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janeiro 05, 2004
Do que falamos quando falamos de escritos anónimos
Ou de como Semíramis se muniu de um parecer de um jurista para evitar incorrer nos dislates dos jornalistas
Um escrito contendo uma declaração de ciência, sem identificação do declarante, pode ter dois ‘significados’ jurídico-processuais.
Com efeito, tal escrito pode consubstanciar uma ‘denúncia’, trazendo ao conhecimento das autoridades a chamada ‘notícia do crime’, tal como pode corporizar a prova documental de um facto - ou, melhor, uma prova a um tempo documental e testemunhal.
Como denúncia, o escrito anónimo é perfeitamente válido, devendo merecer das autoridades competentes a atenção que o mesmo imponha - cfr. o art. 246.º, n.º 1, do Cód. Proc. Pen. (que reza assim: “A denúncia pode ser feita verbalmente ou por escrito e não está sujeita a formalidades especiais”). Se, por meio de escrito anónimo, for dado conhecimento às autoridades que, dentro de uma semana, terá lugar um assalto a uma concreta dependência de uma instituição de crédito, tais autoridades competentes - Ministério Público e órgão de polícia criminal - não podem, obviamente, deitar a denúncia para o lixo, devendo, antes, autuar a mesma como inquérito e tomar as medidas necessárias a evitar a consumação do anunciado crime.
Esta denúncia anónima deve permanecer nos autos - embora a sua publicidade possa ser vedada a pessoas estranhas ao processo (cfr. o art. 86.º, n.º 3, do Cód. Proc. Pen.) - , não tendo, todavia, qualquer valor probatório. Ou seja, a denúncia anónima serve para dar início ao processo, mas não serve como meio de prova - um facto não pode ser dado por provado com fundamento em constar ele de um documento (denúncia) anónimo.
Diferente da denúncia, é o documento anónimo que visa demonstrar a realidade de um facto, que visa ser um meio de prova. Se o processo já adquiriu a notícia do crime, uma carta anónima remetida aos autos relatando tal crime não tem a natureza de denúncia, mas sim de meio de prova do mesmo.
Todavia, como escrevi, este relato anónimo não pode servir de prova, pelo que não pode ser admitido, devendo ser recusada a sua junção aos autos, sendo tal ‘expediente’ arquivado separadamente nos serviços do Ministério Público - cfr. o art. 164.º, n.º 2, 2.ª parte, do Cód. Proc. Pen..
Se, no âmbito de um processo pendente, é remetida aos autos a denúncia anónima da prática de crimes diferentes dos investigados, mas com eles relacionados, o titular do processo não pode eliminar esta denúncia, sendo certo que a mesma não tem qualquer valor ou préstimo probatório - quer quanto aos factos agora denunciados; quer quanto aos factos já anteriormente objecto do processo. O titular do processo deve tomar tal denúncia na devida consideração.
Se ao processo Casa Pia Noticiado - que é, certamente. diferente do real - chegou uma denúncia anónima, era vedado ao Ministério Público destruir tal denúncia anónima ou entregar a mesma ao visado - esta segunda solução, se não estivéssemos a falar do Presidente da República, pareceria absolutamente insólita: entregar a denúncia ao putativo criminoso...
A denúncia deve ser sumariamente analisada, avaliada e, se for caso disso, investigada.
Nos casos de a denúncia contenha factos respeitantes à intimidade da vida privada, se o processo entrar numa fase pública, não deve a mesma deixar de estar sob o segredo de justiça, apenas podendo ter conhecimento da denúncia o Ministério Público, a Defesa, o Assistente e o Tribunal.
Concluindo: no caso Casa Pia, o procedimento do Procurador titular do processo foi, a este nível, processualmente correcto.
Talvez só um reparo se possa fazer à sua conduta: dizendo a denúncia respeito ao Presidente da República, o processo que a mesma desencadearia deveria, por força da lei, correr os seus termos junto do Supremo Tribunal de Justiça. Assim, poder-se-ia sustentar que o Procurador titular do processo deveria ter remetido a denúncia para o Procurador Geral Adjunto junto do Supremo Tribunal de Justiça, para que este investigasse o denunciado crime.
Esta solução, embora processualmente mais ‘aprimorada’, é um pouco excessiva, só se justificando quando o Procurador titular do processo, depois de analisar e avaliar a denúncia, entenda que a mesma merece ser efectivamente investigada - o que não será, certamente, o caso.
Em casos como o vertente, a conduta o Procurador titular do processo foi ajuizada: receber a denúncia, avaliando a mesma, e ordenar que fosse ela desentranhada do processo - por não ser credível e por, por outro lado, não constituir meio de prova válido -, mantendo-se, todavia, ‘anexada’ a este.
Autor: Pseudo Éter
Publicado por Joana às janeiro 5, 2004 06:29 PM
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Comentários
Não compreendo tanta consternação e surpresa com as cartas anónimas. Estas, como prova factual que não deixam de ser, não devem ser deitadas para o balde do lixo, só por serem de origem desconhecida. Devem ser juntas ao processo. Tal como lhes deve ser dado o valor que elas, como documentos de origem anónima que são, têm.
Publicado por: André às janeiro 7, 2004 07:35 PM
É claro que a violação do segredo de justiça parte dos advogados de defesa, porque as fugas só começaram depois deles terem acesso ao processo.
Publicado por: Sa Chico às janeiro 7, 2004 10:14 PM
Joana,
concordo com isso... mesmo em termos humanos...
na minha óptica, só aparentemente isso é um contrassenso...
