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fevereiro 23, 2004

Ministros certificados

José Cesário, secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, é conhecido por o seu nome ter sido envolvido em várias polémicas e ter resistido ao "caso da cunha", que levou à demissão do seu chefe, o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Martins da Cruz, e do ministro da Ciência e Ensino Superior, Pedro Lynce. Acumula também com a posição de ser um dos membros do governo cuja demissão mais vezes tem sido pedida o que é uma façanha notável, se se tiver em conta que, exigir demissões, é a pièce de résistance do cardápio da elaborada conceptualização política em que se baseia estratégia oposicionista.

Mas José Cesário, no que respeita a cunhas relativas a acessos ao ensino superior está certificado: o seu filho (a família continua a viver em Viseu) está a repetir o 12º ano pela terceira vez porque ainda não conseguiu entrar na faculdade.

Louvemos a previdência deste prudente membro do governo e o amor filial implícito no comovente sacrifício do rapaz, que assim certificou o pai como imune a este tipo de cunhas.

Outras certificações poderão ser assim obtidas. Por exemplo, para imunidade à fuga ao imposto de sisa, uma das viroses políticas mais endémicas e mortíferas, o cenário certificador ideal será um ministro ser entrevistado no seu tugúrio, um humilde pardieiro construído penosamente com tábuas apodrecidas sobrantes das carpintarias de toscos, alcantilado num talude da zona de protecção da A1, à saída de Lisboa. Enquanto lá fora a devotada esposa do ministro monda uma pequena leira onde crescem, numa liberdade desordenada, couves portuguesas e outras hortaliças patrióticas, a voz do ministro, sobrepondo-se à zoada infrene do trânsito, insiste na excelência da localização:

- O meu motorista pára na faixa de segurança, buzina e eu saio da barraca, salto a vedação metálica e entro no carro ... são só 10 metros e é muito prático. Preparei-me desde pequeno para a política. Os meus pais e os meus sogros doaram os bens a instituições de caridade e eu construí esta choça para nossa residência permanente logo que me acenaram com um cargo político. Como este local, durante os fins de semana, com a diminuição do tráfego e dos gases de escape, tem bons ares, serve simultaneamente de residência secundária nos poucos momentos de ócio que a coisa pública me deixa.

Outra certificação importante é a relativa a esquecimentos de entregas das declarações de IRS, uma virose política com alguma frequência e sinistralidade. Neste caso, o cenário certificador ideal será o ministro, ao ser indigitado, ser entrevistado em plena função de arrumador de automóveis. Enquanto o indigitado ministro vai gesticulando desnecessariamente para um automobilista arreliado pela insistência daquela figura esquálida, explica ao jornalista:

- Preparei-me longamente para este cargo político para o qual acabo de ser indigitado. Há bem mais de 5 anos, prazo de prescrição das obrigações fiscais, que eu exerço em permanência o mister de arrumador. Para além da certificação necessária, esta actividade tem-me permitido uma relação mais íntima com a população e com o país real. Esta actividade exige enorme perseverança e capacidade de enfrentar a incompreensão e rejeição do público cuja causa servimos com tão dedicada devoção patriótica. A arenga política, treinei-a nas diatribes que lanço ao pessoal que se escusa ao óbolo. Este gesticular desenvolve o meu gesto como elemento dramatizador da oratória e serve-me de ensaio para as minhas posturas nos comícios. Tenho as certificações, as imunidades e as qualificações que o país exige de mim nesta hora crucial para o nosso futuro. É apenas o tempo de fazer a barba, tomar finalmente um banho e estarei apto para a tomada de posse.

Nestes tempos de impiedade e corrupção, onde nem os sacerdotes estão ao abrigo das viroses políticas e onde a vida pública e privada dos detentores de cargos políticos é escrutinada e devassada ao mais recôndito e íntimo pormenor, temos que procurar formas inovadoras e seguras de recrutar gente para preencher os cargos públicos. Nem a mais leve sombra de suspeição pode recair sobre essa gente. Nem uma factura de almoço sem o necessário suporte documental do pagamento pelo próprio. Neste caso, e para evitar distracções fatais, aconselha-se quem tenha projectos de vida política a comprar uma marmita e a trazê-la consigo, em permanência e cheia.

Publicado por Joana às fevereiro 23, 2004 01:17 PM

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Comentários

Conhece, por acaso, a história do jantar nos EUA e dos «empresários de sucesso nascidos em Viseu»?
Só essa era razão suficiente para tirar a cadeira ao Chejário.

Publicado por: (M)arca Amarela às fevereiro 23, 2004 03:23 PM

Joana: prossegue a saga de desancar a hipocrisia nacional?
Foi a desancar os politicos e a desejar o miserabilismo para eles que se chegou aquilo que temos hoje.

