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agosto 21, 2005

Conselhos Bolsistas

Sempre encarei a blogosfera como um serviço público. Como o país político está de férias, que é normalmente a época alta da classe política, por ser a época em que faz menos disparates, em vez de estar aqui a polemizar contra o governo e a maioria dos comentadores deste blog, vou utilizar este fim de tarde dominical para deixar aqui conselhos que considero úteis e pertinentes sobre a forma de aplicação das vossas poupanças na Bolsa.

Prever subidas ou descidas de valores das acções é uma tarefa teoricamente simples, mas complicada na prática. Em teoria, o valor actual de uma acção é a soma do valor actualizado dos dividendos expectáveis com o valor de venda esperado no fim do período de detenção da acção, igualmente actualizado. Matematicamente simples. O problema é prever estes valores.

Calcular o valor actual da empresa e determinar se as acções estão subavaliadas não colhe. Por exemplo, nos processos de privatização, o Estado português concedia benefícios fiscais. Qualquer analista diria que essas acções, compradas com esses benefícios, seriam uma pechincha. O problema é que, a seguir, o governo nomeava gestores desastrados que, em um ou dois anos, provocavam a queda do valor das acções de modo que os benefícios fiscais obtidos fossem absorvidos. Os economistas asseguram que as transacções trazem vantagens a todos, optimizando o bem-estar social. O Estado português conseguia que a transacção daquelas acções se fizesse com prejuízo de todos: o Estado, que não recebia o montante dos benefícios fiscais, e as famílias, que ficavam com um saldo negativo na operação.

Todavia há um conceito que resolve tudo: a hipótese dos mercados eficientes. As bolsas são seguidas por milhares de corretores, gestores de fundos de investimento, etc. A tarefa destes peritos bolsistas é comprarem acções quando o preço está abaixo do valor real, e venderem-nas quando o preço ultrapassa aquele valor. Ou seja, a assimetria da informação, um dos problemas que distorcem a concorrência numa economia de mercado, não existe aqui. As cotações nas bolsas devem reflectir, em cada instante, o valor de equilíbrio de mercado. Quando um comentador da área económica diz, na TV ou nos jornais, que uma dada acção está subavaliada, o que ele realmente está a dizer é que, na opinião dele (dele, ou que lhe pediram para ele transmitir), essas acções devem subir. O busílis é que o preço de mercado é formado a partir da opinião de todos os participantes na transacção e não apenas a partir da opinião dele. Aliás, se ele estivesse realmente convencido disso, não estaria a anunciá-lo publicamente, mas estaria cheio de afã a comprar essas acções, sigilosamente, antes que a procura aumentasse e o preço subisse. Portanto, não lhe liguem nenhuma!

Ora isto significa que qualquer acção, num dado instante, tem uma probabilidade de descer igual à de subir. Se, por exemplo, a probabilidade de subir fosse superior, haveria ordens de aquisição que levariam imediatamente o valor ao preço em que as probabilidades de variação em sentidos opostos fossem iguais. O valor de uma acção depende da percepção que o mercado tem do valor da empresa. Se amanhã se alterar, é porque surgiram entretanto notícias que modificam aquela percepção. Mas enquanto não surgem essas notícias, elas são imprevisíveis (a menos que haja inside trading), e quando o mercado sabe delas, ajusta-se imediatamente.

Portanto, os preços das acções, numa bolsa a funcionar em termos, reflectem todas as informações disponíveis, em cada instante. Mesmo que o valor de algumas acções reflicta um optimismo “irracional”, é assim que o mercado está a percepcionar o valor da empresa e a probabilidade de ocorrerem variações num ou noutro sentido é idêntica (a menos que um primeiro ministro ou o presidente de um banco central venha à TV dizer que as acções estão com um valor especulativo, pois nesse caso o melhor é venderem imediatamente as acções todas e aplicarem o produto da venda em obrigações e depósitos a prazo).

Portanto peguem na folha de cotações da bolsa, e numerem as empresas. Recortem quadradinhos de papel e escrevam, em cada um, um número sequencialmente. Dobrem em quatro e metam num receptáculo. Chocalhem. Agitem várias vezes. Metam a mão no receptáculo e retirem um dos papéis dobrados. Vejam o número. Cotejem esse número com a numeração que fizeram na página das cotações do jornal. Comprem acções dessa empresa.

Talvez seja preferível diversificar e distribuir as vossas poupanças por acções de mais empresas. Retirem mais 3 ou 4 papéis e comprem igualmente acções dessas empresas.

