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março 14, 2005
O Espectro Neoliberal 2
A importância de Hayek foi ter-se apercebido que o Rei vai nú, numa época em que ninguém punha em causa que ele estaria soberbamente vestido, uns com o traje Keynesiano, outros pelo figurino comunista. Os excessos de Hayek são porventura datados, porquanto são uma resposta ao dogmatismo colectivista do comunismo soviético, ao totalitarismo da organização económica nazi e ao racionalismo construtivista da criação ex nihilo de sociedades perfeitas, que os Prometeus do século XX nos anunciavam que construiriam.
Hayek na sua iconoclasia face aos ícones colectivistas ou do Estado Providência, foi liminar: O salário mínimo é um absurdo que impede a mobilidade de trabalho, reduz a produtividade e o nível de vida da colectividade. O imposto progressivo perturba a afectação óptima dos recursos, pois o imposto deve ser proporcional, afim de salvaguardar a sua neutralidade. O Estado-Providência produz efeitos perversos pois a socialização da economia que o acompanha não pode, por definição, ir a par com a realização do óptimo de Pareto. A intervenção estatal, que pretenda ir além da formulação de regras gerais, não passa de um crime contra a economia, porquanto limita a prosperidade e faz da justiça social uma caricatura.
Durante as 3 gloriosas décadas, em que a Europa prosperou, beneficiando de uma conjuntura única, Hayek não passou de um iconoclasta apenas apto para prelecções académicas.
Foi preciso chegar ao fim dos anos 70, quando o estatismo ultrapassou os limites do razoável e as economias ocidentais entraram em desaceleração, para se começar a escutar Hayek e a reverenciá-lo. A Grã-Bretanha, depois das receitas trabalhistas do após guerra, foi o laboratório onde se verificou, na prática, como se poderia estagnar uma economia a partir de uma alta intervenção do Estado e dos sindicatos. A Grã-Bretanha tinha perdido terreno considerável face ao continente europeu. No final da década de 70, com a eleição de Margaret Thatcher, esta diminuiu drasticamente a intervenção estatal na economia, o que permitiu gerar riqueza, empregos e desenvolvimento. Ironicamente para o pensamento socialista, a economia britânica gerou uma maior justiça social, distribuindo mais riqueza sem interferência do governo, do que até então. É certo que a Grã-Bretanha nunca recuperou totalmente, mas tornou-se, apesar de tudo, numa economia mais dinâmica e saudável que as suas congéneres alemã e francesa.
Para os que o diabolizam, o neoliberalismo é a principal causa da exclusão social do mundo, aparecendo nas Bíblias colectivizantes associada à palavra globalização, sendo portanto o principal causador das mazelas sociais mundiais. Para eles, onde há neoliberalismo, não há justiça social. E, na verdade, se justiça social é igual ao paternalismo de um Estado Providência, é evidente que o neoliberalismo não é uma forma de justiça social.
Mas o que é realmente a justiça social e qual a sua relação com o neoliberalismo? Ora, justiça social, na óptica liberal, constrói-se com a liberdade. A justiça social aumenta na mesma proporção que a intervenção estatal diminui, o que permite um desenvolvimento mais eficiente das forças produtivas da sociedade. Se uma empresa paga menos impostos e menos encargos sociais com o factor trabalho poderá crescer e aumentar os seus efectivos, gerando mais riqueza que será entregue directamente a estes trabalhadores e não indirectamente, e apenas uma pequena parcela, através do governo. Se o peso do Estado diminui, a atracção pelo investimento criativo aumenta, e os níveis de emprego e prosperidade aumentam. O próprio mercado de trabalho se encarrega de regular a afectação dos recursos relativos a esse factor.
É incompreensível que aceitando todos que o preço das mercadorias é regulado pelo equilíbrio dos respectivos mercados, muitos garantam que a liberalização do mercado de trabalho seja sinónimo de exploração do trabalhador. Ao fazê-lo estão a admitir que o factor trabalho (ou parte desse factor) deva ser (ou é) remunerado acima do valor de equilíbrio. Como esse valor de equilíbrio é o que garante o funcionamento eficiente da economia, estão a pressionar para tornar a economia ineficiente, ou seja, para a levar à estagnação. Ao afirmarem lutar contra a exploração do trabalhador, estão na verdade a lutar pela estagnação ou corrosão dos rendimentos desse mesmo trabalhador.
