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dezembro 18, 2003

A Economia Mundial em transe

A Europa está a tornar-se um Portugal em escala maior. Passa da euforia à depressão e vice-versa. Há anos os líderes europeus, talvez empolgados pelo canto de sereia do nosso ex-primeiro ministro, então presidente em exercício, clamavam que iriam transformar a Europa na economia mais dinâmica e competitiva do planeta, aliando a prosperidade económica, as novas tecnologias e os valores democráticos. Um espaço ímpar, gerador de investimento e emprego, capaz de um desenvolvimento sustentável compaginado com a sensibilidade às questões ambientais. Um paraíso ao virar da esquina. Guterres é de facto um político muito convincente! E não apenas para os indígenas.

Foi um ano em que o euro oscilou entre 0,86 e 0,91US$. Actualmente o euro está a ser transaccionado acima dos 1,24 dólares e o Barclays estima que o euro vai valer 1,30 dólares dentro de três meses, enquanto o Goldman Sachs estima que esse valor seja obtido dentro de seis meses. Em face desta situação Romano Prodi reafirmou hoje que a valorização do euro está a dificultar a recuperação económica da Zona Euro.

Os líderes europeus de 2000 acertaram numa coisa: a Europa, em termos de valorização em dólares do seu produto, cresceu cerca de 45% face aos EUA, embora o seu crescimento tenha sido inferior à dos EUA, em termos reais. A boa notícia é que, medida em dólares, a economia europeia está muito mais próspera. A má notícia é que o dólar vale hoje menos de 70% do valor de então.

O que está a acontecer é a economia americana crescer mais que a europeia, em termos reais, ser mais competitiva, mas existir, em contrapartida, um gigantesco défice externo, que necessita ser alimentado diariamente por enormes fluxos de capitais externos – segundo os experts, os Estados Unidos necessitam de atrair cerca de 1,5 mil milhões de dólares por dia do estrangeiro.

As análises sobre esta situação variam consoante o posicionamento ideológico do analista. Como há pareceres para todos os gostos, também é fácil fortalecer essas análises, qualquer que seja o posicionamento ideológico, com um bom recheio de citações.

Uma coisa é certa: a economia americana é mais dinâmica que a europeia e domina os pontos estratégicos das fileiras de produção, onde ocorrem as inovações tecnológicas e onde é possível maximizar o valor acrescentado. Por outro lado, a mobilidade do factor trabalho é elevada, o que permite um grande dinamismo na alteração da estrutura produtiva. Os nós estratégicos das fileiras de produção variam a sua localização, ao longo de cada fileira, conforme o tipo e a idade do produto (posição no seu ciclo de vida). A economia americana tem sabido adaptar-se melhor que a europeia às “deslocalizações” dos pontos estratégicos.

O problema da economia americana é o seu gigantesco défice externo e o facto dos fluxos de capitais vindos do exterior, para alimentar a fornalha desse Baal insaciável, serem cada vez mais reduzidos, face aos receios provocados por esse mesmo défice. Diminuindo a procura do dólar aumenta a procura do euro e a sua apreciação contínua face ao dólar.

A economia permite que se façam as maiores asneiras porque encontra sempre formas de estabelecer um equilíbrio. O que angustia actualmente os agentes económicos é não conseguir prever o que essa “mão invisível” está a fazer e que tipos de equilíbrio irão surgir deste emaranhado de questões.

Temos uma economia, a europeia, com as bases da sua prosperidade real estagnadas (competitividade e produtividade), mas com uma situação financeira que a torna atractiva, em face das alternativas, para os capitais exteriores. Todavia esse fluxo positivo valoriza o euro face ao dólar e acentua, negativamente, a estagnação da competitividade europeia, o que a médio prazo pode inverter drasticamente aquela situação.

Temos outra economia, a americana, com as bases da sua prosperidade real mostrando algum dinamismo, mas numa situação financeira deplorável, que não será sustentável a médio prazo.

Enfim … é nestas situações que os crentes dirigem preces, suplicantes, a Deus; os ateus se viram, esperançosos, para a razão providencial; e os economistas olham expectantes os sinais do mercado, tentando vislumbrar se a “mão invisível” consegue resolver a situação a contento.

Publicado por Joana às dezembro 18, 2003 07:51 PM

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Comentários

Não fossem os comentadores levantar a questão da incoerência deste texto com o texto anterior sobre as virtudes do Capitalismo ,Joana apressa-se a lembra-nos que : "Há sempre formas de estabelecer um equilíbrio"

Alguns chamam a isto "contrabando ideológico" , eu prefiro dizer que... isto só pode ser culpa do Gueterres ou do D.Afonso Henriques!

