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abril 06, 2005

Perguntas o que o Estado pode fazer por ti?

Errado. A pergunta é: o que devo fazer pelo Estado? O que o Estado pretende de mim? Qual a minha utilidade para o Estado?
A nossa relação com o Estado é unívoca e de sujeitos passivos, como se exemplifica em seguida:

Tribute Bactrian.jpg
1) Sujeitos passivos procedendo à liquidação e pagamento do IRS. A segunda figura, comerciante em nome individual, vai sob custódia, pois havia alegado ter estado desocupado durante o exercício de 2004. O último preencheu a declaração G - Incrementos patrimoniais (o camelo ficou com mais uma bossa durante o exercício de 2004).

Tribute Syrian.jpg

2) Sujeitos passivos procedendo à liquidação e pagamento do IRC. A segunda figura, gerente de empresa em regime simplificado vai “liquidar-se” a ele próprio porque a colecta mínima é superior ao seu volume de negócios no ano. O último é um empresário têxtil do norte; veio de Ferrari porque, após entregar o modelo 22 com situação líquida negativa (quase tão negativa quanto o estado da fábrica), certificada por um TOC da família, vai abandonar o país a grande velocidade. Tribute Ionian.jpg Daqui a uma semana estará no Brasil, usufruindo os cash-flows gerados pela contabilidade criativa que tinha implementado na firma (a única inovação que fez durante a sua gestão) e vendo as reportagens da TVI, mostrando um armazém em ruínas, com equipamentos obsoletos, vigiados por turnos de trabalhadores determinados em que nem 1 Kg de sucata saia dali.

3) Sujeitos passivos procedendo à liquidação e pagamento do Imposto Automóvel (IA), Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), IVVA. – Imposto sobre a venda de veículos automóveis. São muitos e vieram a pé, porque tiveram que vender as viaturas, ou dá-las como dação em pagamento, para pagarem os impostos.
Tribute Gandarian.jpg
4) Sujeitos passivos procedendo à liquidação e pagamento do Imposto de Circulação (ICI) e do Imposto de Camionagem (ICA). Um deles trouxe o zebú, para tentar obter deduções pelo mau estado da viatura. Intenção frustrada, pois atrás dele já se encontram dois agentes de intervenção fiscal, armados e municiados, de forma a não permitirem a mínima evasão - nem dele, nem do zebú.

Tribute Armenian.jpg

5) Sujeitos passivos procedendo à liquidação e pagamento do Imposto sobre o tabaco e do Imposto Especial sobre o Consumo de Álcool e Bebidas Alcoólicas. São poucos porque o excesso de consumo liquidou os sujeitos passivos antes deles liquidarem o Imposto. O que vai atrás, titubeante, ainda traz uma ânfora cheia do precioso néctar.

6) Sujeitos passivos procedendo à liquidação e pagamento do Imposto Municipal sobre Transmissões de Imóveis (IMT) e Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI). Têm todos barretes enfiados até ao pescoço para fazerem crer à Administração Fiscal que os preços das transmissões foram muito inferiores aos valores do mercado e que estão em condições de pedir uma isenção por 10 anos do Imposto Municipal sobre Imóveis.
Tribute Saka.jpg
Indian Tribute.jpg

7) Este sujeito passivo é um ingénuo sem criatividade fiscal que foi vítima de um Imposto sobre as Mais-valias nas fusões e cisões, entradas de activos e permutas de acções.

Transporta o Activo e o Passivo aos ombros, na tentativa desesperada de convencer os funcionários fiscais que o balanço está equilibrado e não foram geradas mais valias.

Na sombra, perfila-se um agente de intervenção fiscal pesadamente armado, pronto a fazer a colecta coerciva.


8) Em baixo a fila de sujeitos passivos procedendo à liquidação e pagamento do Imposto sobre o valor acrescentado (IVA). A fila é muito extensa e a imagem só captou uma ínfima parte. Atrás vem um empresário de Braga que tem conseguido, há décadas, que o imposto devido pelo sujeito passivo seja sempre muito inferior ao devido pelo Estado, recebendo chorudos reembolsos. Por isso os seus sinais exteriores de riqueza.

