as afirmações de "conteúdo" inteligente, quando se trata das suas "pretensas" afirmações profundas deste fenómeno. Para os ditos "intelectuais" o "povo" é uma figura grata "ideologicamente", mas "aflitiva" no concreto.
Publicado por: NBrown às julho 14, 2004 11:20 AM
Só li agora este bom post! É de notar que em meados de Agosto as bandeiras continuam! E Portugal não ficou deprimido!
Jose Paulo
Publicado por: Josept às agosto 12, 2004 04:54 PM