É a liberdade económica que gerará riqueza, desenvolvimento e bem estar. A existência de diferenças é inevitável, mas, e eu aqui estou a fazer um aggiornamento do pensamento de Hayek, deve ser preservada a equidade: as desigualdades sociais e económicas devem ser organizadas de forma a trazer aos mais desfavorecidos melhores perspectivas e a serem compatíveis com o objectivo permanente da igualdade das oportunidades. Este princípio é compatível com um aumento da desigualdade. Pouco importa que o rico se torne muito mais rico se o pobre se tornar menos pobre. Não é a igualdade que é importante, mas sim a equidade. Equidade na política de educação, segurança social e saúde, administração da justiça, etc..
Para Hayek o mercado livre e a ordem espontânea é a base da prosperidade social e da democracia. Ora a economia vive com regras e com estruturas. Como compatibilizá-las com uma ordem espontânea? Nunca pelo efeito da vontade humana, mas como fruto do acaso, de um darwinismo institucional pois «as instituições são produto da acção dos homens, mas não de um seu projecto». A sociedade acaba por conservar aquelas que são as mais adaptadas.
Portanto para o liberalismo, ou o neoliberalismo, na sua designação actual, a liberdade de mercado e a democracia são inseparáveis. Um sem o outro não funciona. Uma economia liberal não funciona num regime ditatorial, mesmo que os seus líderes a tentem fazer funcionar, como se viu no Chile de Pinochet. Um regime democrático fragiliza-se e sucumbe sem um mercado livre. Marx explicou, interpretando a História, que o capitalismo e o mercado livre tinham sido as condições prévias e necessárias de todas as nossas liberdades democráticas, todavia nunca sonhou, prevendo o futuro, que essas liberdades pudessem desaparecer com a abolição do mercado livre.
Porquê então postular uma espécie de Providência omnipresente e omnisciente, a Mão Invisível, numa época já distante dos primórdios da Economia Política, onde aquela metáfora poderia ter algum impacte explicativo? Não bastaria afirmar que o mercado é o menos mau de todos os sistemas conhecidos?
Talvez, mas então que dizer dos defensores do colectivismo ou da intervenção estatal que apostrofam as forças cegas do mercado"? Se para o liberalismo, o mercado é auto-regulável (a Mão Invisível), para os que se lhe opõem, a economia de mercado sofre de contradições internas que acarretam sua destruição, exigindo, pois, a intervenção estatal para corrigir (ou abolir, no caso de Marx) as suas "falhas". Todavia quem argumenta que as forças de mercado são "cegas" está a afirmar, simultaneamente, que o planeamento estatal é omnisciente, ou, no mínimo, menos falível do que o mercado. Assim sendo, se o Estado é capaz de corrigir as falhas do mercado, deve logicamente suprimi-lo por completo. É essa a contradição dos socialistas democratas (terceira via, keynesianos, sociais-democratas, etc.) pressionados à sua esquerda, pois se o Estado é intrinsecamente superior ao mercado na organização da economia, porque não substitui-lo totalmente? É essa contradição que faz com que, normalmente, os socialistas na governação se comportem como o gestor contra-natura, constrangido pelas realidades a aplicar receitas que, geneticamente, abomina.
Portanto, a Mão Invisível e as Forças Cegas do Mercado não são duas faces da mesma moeda. São duas designações que trazem implícitas duas visões antagónicas do funcionamento da economia.
Todavia, o que as experiências colectivistas provaram foi que a intervenção do Estado no domínio económico também é "cega". Ou seja, a economia colectivista é um processo pelo qual cegos (pois que desprovidos da liberdade de escolhas na produção e no consumo) são guiados por cegos. Aliás, se o paternalismo estatal funciona bem, porque será que praticamente todos os regimes socialistas ruíram?
Publicado por Joana às março 14, 2005 11:41 PM
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Comentários
É curioso a Joana não perceber que a justiça social é reclamada em primeiro lugar relativamente aos que são demasiado frágeis para poderem ser competitivos: os idosos, as crianças, os doentes e inválidos, os que não possuem as qualificações intelectuais ou profissionais para serem suficentemente produtivos. Como membros da comunidade têm de ser ajudados pela comunidade. O que tem custos e não pode ser resolvido pelas regras de mercado. É claro que estas pessoas podiam ser eliminadas, eventualmente em câmaras de gás, mas julgo que a Joana não vá tão longe. Depois a justiça social é reclamada para aqueles cujo valor no mercado de trabalho é inferior ao custo da sua subsistência (que inclui não só o alimento e abrigo, mas também os cuidados de saúde, a educação dos filhos, etc.). Também esses terão direito à ajuda por parte da comunidade. É claro que os custos desta justiça social terão de ser retirados à economia produtiva. É o preço de sermos civilizados e solidários com os membros da nossa comunidade.