Uma última sugestão. Não façam transacções muito frequentes. Não é por desconfiança deste método, longe disso – apenas está provado estatisticamente que, quanto mais frequentes são as transacções, menor é o ganho a longo prazo.

Evidentemente que há uma diferença entre este método, e o de utilizarem os serviços de um corrector: poupam o valor da comissão.

Publicado por Joana às agosto 21, 2005 06:52 PM

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Comentários

Vou aproveitar as sugestões da Joana para reler o Saul Bellow (Seize the Day - Agarra o Dia)...

Publicado por: Vítor às agosto 21, 2005 07:01 PM

...enquanto continuo à espera dos impolutos e "impolutáveis(?)"...

Publicado por: Vítor às agosto 21, 2005 07:02 PM

Fiquei sem saber se devo ou não vender já as minhas acções da PT e da EDP. Não são muitas, mas se calhar não vale a pena segurá-las. Ou vale?

Publicado por: Senaqueribe às agosto 21, 2005 07:10 PM

Eu já seguia um processo semelhante. Só não sabia que tinha suporte teórico.

Publicado por: Coruja às agosto 21, 2005 08:37 PM

Senaqueribe às agosto 21, 2005 07:10 PM:
Parece simples. Basta lançar os dados.

Publicado por: Coruja às agosto 21, 2005 08:40 PM

Sabe-se lá se os corretores também não tomam as decisões sobre comprar e vender lançando os dados?

Publicado por: Diana às agosto 21, 2005 09:52 PM

Tomar decisões à sorte vem desde a antiguidade. Não foi César que disse, ao entrar em Itália que "os dados estão lançados"?

Publicado por: David às agosto 21, 2005 10:32 PM

Muitas das decisões que os nossos governos têm tomado, também devem ter sido à sorte.
Só que ainda não havia uma teoria sobre isso.

Publicado por: David às agosto 21, 2005 10:34 PM

É a épca alta dos políticos, mas não deveria ser, com tudo a arder.
Mas vistas as coisas, também não sei o que eles fariam cá. Mandar bocas como o Sampaio, que está cada vez mais patareco.
Apelar às empresas para não porem entraves aos bombeiros voluntários e esquecer-se que os bombeiros profissionais continuam sossegados nos quarteis, pois ninguém os chama.

Publicado por: David às agosto 21, 2005 10:40 PM

"gato por lebre", é o que é !

Publicado por: zippiz às agosto 21, 2005 11:00 PM

Parece que os bombeiros profissionais não são competentes. Só os amadores é que sabem apagar fogos.

Publicado por: Bsotto às agosto 21, 2005 11:17 PM

Essa história dos bombeiros profissionais estarem parados é uma história mal contada

Publicado por: Ramiro às agosto 21, 2005 11:35 PM

E o que é incrível é eles estarem parados há anos e só agora se saber disso.
A quantidade de incêndios florstais que houve nos ´ltimos 10 ou 15 anos e nunca se falou disso.

Publicado por: Ramiro às agosto 21, 2005 11:37 PM

Estas coisas das disfunções do Estado vão-se sabendo pouco a pouco. E só se sabem quando a há ocorrências de tal maneira graves que há alguém que põe a boca no trombone.
O que nos falta ainda saber?

Publicado por: Ramiro às agosto 21, 2005 11:40 PM

Não, quem disse a frase foi o consul honorário da Guiné em Portugal, mas parece que os dados estão viciados.

Publicado por: carlos alberto às agosto 22, 2005 12:18 AM

Ahh, as minhas poupanças ...
Vão para debaixo do colchão e todos os meses troco euros por dólares. Pois é bébé ...

Publicado por: asdrubal às agosto 22, 2005 01:57 AM

Parece interessante e vê-se que sabe da arte.
Também já li coisas iguais ao que diz nos folhetos que os bancos mandam para casa.

Publicado por: Silvestre às agosto 22, 2005 02:17 AM

Pertenço aquele grupo de pessoas que iludidas pelo aparente bom desempenho do BCP, não cuidaram da assimetria de informação que rege os mercados e comprou, ha alguns anos atrás, acções deste grupo financeiro e hoje constata uma menos valia de cerca de 40%. Mesmo com uma carteira diversificada é preciso que os outros títulos tenham um desempenho notável para compensar este descalabro.

Conclusão: em Portugal - um mercado com pouca liqidez e falta de transparência - o chamado "capitalismo popular" é um logro.

Publicado por: Carlos às agosto 22, 2005 08:36 AM

Joana,

Quando escreve "Ora isto significa que qualquer acção, num dado instante, tem uma probabilidade de descer igual à de subir. Se, por exemplo, a probabilidade de subir fosse superior, haveria ordens de aquisição que levariam imediatamente o valor ao preço em que as probabilidades de variação em sentidos opostos fossem iguais.", parece-me que está a retirar uma conclusão pouco abonadora do mercado...