Publicado por: Filipa Zeitzler às fevereiro 23, 2004 07:23 PM

Joana: Você tem um estilo inconfundível. Mesmo que mudasse de nick, detectava-se à distância. Está excelente, mordaz e retrata bem, levado claro ao ridículo, o que os meios de comunicação parecem desejar para o governo

Publicado por: Rui Pereira às fevereiro 23, 2004 08:00 PM

A Joana mete a ridículo, e com razão, o comportamento lamentável que os jornalistas e parte da população tem para com os políticos. Depois querem que tenhamos gente de classe na governação e na assembleia.

Publicado por: Novais de Paula às fevereiro 23, 2004 09:39 PM

Esta sanha dos meios de comunicação pelo comportamento dos políticos é quando eles não são de esquerda. De esquerda só são questionados pela justiça e apenas enquanto não prescreveu.
Olha o Ferrito que já prescreveu, até vai pôr uma acção contra quem o denunciou

Publicado por: Mocho às fevereiro 23, 2004 11:28 PM

Este Mocho é um cretino. Bem se vê que é um trauliteiro de direita.

Publicado por: Cisco Kid às fevereiro 23, 2004 11:59 PM

E a Joana anda é a alimentar a direita. A fingir-se meias-tintas, mas eu é que a topo. Não passa de uma serventiária do capital.

Publicado por: Cisco Kid às fevereiro 24, 2004 12:00 AM


Pena que José Cesário tenha uma FILHA... na Universidade. Há mentiras com perna curta!

Publicado por: Explícito às fevereiro 24, 2004 12:12 AM

Quando se trata de dinheiros, a esquerda é mais sensível ao vil metal que a direita. Vejam os escândalos sucessivos com o PT de Lula no Brasil. Assim que se apanharam no poleiro tem sido um fartote

Publicado por: Cor do Dinheiro às fevereiro 24, 2004 12:15 PM

(M)arca Amarela em fevereiro 23, 2004 03:23 PM:
Que história foi essa do jantar nos EUA e dos «empresários de sucesso nascidos em Viseu»?
É possível saber alguns pormenores?

Publicado por: Humberto às fevereiro 24, 2004 05:07 PM

“Pena que José Cesário tenha uma FILHA... na Universidade. Há mentiras com perna curta!”

Esta não entendi.
Está vedado aos filhos dos governantes, o acesso ao ensino superior?
Ou o “Explícito” (?) tem informação que leve à conclusão que filha do JC lá chegou via “cunha” e não quer ser mais explícito?

Publicado por: Marapião às fevereiro 24, 2004 08:31 PM

“Quando se trata de dinheiros, a esquerda é mais sensível ao vil metal que a direita.”

Esta afirmação é baseada em alguma estatística? Ou é apenas a sua douta opinião?

“Vejam os escândalos sucessivos com o PT de Lula no Brasil. Assim que se apanharam no poleiro tem sido um fartote”.

Sabe que isto é mentira, não sabe? Deve saber!
Ou está a fazer confusão com os EUA nos últimos tempos? Administração de esquerda?

Houve, até à data, 1 (um) escândalo de corrupção envolvendo 1 (um) acessor do governo PT.
E os factos passaram-se há quase 2 (dois) anos. Antes do PT começar a governar.
Não se baralhe.
De todo o modo, ninguém está imune e os partidos, além das idéias, são constituídos por pessoas. O dinheiro não tem cor política.

Publicado por: Marapião às fevereiro 24, 2004 08:56 PM

Errata:
...envolvendo 1 (um) assessor...

Publicado por: Marapião às fevereiro 24, 2004 10:01 PM

Marapião: Como o texto é grande, vai aos pedaços:

Mais Denúncias Abalam o Governo Brasileiro
Por NAYSE LÓPEZ, Rio de Janeiro
Terça-feira, 24 de Fevereiro de 2004

Depois do escândalo das denúncias de corrupção envolvendo uma alto funcionário do Governo brasileiro, ministros e colaboradores mais próximos do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ganharam tempo para se recompor, mas estão a passar dias duros, de muita negociação de bastidores.

Revelações sobre o ex-assessor do ministro da Casa Civil e "homem forte" do Executivo, José Dirceu, continuam a surgir em novas reportagens. Nos bastidores, rumores de que Dirceu pode sair do Governo ganham força, mas são desmentidos com igual veemência. E novas denúncias tentam associar a recolha de fundos para a as campanhas eleitorais do Partido dos Trabalhadores (PT, de Lula) à máfia que controla o jogo do bingo no país.

Publicado por: Cor do Dinheiro às fevereiro 24, 2004 11:16 PM

Para sinalizar que não está alheio ao caso, o Presidente surpreendeu todos, na sexta-feira, ao proibir os bingos, cuja regulamentação o seu partido ainda há pouco tempo defendia. O Carnaval nas ruas do Brasil segue animado e acaba na quarta-feira, mas o Carnaval político do parece estar apenas no início.

