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dezembro 19, 2003

A Fé de Welteke

Welteke, do Banco Central Europeu, contradisse hoje Romano Prodi, presidente da Comissão Europeia, sobre os efeitos da subida do euro face ao dólar americano. Segundo os jornais, Welteke afirmou que o crescimento da economia europeia «está muito mais dependente do desenvolvimento da economia mundial como um todo, do que esta ou aquela taxa de câmbio». Como os EUA, a UE e o Japão representam cerca de dois terços da economia mundial, não se sabe exactamente em que economia mundial Welteke estaria a pensar.

Welteke está esperançado na subida do índice de confiança dos empresários, que teria atingido um máximo em Novembro, tendo em conta os últimos 3 anos. Aliás, julgo que aquelas declarações se destinam mais a consolidar essa confiança do que a exprimir uma convicção baseada em factos concretos.

Se for esse o caso, Welteke não faz mais do que a obrigação de alguém que está na gestão de uma autoridade monetária. Os agentes económicos tomam as suas decisões baseados em expectativas e se essas expectativas forem optimistas poderão tomar decisões sobre a produção, investimento e emprego que sejam benéficas para a dinamização da economia. Welteke faz bem em criar confiança nos agentes económicos.

Todavia esse aumento da confiança dos empresários alemães está relacionado com a aprovação do programa de corte de impostos e das leis que reduzem os subsídios de desemprego e facilitam os despedimentos. Leis levadas ao parlamento pelo socialista Gerhard Schroeder, apesar da existência actual, na Alemanha, de uma elevada taxa de desemprego. Leis bastante mais ousadas que as do governo de centro-direita português que, apesar da sua timidez, têm sido consideradas uma “ofensiva selvática” da direita, pelos sindicatos, e levado à maior das exaltações o grupo parlamentar socialista, afinal pertencente à mesma família política do SPD de Gerhard Schroeder.

Se estas medidas e o aumento actual da confiança permitirem à economia alemã sair da recessão, ela poderá arrastar outras economias europeias, nomeadamente a portuguesa e, em simultâneo, aumentar a produção europeia em termos reais, reforçando o seu aumento em termos nominais, dada a valorização do euro face ao dólar.

Se isso acontecer (e este “se” está carregado de interrogações) e tendo em conta a falta de atractividade actual da economia americana para colocação de capitais vindos do exterior, em face do défice e do descontrolo das contas externas americanas, a União Europeia poderá tornar-se cada vez mais atractiva para esses fluxos financeiros. Esses capitais poderão dinamizar a modernização tecnológica e aumentar a competitividade da economia europeia. Haveria um efeito iterativo.

Mas para que esse processo seja sustentado não bastam as actuais boas expectativas dos empresários de Welteke. A confiança é um importante activo económico, mas é um activo incorpóreo. Sem acções que fortaleçam a economia europeia essa confiança não é sustentável a médio prazo. Esse clima de maior confiança poderá servir de arranque, mas há muito a fazer para reajustar a economia europeia face aos desafios que a esperam.

E no que respeita a Portugal, nem se fala. Nós continuamos a ser o parente pobre não apenas em riqueza mas, sobretudo, em capacidade de tomar as decisões adequadas. Resta-nos o papel daqueles pequenos canídeos que se vêem atrelados ao eixo da carroça, nas aldeias do interior, obrigados a seguir o andamento e a direcção da carroça. Espera-se apenas que a trela não se quebre, senão perdemo-nos da Europa.

Publicado por Joana às dezembro 19, 2003 08:10 PM

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Comentários

(...)
Nós continuamos a ser o parente pobre não apenas em riqueza mas, sobretudo, em capacidade de tomar as decisões adequadas.
(...)

Cara Joana,

O alinhamento ao lado da França e da Alemanha pelo incumprimento do PEC vem demonstrar , não só que a trela está segura, como também de que foi a decisão adquada.

Para quem, como Portugal, depende da Alemanha para a sobrevivência das suas exportações, "a trela" é a sobrevivência.

Por isso, a escolha naquela votação foi a adquada embora isso possa desagradar a muita gente.

Publicado por: re-tombola às dezembro 19, 2003 08:21 PM

re-tombola em dezembro 19, 2003 08:21 PM
Estou de acordo consigo sobre a forma como o governo português dirimiu a questão do incumprimento do PEC pela França e Alemanha.