Publicado por: Albatroz às março 15, 2005 12:28 AM
Coloca-se então uma questão muito simples :
Como podem «conviver» em alternância - em democracia - a "mão invisível" e a oposição às "forças cegas do mercado", isto é, «duas designações que trazem implícitas duas visões antagónicas do funcionamento da economia» (sic) ?
Eu, por mim, intuo - intuo, que diabo, não é proibido - que a resposta está na gestão do tempo e na impossibilidade material e objectiva de um crescimento económico à imagem das três gloriosas décadas do imediato pós-guerra ...
Publicado por: asdrubal às março 15, 2005 12:54 AM
Albatroz às março 15, 2005 12:28 AM:
Sem querer meter a foice em seara alheia, quando a Joana escreve que:
eu aqui estou a fazer um aggiornamento do pensamento de Hayek, deve ser preservada a equidade: as desigualdades sociais e económicas devem ser organizadas de forma a trazer aos mais desfavorecidos melhores perspectivas e a serem compatíveis com o objectivo permanente da igualdade das oportunidades. Este princípio é compatível com um aumento da desigualdade. Pouco importa que o rico se torne muito mais rico se o pobre se tornar menos pobre. Não é a igualdade que é importante, mas sim a equidade. Equidade na política de educação, segurança social e saúde, administração da justiça, etc..
ela está a dar resposta às suas preocupações. Não estou a ver nem câmaras de gás, nem nada que se lhe assemelhe.
Estou a ver a justiça social que reclama, talvez sem o peso excessivo do Estado actual, mas em qualquer caso, justiça social.
Publicado por: L M às março 15, 2005 01:13 AM
asdrubal às março 15, 2005 12:54 AM:
Não há dúvida que a Mão Invisível parte do princípio que há auto-regulação, enquanto as forças cegas do mercado partem do princípio que essa auto-regulação não existe ou funciona muito mal.
Publicado por: L M às março 15, 2005 01:17 AM
L M às março 15, 2005 01:13 AM
"as desigualdades sociais e económicas devem ser organizadas de forma a trazer aos mais desfavorecidos melhores perspectivas e a serem compatíveis com o objectivo permanente da igualdade das oportunidades"
Peço desculpa, mas o que é que isto quer dizer?
Publicado por: Albatroz às março 15, 2005 01:25 AM
Quer dizer a mesma coisa que justiça social ou política social ou ... são palavras que só na aplicação prática se sabe qual a amplitude.
Uma coisa é certa, são políticas que têm que ter em conta o funcionamento da economia. Por exemplo, o subsídio de desemprego ou RIS não podem ser desmotivadores de procurar emprego.
Publicado por: L M às março 15, 2005 01:30 AM
Se durante três décadas a Europa prosperou, certamente que as políticas económicas seguidas favoreceram esse crescimento. As economias entraram em crise com um choque exógeno - os choques petrolíferos.
Vale a pena relembrar que antes dessas três décadas, no período em que o Estado não intervinha na economia, existiram grandes recessões, o que levou à ascenção do keynesianismo - cujas políticas relançaram as economias.
Parece que o mercado, quando completamente livre, entra em grande depressão. E a solução não é a intervenção do Estado, é o Prozac.
Não comparticipado!
Publicado por: Daniel às março 15, 2005 08:26 AM
"O Estado-Providência produz efeitos perversos pois a socialização da economia que o acompanha não pode, por definição, ir a par com a realização do óptimo de Pareto"
Parece-me que aqui (como já aliás tinha ocorrido na "posta" anterior, a Joana faz uma limitação ao conceito de óptimo de Pareto.
Um óptimo de Pareto (ou uma solução não dominada de Pareto) não é necessáriamente única. É simplesmente uma em que não é possível melhorar uma componente sem reduzir as outras. Se falarmos em termos abstratos, obviamente que a "socialização da economia" é perfeitamente compatível com alguns "óptimos de Pareto". Tudo está dependente daquilo que se consideram objectivos a atingir pela sociedade.