Tribute Babylonian.jpg

9) Os sujeitos passivos que devem proceder ao pagamento de Licenças Camarárias, Taxa de Conservação de Esgotos, etc., ainda não chegaram, pois estão retidos há vários dias nos guichets camarários à espera de atendimento para obterem as guias de pagamento. Igualmente os sujeitos passivos das taxas de farolagem e balizagem andam perdidos na costa. Os sujeitos passivos do Imposto do Jogo foram para Macau em busca de melhores ares, depois de ouvirem o Miguel Portas e o Prado Coelho fazerem prédicas moralistas sobre o pecado do jogo, quando se falou do Casino no Parque Mayer.

Todos os sujeitos passivos se apresentaram munidos de documentos de quitação, certificando que têm pago o Imposto de Selo sempre que este é devido. Todos eles estavam igualmente munidos de declarações, válidas por 6 meses, de que não tinham dívidas à Segurança Social.

É esta a nossa relação com o Estado. É uma relação praticamente de sentido único. É uma prática de 3 mil anos que reeditamos com a nossa sábia ciência milenar.

Além de sermos sujeitos, temos a canga adicional de sermos necessariamente passivos.

Publicado por Joana às abril 6, 2005 09:47 PM

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Comentários

Brilhante este post... parabéns!

Publicado por: P Vieira às abril 6, 2005 09:31 PM

Agora as filas são muito mais extensas.
E há muito mais camelos.

Publicado por: Coruja às abril 6, 2005 10:34 PM

Excelente!

Um abraço,
Francisco Nunes

Publicado por: Planície Heróica às abril 6, 2005 11:51 PM

Qualquer dia há só gente a dizer bem deste blog. Parece que o PREC acabou.

Publicado por: Mario às abril 7, 2005 12:04 AM

É imperdível.
Foi assim que me conduziram até aqui.
Valeu a pena.
É assim que o vou divulgar.

Publicado por: Aníbal Pires às abril 7, 2005 02:00 AM

Muito bem, Joana. Fartei-me de rir.

Agora só faltava, para compôr o quadro, adicionar umas bombas a rebentar, matando grande número destes sujeitos passivos, e uns soldados americanos a arrebanhar a esmo alguns dos sujeitos passivos para os aprisionar, quem sabe torturar, no Arquipélago Guantánamo.

Publicado por: Luís Lavoura às abril 7, 2005 09:49 AM

Pois é, todos somos tributários do poderoso Moloch

Publicado por: Hector às abril 7, 2005 09:51 AM

Luís Lavoura às abril 7, 2005 09:49 AM:
Não vejo bem a relação entre os sujeitos passivos portugueses no acto tributário e a base de Guantanamo.
Mas se me assegura que há, passarei a evitar as repartições fiscais.

Publicado por: Joana às abril 7, 2005 01:00 PM

Oh Joana, então você põe-me no post uma data de sujeitos passivos babilónicos, mesopotâmicos, e não vê a relação disso com Guantánamo, Abu Ghraib, enfim, todo esse arquipélago?

Publicado por: Luís Lavoura às abril 7, 2005 02:39 PM

FOSCA-SE NUNCA PENSEI!

Publicado por: JOSÉ às abril 7, 2005 03:19 PM

Sim, Guantánamo é mesmo a pior situação de violação de direitos humanos que temos no mundo...

Tamanha hipocrisia...

Assim se lavam os pecados de tantos regismes sangrentos por esse mundo, desviando os olhares para onde os media chegam facilmente.

Publicado por: Mário às abril 7, 2005 04:56 PM

Está óptimo. Estamos como se estava no tempo do Rei dos reis

Publicado por: Juca às abril 7, 2005 11:47 PM

faltaram as taxas moderadoras da saúde, os impostos de selo, as alfandegas, todos e mais alguns emolumentos criados pelos serviços públicos, as taxas municipais de água e saneamento (mesmo que nem todas as habitações as tenham), os impostos sobre os furos, enfim, há uma panóplia que apesar da extensa dissertação sobre a passividade dos sujeitos e das relações unívocas que ficaram por mencionar, porém acredito que o tratamento exaustivo das mesmas pouco ou nada acrescentaria a um post brilhante ... Eu só gostava que o estado fizesse uma coisa por mim, não me roubasse tanto ...