Publicado por: zippiz às dezembro 18, 2003 08:11 PM

Ó zippiz está a por em causa a argumentação sólida do texto anterior? Só falta começares a dizer que há cada vez mais pobreza extrema nas terras do Tio Sam!

Publicado por: Pobre às dezembro 18, 2003 08:20 PM

zippiz:
Você não percebeu o que eu escrevi.
Nos textos anteriores eu não emiti qualquer juízo de valor absoluto sobre o capitalismo.
Apenas escrevi que não se tinha encontrado melhor, ou por outras palavras, que todos os outros, conhecidos e com provas dadas na prática, eram piores.

Publicado por: Joana às dezembro 18, 2003 11:06 PM

caro "POBRE" ;
Não ! Longe de mim pôr em causa o Capitalismo de Joana ! Ela não tem culpa da existência de 20 Milhões de pobres nos USA ! É tudo uma questão de "equilíbrios" do sistema.

Publicado por: zippiz às dezembro 18, 2003 11:09 PM

Zippiz:
Há 20 milhões de pobres nos EUA? Certamente serão bastante menos pobres que as muitas centenas de milhões que vegetam nos países do terceiro mundo, governados por ditadores antiglobalização, bajulados pela esquerda suicidária da nossa sociedade.
Ou pobres de quaisquer outros regimes que se conheçam.

Publicado por: Joana às dezembro 19, 2003 12:10 AM

Uma das coisas que a tira do sério é evidenciar as suas "certezas" !

E a propósito, pode mostrar um escrito meu a defender "países do terceiro mundo, governados por ditadores antiglobalização, bajulados pela esquerda suicidária da nossa sociedade" ?

Ou Vc está a confundir-me com o actual Secretário da Defesa da administração Bush que ofereceu uma esporas de ouro a Saddam ? O homem é de esquerda ?
Estou chocado !

Publicado por: zippiz às dezembro 19, 2003 12:22 AM

"...governados por ditadores antiglobalização, bajulados pela esquerda suicidária da nossa sociedade."

A Joana sabe bastante mais do que isto, não sabe?

Então faça um esforço e conte-nos lá porque é que estes "ditadores antiglobalização" e outros ditadores que são pró globalização são que são.

Eu sei que não pago, mas a si ficava-lhe bem por questões de coerência.

Publicado por: Marapião às dezembro 19, 2003 03:08 AM

Marapião:
O que eu quis acentuar, talvez de forma simplista, é que nas sociedades onde existe um regime capitalista baseado numa economia de mercado efectiva e na salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias da pessoa humana, tal como os pais do liberalismo o teorizaram há mais de 200 anos, há incomensuravelmente menos pobreza e mais igualdade, que nos países sob a tutela de ditadores ou oligarquias corruptas, mas que aparecem nos Fóruns Sociais, protagonizando um fervor anti-imperialista e antiglobalização, e que são aclamados por alguma esquerda, e sublinho, “alguma” como heróis libertadores.

Aliás, tudo isto me parece evidente, se se ler os textos em causa. Foi por isso que dei uma resposta simplificada.

E não precisa pagar para aparecer e dizer de sua justiça ...

Publicado por: Joana às dezembro 19, 2003 09:59 AM


(...)
O que angustia actualmente os agentes económicos é não conseguir prever o que essa “mão invisível” está a fazer e que tipos de equilíbrio irão surgir deste emaranhado de questões.
(...)

Cara Joana,

Quando, em título, fala de "Economia Mundial", refere-se concretamente a quê?

No momento em que os investimentos a nível global se limitam a mercados financeiros (que criam riqueza para quem investe sem criarem qualquer base de produção real), fará sentido continuar a querer-se falar de "Econimia Mundial"e de "mão invisível".

O mais correcto seria dizer-se que o que aconteceu foi que se passou a uma "mão desaparecida", isto é, aquela que poderia cerrar-se e dar um murro na mesa: nós!

Publicado por: re-tombola às dezembro 19, 2003 06:29 PM

Correcção:

Claro que

"No momento em que os investimentos a nível global se limitam a mercados financeiros (que criam riqueza para quem investe sem criarem qualquer base de produção real), fará sentido continuar a querer-se falar de "Econimia Mundial"e de "mão invisível".

é uma interrogação (e não uma afirmação)

;-)

Publicado por: re-tombola às dezembro 19, 2003 06:32 PM

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