O objectivo da contenção da despesa pública portuguesa é uma política absolutamente necessária. Os dados do relatório Banco de Portugal não nos podem levar a concluir que ela está errada. O que levam a concluir é que ela está a ser mal executada.
O governo actual não herdou apenas o défice orçamental. Herdou igualmente uma administração pública com excesso de pessoal e com salários muito acima dos salários a que corresponde uma igual produtividade no sector privado. É verdade que este é um problema que não é possível resolver em poucos meses, nem mesmo em poucos anos. Mas tem que ser resolvido.
Portanto a primeira prioridade do governo, juntamente com o congelamento parcial dos vencimentos da função pública, seria desencadear uma reforma profunda. Tem que haver procedimentos de qualidade, aferição de desempenho, reafectação e optimização de recursos e, em acréscimo e como corolário, flexibilização laboral e emagrecimento da função pública. Ora esta reforma deveria ter sido logo encetada. Ainda não se fez nada.
É certo que qualquer tentativa de reforma, por mais ligeira e inconsequente que seja, sofre a contestação generalizada de quem se sente inseguro. Empola-se tudo o que é controverso e ignora-se tudo o que é benéfico. Actualmente, governar o país é muito mais difícil do que há 7 anos. O governo guerrista facilitou, ou incentivou mesmo, a formação de grupos de interesses corporativos avessos a qualquer mudança. Qualquer pedra em que se mexa surgem clamores indignados de todos os pequenos interesses instalados.
Cortou-se à toa na despesa pública. Ora numa época em que a economia mundial está em recessão, a despesa pública no que respeita ao investimento em obras públicas poderia concorrer para travar os efeitos da recessão. Um dos investimentos prioritários seria justamente os comparticipados pelos fundos estruturais, pagos em cerca de 50% pela UE. Ora a execução orçamental relativamente aos fundos disponíveis andará pelos 30%, o que diz da inépcia das autoridades nesta matéria. Como escrevi em 30-10-03, “Neste entendimento, a actual situação no Ministério do Ambiente é um caos, onde as candidaturas andam entre Cila e Caribdes e não são despachadas.” Não sei se será do ministro actual, pessoalmente muito simpático, mas que não aparenta ter nem dinamismo, nem capacidade de liderança, ou se de instruções emanadas do Ministério das Finanças.
O corte da despesa pública teve todavia um efeito benéfico. Houve uma forte quebra da procura interna, que foi parcialmente compensada pelo aumento das exportações (procura externa), esta conjugação de factores levou a um maior equilíbrio da Balança de Pagamentos (que passou de cerca de –9% do PIB em 2001 para uma estimativa de –2,5% em 2003) e, portanto, a uma situação mais saudável da economia portuguesa. O facto de, com a crise internacional, as nossas exportações terem um aumento significativo, é um bom sinal.
Mas esse desiderato teria sido conseguido mesmo sem o corte injustificado em certos investimentos públicos, visto esses investimentos irem gerar receitas fiscais (principalmente IVA., mas também IRS, IRC e outros) e serem pagos em cerca de metade pela UE. Provavelmente teria concorrido para melhorar as contas públicas, pois ainda haveria a acrescentar as externalidades geradas por aqueles projectos e os efeitos induzidos no restante tecido económico.
Os cortes à toa na despesa pública conduziram a uma diminuição acentuada das receitas do erário público e à manutenção de um défice orçamental excessivo. A Ministra é uma boa controladora, mas uma péssima gestora, absolutamente destituída de qualquer imaginação e pensamento estratégico.
O que tem faltado, e era imperativo que houvesse, é uma política dinâmica incentivadora do nosso aparelho produtivo, com relevância nos sectores exportadores, nomeadamente aqueles mais capazes de competirem internacionalmente, visto alguns dos nossos sectores exportadores tradicionais serem de baixo valor acrescentado e só se manterem à custa de baixos salários. Mas para tal era preciso uma política ágil baseada numa administração pública eficiente e desburocratizada, que é justamente o que não existe e que deveria ser o sector prioritário nas reformas que o governo deveria fazer.