Claro que se restringir os objectivos, por exemplo, apenas ao desenvolvimento económico, a questão será diferente, mas nesse caso o conceito de "óptimo de Pareto" é desnecessário (se assumirmos apenas um objectivo, o "óptimo de Pareto" coincide com a maximização do objectivo - apenas quando há objectivos conflituantes temos "óptimos de Pareto" não triviais).
Publicado por: João Branco às março 15, 2005 10:07 AM
Continuando:
O postulado de que podem existir "objectivos adicionais" para além da liberdade individual máxima é que é o verdadeiro "aggiornamento" das teorias de Hayek. E incompatível com os conceitos teóricos por ele propostos (claro que os conceitos por ele propostos são impraticáveis, mas isto não importa).
Se assumirmos que existem diversos objectivos, temos de considerar que é possível trocar um aumento num determinado objectivo por diminuições em outros. Na prática, as acções de todos nós, a cada momento, definem o "mix" de objectivos da sociedade (claro que o poder de cada um de nós na escolha deste "mix" não é igual - mas também não o seria num "mercado puro").
Em geral, a remoção de restrições (o que é associado a posições mais "liberais") vai permitir atingir melhores desempenhos em determinados objectivos. No entanto, como alguns objectivos são conflictuantes, tal não significa necessáriamente melhorias em todos os objectivos...
Publicado por: João Branco às março 15, 2005 10:15 AM
Publicado por: Albatroz às março 15, 2005 12:28 AM
A Joana cita Hayek, que há 60 anos atrás falava já de uma espécie de rendimento mínimo.
Esse rendimento mínimo era para aplicar "aos que são demasiado frágeis para poderem ser competitivos", para utilizar a sua terminologia.
É preciso não tirar demasiadas conclusões precipitadas. Um texto num blog, por mais longo que seja, não pode exprimir todos os pontos em causa e ficarão sempre muitas coisas por exclarecer.
Publicado por: Mário às março 15, 2005 10:20 AM
João Branco at março 15, 2005 10:15 AM
Em teoria tem razão. Se os preços forem estabelecidos de acordo com os custos marginais e se todos os valores resultantes dos equilíbrios microeconómicos forem realizados, não há diferença. A pergunta é se tal é possível. Obviamente não, até porque a lógica da intervenção da economia acaba por ser a satisfação dos interesses corporativos social e politicamente mais fortes.
Quando referi o óptimo de Pareto foi em termos abstractos. O modelo concorrencial puro e perfeito não existe na prática. Mas são possíveis soluções próximas com o modelo concorrencial da workable competition, que são consubstanciadas no que os anglo-saxónicos denomimam o 2nd best
Publicado por: Joana às março 15, 2005 10:22 AM
Finalmente:
Dizer que Estado é capaz de suprir falhas de Mercado não quer dizer que este se pode substituir àquele.
Dizer que um médico é capaz de tratar doenças no corpo humano não é o mesmo que dizer que é possível a um médico criar de raíz um corpo humano perfeito... Ser capaz de corrigir uma trajectória errada não quer dizer ser capaz de criar "ab-nihilo" a trajectória perfeita, principalmente se para tal for "preciso" (por razões teóricas) não usar os motores.
Publicado por: João Branco às março 15, 2005 10:24 AM
Publicado por: Daniel às março 15, 2005 08:26 AM
«Se durante três décadas a Europa prosperou, certamente que as políticas económicas seguidas favoreceram esse crescimento.»
Pelos vistos, acredita no conceito da "Mão Visível". Se uma economia cresce isso deve-se ao trabalho, criatividade e coragem das pessoas. O estado pode é criar condições para as pessoas fazerem iddo mais e melhor. Mas acho que o mérito deve ser dado a quem o emrece e não ao Estado.
Publicado por: Mário às março 15, 2005 10:25 AM
Mário:
Se um sistema evolui favorávelmente, isso quer dizer que a resultante das acções dentro desse sistema se combinaram para o resultado favorável.
Dar o "mérito" a apenas uma componente (seja esta o estado ou os indivíduos) é um erro semelhante a dizer que o orgão mais importante do corpo humano é o coração, os pulmões ou o cérebro. Se um deles não funcionar correctamente, o corpo não funciona.