Lula falou pela primeira vez sobre o ex-assessor Waldomiro Diniz num discurso em Caxias do Sul. Disse que, como Presidente, pode apenas pedir a abertura de um inquérito na Polícia Federal e exonerar os culpados, mas declarou que defende a ideia de que "todas as pessoas são inocentes até que se prove o contrário".

O caso do ex-assessor voltou a ser evocado pela revista "Época" - a mesma que fez as primeiras revelações há uma semana a partir de uma gravação de vídeo na qual Waldomiro Diniz negoceia para facilitar uma concorrência quando ainda era presidente da Lotaria Estadual do Rio de Janeiro no governo "petista" de Benedita da Silva. Segundo a edição desta semana da revista, Diniz reconheceu ter mantido encontros com o "bicheiro" (empresário de lotarias) Carlos Augusto Ramos (ou Carlinhos Cachoeira), já em 2003, depois de estar trabalhando no ministério com José Dirceu.

Publicado por: Cor do Dinheiro às fevereiro 24, 2004 11:17 PM

Diniz contou que se reuniu com Cachoeira para servir de intermediário num estreitamento das relações do "bicheiro" com a directoria da Gtech, multinacional sul-coreana que opera as lotarias da Caixa Económica Federal (CEF). O contrato seria de 130 milhões de dólares. A entrevista publicada derrubou o argumento imediato apresentado pelos governantes de que a denúncia era um facto isolado e nada tinha a ver com o Executivo actual. Com a comprovação de que o principal articulador político de Dirceu no Congresso continuava a encontrar-se com Cachoeira, cresce a desconfiança de que suas acções no Governo de Lula possam ter sido também ilícitas.

Publicado por: Cor do Dinheiro às fevereiro 24, 2004 11:18 PM

Outro esquema
A revista "Veja", por seu turno, reforçou a denúncia sobre captação irregular de recursos para campanhas eleitorais do PT a partir de uma entrevista do filho do ex-governador do Rio Leonel Brizola, José Vicente Brizola. Brizola-pai foi aliado de Lula nas eleições mas rompeu publicamente com o PT e vem atacando o Governo desde o ano passado.

Segundo a "Veja", o mesmo esquema que teria sido armado por Waldomiro Diniz na lotaria estadual do Rio acontecia também na do Rio Grande do Sul, então presidida por José Vicente Brizola. Filiado ao PT, José Vicente diz que os recursos iriam para a campanha da ex-ministra da Secretaria Especial dos Direitos da Mulher do governo de Lula, Emília Fernandes, e também para as candidaturas do hoje senador Paulo Paim, e do ministro da Educação, Tarso Genro, que concorreu ao governo estadual. Todos os parlamentares "petistas" citados negaram ter recebido dinheiro de Brizola.

Publicado por: Cor do Dinheiro às fevereiro 24, 2004 11:18 PM

Enquanto as denúncias são investigadas - o Ministério Público já fez apreensões nos escritórios dos envolvidos e vai quebrar o sigilo bancário e telefónico dos envolvidos -, aumentaram os rumores de que o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, poderia deixar o cargo, temendo que o Governo se contamine com as denúncias de corrupção. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, disse que as especulações não passam de "boataria". Palocci está no foco dos boatos porque é sabido que ele e Dirceu discordavam sobre a manutenção da austeridade fiscal e monetária proposta por Palocci.

Com Dirceu e Palocci nos postos-chave de seu Governo, Lula tem uma balança calibrada. O afastamento de Dirceu poderia ser visto como um sacrifício, ganhando créditos no Governo e no PT.

Publicado por: Cor do Dinheiro às fevereiro 24, 2004 11:19 PM

Infelizmente as cenas surrealistas que descreve é um arremedo daquilo que parece que queremos para os nossos políticos. Com esta forma de pensar como poderemos ter políticos em condições

Publicado por: Hector às fevereiro 26, 2004 12:53 AM

Dizem-me da cidade das luzes que JOSÉ CESÁRIO teve uma pega com um Professor de Português,em pleno Senado,no dia 29/02,e que se propagou à sala com outros docentes.

Foi um verdadeiro escândalo,em presença de autarcas portugueses eleitos para câmaras de França,perante Eduardo Lourenço e perante o Embaixador António Monteiro.

Na altura,a Ministra dos Negócios Estrangeiros já não se encontrava na sala.

Publicado por: ZEUS 8441 às março 1, 2004 12:27 AM

Não sabia dessa ocorrência.
Se tiver mais pormenores ...

Publicado por: Joana às março 1, 2004 10:07 PM

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