É a diferença entre o 'tem cuidado...' e o 'ai vizinha... credo!...'
Nada a opôr...
Um abraço,
Francisco Nunes
Publicado por: Planície Heróica às janeiro 8, 2004 12:00 AM
Do que falamos quando falamos do direito ao bom nome e repu ação
Ou de como, apesar do parecer escorreito do jurista, o problema persiste
Diz a CRP, no seu nº 1 do Artº 26º ((Outros direitos pessoais), o seguinte:
"A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, AO BOM NOME e REPU AÇÂO, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação."
Diz, também, a CRP no nº1 do Artº 18º ((Força jurídica)):
"Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas."
Se bem que concorde de que a "anexação" ao processo das referidas cartas anónimas (ou anódinas, pelo que se viu) seja uma obrigação do MP, para que os direitos constitucionais dos visados não sejam ofendidos terá que haver uma efectica defesa desses direitos por parte do MP.
Ora, não poderá existir a defesa desses direitos constitucionais quando essas cartas não forem objecto de "reserva processual", isto é, de segredo de justiça efectivo.
Aqui chegados, que fazer?
Resguardar o teor das cartas proibindo-se-lhes o acesso à defesa ou ao assistente quando isso não interessar ao desenrolar do processo de defesa ou do assistente?
Quem tem coragem de legislar nesse sentido? E que "aberrações" poderia isso vir a causar?
A "futurologia" nesta questão de colisão de direitos constitucionais está a indicar um caminho tortuoso: a penalização exemplar de jornais e jornalistas que publicam matéria do ambito do segredo de justiça.
E, como todos sabemos, as penalizações exemplares costumam esconder sempre a inabilidade de quem as advoga, isto é, o esconder o sol com a peneira.
obs: esteja-se atento às propostas de alteração de leis que já rolam nas cabecinhas de alguns depu (t)ados e ver-se-á que em nome de um preceito constitucional que é necessário defender muitos outros vão ser adulterados e espezinhados.
PS: Joana, terá que rever esse seu filtro pois nem a palavra repu ação inteira deixa passar... nem depu (ta) do
Publicado por: re-tombola às janeiro 8, 2004 12:10 PM
Amigo re-tombola:
Talvez a punição 'apenas' justa já seja suficientemente exemplar - isto é, desencorajadora de condutas futuras.
Já agora, aqui entre nós, não acho que esta carta anónima seja atentatória do bom nome do PR.
Juntas aos processos dos tribunais, por esse país fora, há milhares de cartas anónimas contra o PR, o PPortas, o pai natal, o papa, etc., etc. onde nenhum facto concreto demonstrável é relatado. Tais cartas são lixo processual.
Esta carta é um nada que nada vale.
A sua existência e a sua presença junto ao processo são inócuas.
O que já não é inócua é a selectiva violação do segredo de justiça...
Abraço.
P.
Publicado por: Pseudoeter às janeiro 8, 2004 03:32 PM
Caro Amigo Pseudoeter,
Concordo plenamente que as referidas cartas são lixo processual.
No entanto, o PR acha-se ofendido.
No próprio dia da comunicação do PR, tive a oportunidade de opinar que a intervenção também nada trazia senão lixo sonoro, com a agravante de tanto PGR como os alegados pedófilos se rebolarem a rir com a falta de sequência para que a intervenção do PR (o ofendido) indicava.
O que o PR veio ler à comunicação social foi um mero comunicado que poderia ter sido lido por qualquer funcionário de serviço ao Plácio de Belém naquele dia.
Que veio, então, o PR ler? (dizer?) Nada?
Veio unicamente ameaçar de que poderia processar o JN?
Um PR não faz ameaças: actua!
E, se desta vez, não actuar processando o JN, então não se perceberá qual a razão de ter lido um comunicado de ameaças e passará a ser mais um elo na "balda" em que se está a tornar o funcionamento da Justiça.
Sampaio foi empurrado e fez do trambolhão eco.
Aguarda-se que o eco lhe chegue a ele mesmo.
Um abraço
Publicado por: re-tombola às janeiro 8, 2004 04:21 PM
re-tombola:
A Blacklist é da weblog. Eu própria já verifiquei que se quiser dizer:
Um repu_tado depu_tado a dispu_tar as eleições e a compu_tar os resultados ...
sou insultada.
Eu já sugeri que arranjassem uma frase mais comedida:
«V.Exa escreveu algo que pessoas de mais fino trato poderão considerar menos próprio. Sugerimos que refaça o texto tendo em atenção a polidez que este local exige».
Todavia o pessoal da blogosfera é demasiado frontal!
Publicado por: Joana às janeiro 8, 2004 09:54 PM
re-tombola:
Quanto ao Sampaio, você não reparou que ele é perito em banalidades. O Sampaio tomar uma decisão? Nem pense nisso.
Enquanto Presidente da CML ele esmerou-se em não tomar decisões. Em contrapartida o J Soares era especialista em tomar decisões à revelia dos serviços. Parte das obras que fez eram clandestinas.
No caso Moderna, estou convencida que se não fosse a benevolência da justiça ele poderia ter arranjado problemas. Não por ter auferido vantagens, mas pela irregularidade dos procedimentos.
Publicado por: Joana às janeiro 8, 2004 10:01 PM
teste: deputado
Publicado por: Rui Lima às janeiro 9, 2004 12:18 PM