Todavia, quando eu falava de decisões adequadas referia-me ao plano interno. Reforma urgente e profunda da administração pública, incluindo a desburocratização do seu funcionamento, implementação de medidas que dinamizem o tecido empresarial português, forte aposta na qualificação profissional, que é a maior carência do sistema educativo português, etc., etc..

E não esta economia de merceeiro, que embora melhor que a economia do desperdício, não tem estratégia, nem chama.

Publicado por: Joana às dezembro 19, 2003 09:39 PM


Cara Joana,

"Reforma urgente e profunda da administração pública, incluindo a desburocratização do seu funcionamento" ?????????????

Como????

Aqui há alguns anos atrás, quando ainda era produtivo, dei comigo a participar num evento da Missão para a Sociedade da Informação.

Após uma "never ending story" acerca das capacidades e utilidades das novas tecnologias no âmbito da internet, o Presidente da dita Missão virou-se para a assistência e elegeu como exemplo da aquisição extrema a possibilidade de se poder solicitar uma certidão de nascimento usando o e-mail.

Todos os presentes ficaram maravilhados com essa maravilhosa possibilidade.

Todos? Bem, todos menos eu que, distraído como sou, pedi a palavra (que termo lindo!) e perguntei:

- "Será que me pode explicar para que serve uma Certidão de Nascimento numa sociedade tão perfeita como aquela a que teimamos julgar pertencer?"

Escusado será dizer que o sorriso amarelo do Sr. Presidente foi mais que esclarecedor.

A burocracia é a essência do Estado e é, a meu ver, in-reformável.

Senão, que dizer de uma Certdão de Óbito, que em Portugal tem o prazo legal de três meses de validade?

Será que os mortos ressuscitam?

Como se poderá pedir uma reforma da Administração Pública enquanto os legisladores continuarem a legislar contra a própria reforma?

Porque razão terei eu que apresentar 5 ou 10 documentos originais em 5 ou 10 diferentes departamentos do Estado ao tratar do mesmo assunto em todos eles?

Será que os Estado desconfia dele mesmo e, por isso, me obriga a apresentar esses 5 ou 10 documentos nesses outros 5 ou 10 departamentos?

Mas,adiante e passemos à "forte aposta na qualificação profissional"...

Quando a aposta na qualificação profissional termina na idade dos 25 anos (imposta pelas contribuições da UE), que dizer?

Num país como o nosso, que envelhece a cada dia que passa, aceitar que a qualificação profissional só possa acontecer até aos 25 anos só tem um sinónimo (embora um professor meu me tenha dito que a língua portuguesa é tão rica que não admite sinónomos): suicídio!

Publicado por: re-tombola às dezembro 20, 2003 05:11 AM


Glup!

Faltou-me opinar sobre a "implementação de medidas que dinamizem o tecido empresarial português".

Depois da conquista do Santo Graal por parte de Bagão Felix que outras mais medidas ainda serão precisas?

Afinal onde pára o "menos Estado" motor da tal Economia desejável dos liberais?

Pelo menos, Milton Friedman era mais honesto que Bagão Felix ao afirmar que os rendimentos mais elevados são considerados como uma recompensa por se terem tomado riscos.

Com a lei de trabalho de Felix e onde estão os riscos?

Publicado por: re-tombola às dezembro 20, 2003 07:47 AM

Caro re-tombola:

pelos vistos estou em boa companhia - a do Milton Friedman, nem menos - quando digo que o salário é a retribuição do trabalho e o lucro a retribuição do risco.

Mas que dizer quando o Bagão Félix transfere o risco para os trabalhaddores? Num cenário em que os trabalhadores fornecem o trabalho e correm os riscos, o lucro é a contrapartida de quê?

Publicado por: Zé Luiz às janeiro 6, 2004 11:03 PM

Zé Luiz:
Eu julgava que o lucro fosse a remuneração do capital investido. É claro que nessa remuneração está, normalmente, incluído um prémio de risco, o que é usual. Os spreads bancários, por exemplo, aumentam com o risco.

Verifico agora que os factores de produção, em vez de serem o capital e o trabalho, são o risco e o trabalho. Afinal, não há capital - edifício, máquinas, equipamentos e mobiliário, matérias primas. Os trabalhadores fazem “luftarbeit” e os empresários correm riscos ... por exemplo são trapezistas.

O capitalismo ... acabou.

Publicado por: Joana às janeiro 6, 2004 11:43 PM

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