Como escrevi anteriormente, o governo assemelha-se ao gestor de uma empresa em dificuldades de tesouraria que decide cortar draconianamente os custos: controla o relatório do relógio de ponto, as imputações de horas aos trabalhos, as requisições para fornecimentos, a facturação, as cobranças e trabalha 24 horas por dia a esquadrinhar os papéis todos. É um trabalho de grande utilidade. Apenas falta a estratégia da organização e dinamização do aparelho produtivo da empresa e a estratégia de marketing para a necessária adequação às realidades do mercado. E essas falhas podem ser mortíferas, por muita contenção de despesa que haja. Falta ao governo capacidade estratégica para um desenvolvimento sustentado da economia portuguesa. Não falta apenas ao governo. Falta ainda mais à oposição e falta, infelizmente, o que é muito preocupante, ao tecido empresarial português, embora haja alguns exemplos, já numerosos, que esta situação se pode inverter. Mas para tal acontecer é vital a desburocratização do Estado e acabar com a ineficiência da administração pública.
Pois é,minha cara JOANA II ou Principe Perfeito!
Aquele periodo dos boys nos jobs pago-os eu e outros como eu.
Quantos foram? 150.00?
Agora tenho de ser solidário "à força".
Os meus impostos estão na grelha dos 40%.
Garanto-lhe que engulo em seco.
A tabela dos salários dos professores de português no estrangeiro não é mexida,desde 1999.
Acha que devo continuar a engolir em seco,sendo eu Presidente do Sindicato dos Professores nas Comunidades Lusiadas?
Mantenho a "malta" sossegada e feliz ou agito as águas?
Afixado por: ZEUS 8441 em novembro 20, 2003 11:23 PMFaça greve ... e aproveite a 6ª feira, que é dia normalmente escolhido pelos sindicatos ligados à função pública para fazerem greve, ou que mostra a perversidade de algumas formas de "luta"
Afixado por: Joana em novembro 20, 2003 11:28 PM
"Manuela Ferreira Leite diz que está obcecada pelo défice. Estamos em condições para afirmar que o défice também está obcecado com Manuela Ferreira Leite. Não a larga."
in bernabé
Há mulheres que usam a perfidia igualmente.
São formas "perversas" de aconselhamento.
Muito agradecido,como diria o Solnado!
Afixado por: ZEUS8441 em novembro 21, 2003 12:09 AMEste artigo é muito mais lúcido e rigoroso que o jornalismo barato do Lima.
Excelente Joana
Estou de acordo. O artigo do Lima não tem nível nenhum. Parece conversa de café
Afixado por: domino em novembro 21, 2003 10:24 AMBom texto, Joana. Julgo que não vale a pena acrescentar mais. Simples, porque a blogoesfera não é para grandes dissertações, mas dizendo o essencial
Afixado por: L M em novembro 21, 2003 02:27 PMAinda outra coisa:
O seu blog tem, de longe, mais nível do que o Expresso online, no que se refere aos artigos a comentar. Apenas falta o hábito do pessoal com mais nível do online vir aqui fazer comentários.
Este formato também não ajuda muito.
Finalmente leio uma análise acertada sobre esta Ministra das Finanças.
O Déficit é essencialmente um problema de 'modus vivendi' nacional que tem de se alterar com os anos.
Para mais, logo que a economia retomar o seu crescimento, o déficit, o famoso déficit, descerá naturalmente, para menos de 3%.
Parabéns
Afixado por: André em novembro 21, 2003 04:33 PMTambém concordo contigo, Joana.
Os objectivos gerais da política estão certos, mas a ministra não passa de uma controladora. Mulher enérgica e de ferro, mas sem capacidade estratégica.
Para fazer uma verdadeira reforma na Administração Pública, o Governo teria de preferir os profissionais aos funcionários.
Ora o poder, em Portugal, não gosta de ter profissionais ao seu serviço: são uns chatos, sempre com a mania dos procedimentos tecnicamente correctos, da deontologia, dos objectivos, do serviço ao cliente e dessas tretas todas...
Os funcionários, por outro lado, são dóceis, não têm outro objectivo que não seja agradar ao chefe, outro zelo que não seja cumprir os regulamentos, outro conhecimento que não seja o das malhas emaranhadas da legislação.
Por isso se funcionarizaram os professores (eu sou do tempo em que a maior parte ainda eram profissionais) e se estão a funcionarizar os médicos.
Todo o discurso político actual aponta para a necessidade de profissionalizar os funcionários; quanto quer a minha cara Princesa Perfeita apostar que o que na prática se vai fazer é funcionarizar ainda mais os profissionais que restam?
Há diversos tipos de fp: professores, serviço de saúde, etc. Têm problemas diferentes
Afixado por: Gros em novembro 29, 2003 11:27 AM