março 10, 2003

Dilemas sem solução

A política da Administração Bush conduziu os USA a uma situação em que qualquer escolha é má:

Se não fazem a guerra, Saddam vai vangloriar-se de ser o herói que fez dobrar a cerviz aos USA, que derrotou os americanos e tornar-se num líder carismático para as massas árabes humilhadas pelo conflito israelo-árabe. Seria um cenário absolutamente insuportável para os USA.

Se fazem a guerra, terão que enfrentar uma opinião pública hostil e cuja hostilidade crescerá exponencialmente à medida que as televisões começarem a dar imagens de cadáveres chamuscados, crianças mutiladas, etc., etc. Uma guerra na qual os USA não podem expor-se a que dure mais que alguns dias, pois se se eternizar, tal terá repercussões imprevisíveis sobre o comportamento da opinião pública internacional e mesmo americana. Será um cenário de consequências imperscrutáveis, mas que tudo indica que será o considerado “menos mau” pelos USA.

Por sua vez Chirac conduziu a União Europeia a uma situação em que será sempre perdedora. A UE, para ter uma voz credível, teria que ter uma política externa coerente e apoiada por uma força militar com operacionalidade capaz de fazer valer essa política. Até agora a UE nem sequer tem sabido gerir as questões europeias, como no caso da ex-Jugoeslávia, onde foram os americanos que, por diversas vezes, tiveram de vir resolver os problemas que a UE se mostrava incapaz de o fazer, quer por falta de força militar, quer por falta de unidade de acção.

Uma UE nesta situação não se pode dar ao luxo de tomar posições tão “drásticas” como Chirac e Schröder tomaram. Poderá pressionar, com alguma discrição, a Administração Bush a inflectir a sua política. Tomar atitudes mais abertamente definitivas é entrar numa via que desemboca num beco sem saída. Contar com a Rússia é errado, pois esta não é uma aliada fiável. Não seria a primeira vez que os USA a comprariam por um prato de lentilhas.

Na situação actual, se a França usar o direito de veto irá criar graves complicações de relacionamento com os USA e dividir a UE. Se o não fizer, perderá credibilidade internacional e será acusada de se ter deixado amarrar ao carro de triunfo americano. E com a perda de credibilidade da França e Alemanha, é também a UE que perde credibilidade.

A UE deveria repensar toda a sua estratégia ao nível de defesa e de política externa comum para não se deixar cair numa armadilha destas. Os europeus têm vivido sob a protecção militar americana. Ao deixarem chegar as suas forças militares ao nível irrisório de operacionalidade em que se encontram (excepto as britânicas), os europeus aceitaram, tacitamente, viverem na dependência militar americana. Esqueceram-se que essa política tinha um custo: o de se verem na contingência de aceitarem as decisões da política externa americana com a margem de manobra que os dirigentes dos USA houverem por bem determinar.

Presentemente, qualquer que seja o desfecho, este será mau para a UE. Pior, irá diminuir a sua já pequena capacidade de influenciar as decisões americanas.

Resta-nos as discussões bizantinas das comadres zangadas: a de saber quem desuniu mais a UE: se a decisão “de grande potência”, do eixo Paris-Berlim, de se opor à política americana, se o manifesto do grupo que definiu como prioritária, acima de tudo, a aliança com os USA.

O Dilema Português
Falando agora sobre a posição portuguesa, eu queria sublinhar o seguinte:
Há os diversos dados que nos são exógenos:
A Administração Bush conduziu a política externa americana para um beco cuja única saída é a guerra. Qualquer outra opção, na situação a que se chegou, é pior para o governo americano que não fazer guerra.
Que não haja quaisquer dúvidas, os USA irão mover todas as influências e gastar o que for necessário, para obter a maioria no Conselho de Segurança.
Se obtiverem a maioria, mesmo que haja vetos, eles farão a guerra escudados na existência de uma maioria viciada por vetos injustos e minoritários.
Se verificarem que não vão conseguir maioria, o que não acredito, não se arriscarão a propor qualquer moção e farão a guerra baseados na moção anteriormente aprovada, com a argumentação que irão desenvolver consoante o relatório Blix
O novo relatório Blix será, como de costume, passível de várias leituras e dará argumentos quer àqueles que querem continuar com as inspecções, quer aos que querem ir já para a guerra.

Portanto:
Como, à luz do Direito Internacional, não há fundamentação para a guerra, nós não a devemos apoiar, se não houver aval da UN. Portanto, o governo português tem andado mal em apoiar ostensivamente, e sem condições, a intervenção americana no Iraque.

Os USA vão fazer a guerra, e isso é um dado. Logo Portugal não pode, na defesa dos seus interesses estratégicos, tomar uma atitude de confronto relativamente aos USA. Não evita a guerra e complica o seu relacionamento internacional. Seria uma atitude puramente quixotesca. A França não é uma aliada fiável e não sei se, em face da votação no Conselho de Segurança, não irá desistir, à última hora, do direito de veto. Portanto o Presidente da República andou mal ao condenar ostensivamente a mais que provável intervenção americana no Iraque. E logo ele, que quando fala, costumava dizer coisas que podem ser interpretadas de centenas de maneiras diferentes e contraditórias!

Parece-me que Portugal deve manter um perfil baixo neste jogo diplomático, e evitar tomar posições claras e definitivas sobre esta matéria, não descurando a aliança americana mas não se comprometendo em demasia.

Durante séculos, desde a Restauração, os sucessivos governos portugueses souberam manter o equilíbrio das relações externas, agradando (ou não contrariando) gregos e troianos. Só falharam perante a impaciência excessiva de Napoleão. Mesmo assim aguentaram a questão durante algum tempo. Durante a 2ª Guerra Mundial, Salazar conseguiu manobrar de forma a manter o país fora do conflito e, adicionalmente, convencer Franco a não entrar na guerra ao lado dos alemães, o que era vital para Portugal, pois com a Espanha ao lado dos alemães, Portugal teria que escolher entre aliar-se aos alemães ou ser ocupado pela Espanha e Alemanha, como durante a invasão de Junot, quando foi ocupado pelas tropas francesas e espanholas.

É esse sentido de equilíbrio e de proporções que precisamos neste momento.

Publicado por Joana em 07:51 PM | Comentários (1) | TrackBack