Publicado por: bcool às abril 8, 2005 12:48 AM

bcool em abril 8, 2005 12:48 AM: Não referi as tarifas da água, saneamento e RSU porque são contrapartidas de prestações pagas pelos consumidores ou utentes. A Taxa de saneamento é outra coisa e é paga pelo proprietário do imóvel.

Publicado por: Joana às abril 8, 2005 01:27 AM

Luís Lavoura às abril 7, 2005 02:39 PM: Aqueles sujeitos passivos são portugueses petrificados sob a forma de súbditos do Rei dos Reis. Só os últimos são babilónios. Há jónios (Ásia Menor), arménios e sírios. Os restantes são da Ásia Central, excepto o Indiano.
Ficaram petrificados depois de verem o aviso de liquidação.

Publicado por: Joana às abril 8, 2005 10:21 AM

O Estado é um parasita. Rouba aos que trabalham para dar aos outros

Publicado por: rudy às abril 8, 2005 03:54 PM

Eu não falei nas tarifas de água, eu falei nos impostos que são cobrados juntamente com a tarifa da água (por exemplo uma coisa chamada quota de serviço, outra chamada taxa de drenagem, a taxa de tratamento e a taxa de resíduos sólidos, que fazem com que quem paga pouco de água, acabe por pagar mais pelas taxas acessórias, do que pela água consumida), sem falar na abstrusa taxa de rádio/televisão cobrada na factura da luz

Publicado por: bcool às abril 8, 2005 10:32 PM

A verdade é que estas taxas nada têm a ver com o consumo/utilização dos referidos serviços. Aliás a falta de qualquer ligação entre o que as pessoas consomem e os custos associados à construção, exploração e manutenção, fazem com que as infra-estruturas de distribuição d eágua e de resíduos sejam obsoletas e estejam permanentemente em obras nas áreas urbanas, mas não deizxando de serem ineficientes, e estejam paticamente decadentes nas áreas rurais ... Resultado, todos temos maus serviços, todos pagamos impostos para suportar os permanentes remendos e quem utiliza não paga verdadeiramente o que usa ...

Publicado por: bcool às abril 8, 2005 10:37 PM

bcool em abril 8, 2005 10:32 PM:
As tarifas do lixo têm que ser cobradas juntamente com as da água, porque senão poucos a pagavam. Você pode cortar a água. Não pode cortar a recolha e tratamento do lixo a um utente. E o mesmo sucede com os esgotos domésticos.
O contencioso não colhe porque o preço das cobranças coercivas seria incalculável.
Você pode queixar-se que os serviços são deficientes, mas isso é outra história.
Mas pagar e ser mal servido acontece com as companhias majestáticas - água, telefones, electricidade, gás, etc.

Publicado por: Joana às abril 8, 2005 11:47 PM

Gostará de saber que a sua fama expande-se:

http://impertinencias.blogspot.com/

Publicado por: carlos alberto às abril 9, 2005 01:00 AM

genial! fiquei fâ e amanhã estou cá outra vez. Parabéns Joana

Publicado por: rui moreira às abril 10, 2005 03:56 AM

A questão é que nos telefones e no gás, bem como na net, pode-se optar ... Daqui a alguns meses, também se poderá vir a fazer na energia ... Quanto às águas e ao saneamento, que na maioria do país é assegurado pelas câmaras, quando o é, pois em portugal ainda existem muitas habitações sem água canalizada, nem esgotos, e não estão dispostas a abdicar desse monopólio público altamente ineficiente onde albergam milhares de funcionários em empregos sociais que nenhuma preocupação têm com o serviço ao consumidor ...

Publicado por: bcool às abril 13, 2005 11:22 PM

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