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outubro 25, 2003

Quando os caçadores são as presas

O PR abriu, com a sua alocução, a caça ao PGR. O bastonário da Ordem dos Advogados foi incisivo a disparar a primeira salva: “Ou o senhor procurador-geral da República põe termo a isto ou alguém tem de pôr termo ao senhor procurador-geral da República”. Esta frase, na Chicago dos anos 20, não teria qualquer ambiguidade. Nem na Chicago dos anos 20, nem na Lisboa do início do 3º milénio. Os ânimos agitaram-se nas tertúlias. Esperou-se que se derramasse sangue. Entreviam-se Fords T com meliantes dependurados, rostos façanhudos, de chapéu de coco e metralhadoras crepitantes, entre o Rato e S. Mamede

Mas, após os primeiros momentos em que a cabeça quente afecta o raciocínio, começa a sentir-se a necessidade de se ser mais comedido. O próprio Souto Moura ajudou a esse comedimento ao enviar uma carta a Júdice lembrando-lhe a necessidade de moderar a linguagem.

O bastonário da Ordem dos Advogados, apercebendo-se dos contornos da situação em que se colocara, apressou-se a declarar que “como é óbvio, não pedi, não exigi, não ultimei, não fiz nada que possa ser interpretado como não querendo que o PGR continue”. Obviamente, não. Quem lesse a anterior mensagem, literalmente, deduziria, sem ambiguidades, que o bastonário da Ordem dos Advogados apenas quereria que o PGR fosse eliminado, que acabassem com ele. Nada de demissões ... apenas a liquidação física.

Os ânimos continuaram entretanto agitados: Anunciou-se que o PR iria receber o PGR. Perspectivava-se uma luta sanguinolenta, com o PGR a sair, cambaleando, com uma adaga cravada até aos copos, bem funda, no seu ego, enquanto na mão, tremelicando, um papel amarfanhado com a ominosa demissão escrita a sangue.

Afinal, após uma longa conversa de 40 minutos, Sampaio aparece a acompanhar Souto Moura até à saída do Palácio de Belém, no que foi descrito como um gesto de cortesia inédito.

Um dos erros em política é tomar os desejos por realidade ou, como diriam os clássicos, tomar a nuvem por Juno.

O que transparece claramente é que deve haver muita sujeira no que se refere à forma como a classe política geriu este processo durante aqueles dias horribilis. O que é normal, para quem conheça os hábitos portugueses. Todos se conhecem, bebem as bicas nos mesmos sítios e, quando fora do hemiciclo, quer nos Passos Perdidos, quer em outros passos quaisquer, são todos amigos e fazem-se mutuamente pequenos (e às vezes bem grandes) favores. E isto é um fenómeno que percorre transversalmente a classe política. Não é apenas apor o visto no requerimento da filha de um colega. Não é só um fenómeno intrapartidário, mas também interpartidário.

O Ministério Público deve ter em poder dele, no que toca ao processo Casa Pia, bastante material que indicia pequenas (e porventura grandes) acções de tráfico de influências, em que todos devem ter estado envolvidos, uns de uma forma mais activa, outros de uma forma mais passiva. A um amigo, dificilmente se recusa um pequeno favor …

E o PGR, com o seu perfil baixo e a sua fraca apetência comunicativa, é quem tem actualmente mais poder. Um poder que a lei o inibe de usar, mas que não deixa de ser um poder. É um poder potencial.

Publicado por Joana às outubro 25, 2003 12:00 AM

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Comentários

Muito bem observado

Publicado por: casimiro às outubro 28, 2003 07:01 PM

Está muito bem visto. O Sampaio andava a mandar bocas, mas quando viu onde estava metido, calou-se.
E o bastonário passou a achar o PGR um tipo de grande nível.

Publicado por: anonimo às novembro 1, 2003 10:33 PM

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Quando o PR está calado, é porque está calado.
Quando fala é porque não diz nada.
Se diz qualquer coisa, por acidente, é porque devia estar calado.
O ofício de Presidente é mesmo chato!

Publicado por: KK às novembro 5, 2003 10:35 PM

Você não cite os clássicos, senão tem o inimigo dos intelectuais da treta à perna.

Publicado por: anonimo às novembro 23, 2003 03:41 PM

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