Se assim fosse, não existiria o que na literatura se chama o puzzle do prémio de risco, que coloca em cerca de 6% o acréscimo de valorização real obtida com as acções, por comparação com as obrigações de dívida pública.

Portanto, pese embora "ajustamentos" cíclicos do mercado, ele oferece uma probabilidade de ganho superior à de perda. Acontece é que, de título para título, valores esperados mais elevados de ganhos aparecem associados a riscos mais elevados, e portanto o mercado conhece equilíbrio.

Claro que para minimizar o "risco específico" associado ao conselho da Joana, haverá vantagem em investir num número mais elevado de títulos, por exemplo, investindo num Fundo que replique o Eurostoxx50.

Publicado por: Fonseca às agosto 22, 2005 10:15 AM

O valor médio das acções cresce com a economia em geral, em termos nominais.

Publicado por: Novais de Paula às agosto 22, 2005 12:18 PM

Já que isto da blogosfera também é serviço público:
Para quem não tem tempo/paciência de ler Saul Bellow, recomendo a leitura do suplemento "Negócios" do JN de hoje, no qual é abordada a polémica que já aqui debatemos: a utilização da biomassa florestal para a produção de energia.
E, neste mesmo suplemento, a não perder:
- a investigação da indústria automóvel em mais mudanças, para poupar combustível. Será que não é "poupar no farelo e estragar na farinha"?
- escassez de área de vinha na região de "champagne". É o terroir - não há nada a fazer. E daí, com as mudanças climáticas em ritmo acelerado...

Publicado por: Vítor às agosto 22, 2005 02:01 PM

A minha próxima aquisição bolsista vai ser feita usando dados. Para quê estar a estudar os balanços das empresas? Tempo perdido.

Publicado por: Manel às agosto 22, 2005 02:17 PM

A Joana deve ter querido salientar o carácter aleatória da compra e venda de acções. É conhecido que, em média, as acções, a longo prazo, dão mais ganho que as obrigações e depósitos a prazo. Têm porém uma dispersão muito maior em relação àquele valor médio, o que lhes faz aumentar o risco.

Publicado por: Hector às agosto 22, 2005 04:05 PM

Queria escrever "aletório" e não "aleatória"

Publicado por: Hector às agosto 22, 2005 04:07 PM

Queria escrever "aletório" e não "aleatória"

Publicado por: Hector às agosto 22, 2005 04:07 PM

É pena que investir na bolsa seja o mesmo que jogar no casino. Só probabilidades e fé em deus.

Mas felizmente que esta forma de ver o mercado de capitais é óptima. Permite que tipos como Soros ou Buffett enriqueçam á custa de quem acredita em teorias simples, de puro random walk. O que é certo, se assim fosse, bastava comprar calls e esperar pela sorte.

Pois.

Joana dedique-se antes à teoria económica e deixe os conselhos bolsistas para quem os pode e é pago para os dar. :-)

Publicado por: anti-comuna às agosto 22, 2005 05:47 PM

Foi isso, Hector.

Publicado por: Joana às agosto 22, 2005 06:02 PM

A teoria dos Mercados Eficientes faz parte da Teoria Económica. A questão é que ela está em contradição com as teorias de estratégia bolsista.

Publicado por: Novais de Paula às agosto 22, 2005 07:01 PM

Se os especialistas da bolsa aceitassem aquela teoria, ia-se-lhe o negócio por água abaixo.

Publicado por: Novais de Paula às agosto 22, 2005 07:04 PM

Conselhos destes ...

Publicado por: Coiso às agosto 22, 2005 10:29 PM

É impressão minha ou a cara amiga Joana está a arder na PT??

Publicado por: incredulo às agosto 23, 2005 02:48 PM

Pois ... não usei os dados ... mas agora com o "share buy back" a coisa vai melhorar ...

Publicado por: Joana às agosto 23, 2005 06:21 PM

Acho que o melhor metodo é o o buffet, não se compram acções mas sim parcelas de empresas.
Não se compram expectativas de indices mas sim certezas na equipa de gestão.
Ou seja, compra acções como se fosses comprar a empresa e nunca compra tb apenas se tiveres confiança na equipa que gere a mesma.
E de longo prazo, as é rentavel e seguro. vejo como um tipo que vive no ohma consegue ser o 2 mais rico dos states! Existe apenas um problema; quais são essas empresas e esses gestores?

Publicado por: john às janeiro 6, 2006 10:27 PM

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