Publicado por: João Branco às março 15, 2005 10:34 AM
João Branco às março 15, 2005 10:24 AM
Eu escrevi: "Todavia quem argumenta que as forças de mercado são "cegas" está a afirmar, simultaneamente, que o planeamento estatal é omnisciente, ou, no mínimo, menos falível do que o mercado. Assim sendo, se o Estado é capaz de corrigir as falhas do mercado, deve logicamente suprimi-lo por completo." Portanto não me referi a correcções pontuais, mas às resultantes da crença na "cegueira das forças do mercado".
Aliás, a correcção principal que o Estado deve fazer é assegurar a livre concorrência e evitar que o funcionamento do mercado crie situações não concorrenciais, como a criação de monopólios ou outras violações das condições estruturais da concorrência. Mas isso é a mesma tarefa que cabe ao Estado, quando tem que assegurar a "ordem pública"...
Por outro lado, o Estado deve intervir para assegurar a coesão social, dentro da lógica da equidade que defendi no post.
Publicado por: Joana às março 15, 2005 10:43 AM
Oh Joana, você não me faça rir com esse exemplo da Inglaterra.
A Inglaterra em 1970 não era mais estatista, nem os sindicatos tinham nela mais poder, do que a Alemanha. Mas, enquanto a economia inglesa definhava (vinha definhando desde o fim da Segunda Guerra), a economia alemã prosperava, e continuou a prosperar pelo menos até 1990.
Eu nesse ano vivia na Alemanha, e visitei a Inglaterra algumas vezes. O espetáculo oferecido pelas cidades inglesas, para quem vinha da Alemanha (ou da França) era deplorável e risível. Casas mal isoladas e desconfortáveis, ruas sujas, cheias de bicicletas abandonadas. A Inglaterra em 1990 era de uma miséria confrangedora, quando comparada com a Alemanha, a França, a Suíça, enfim.
Você vem-me dizer que a economia inglesa é saudável? Deve estar a gozar, Joana. A economia inglesa tem um tal deficit no seu comércio com o exterior, que supera todo o excedente comercial da zona euro. Que economia saudável é esta, que vive à custa do exterior? Que não consegue produzir aquilo que consome? Que vive à custa do dinheiro que os outros lhe emprestam?
A economia inglesa, desde a "revolução" liberal, pode talvez estar mais eficiente. Mas pode comparar-se à economia alemã, sueca, ou mesmo italiana? Não. E mais: a Inglaterra tem petróleo. Tem petróleo mais ou menos desde o tempo da Thatcher, por sinal. E, mesmo assim, não consegue estar sequer comparável à economia de muitos desses horríveis países "keynesianos" que não têm petróleo.
Se você, Joana, continua a vir aqui dar-nos estas lições de puro preconceito, pura teoria, deixo de vir ler o seu blogue.
Publicado por: Luís Lavoura às março 15, 2005 10:50 AM
Joana:
Dizer que a "3ª via/social democracia" pretende substituir completamente o mercado parece simplesmente um mecanismo de equacionar estes com o "socialismo clássico", porque é mais fácil atacar o socialismo clássico.
As forças de mercado são "cegas" (no sentido de indetermináveis), sim. O que não quer dizer que seja possível criar um substituto "não cego" que garanta o mesmo tipo de resultados.
Em engenharia (e já agora, também em gestão) a questão muitas vezes não é encontrar um modelo teórico que descreva a totalidade do sistema, mas sim ser capaz de controlar o seu desempenho mantendo-o dentro de determinados parâmetros.
E sim, muito frequentemente um sistema não controlado é muito mais eficiente que um controlado. O controlo implica restrições o que diminui a eficiência. Mas a alternativa é sofrer falhas catrastóficas quando um sistema não controlado sai da "safety region".
Publicado por: João Branco às março 15, 2005 11:01 AM
A Joana, e os liberais em geral, gostam de esquecer que aquilo que deu origem ao keynesianismo, que eles tanto abominam, foi uma crise económica terrível - da qual o meu avô, à altura emigrante no Brasil, sofreu duramente os efeitos. O mercado acionista desregrado, o padrão ouro, e a ausência de estímulos estatais à economia, conduziram o mundo à catástrofe económica, que para muitos significou a miséria.
Se hoje em dia as maluqueiras do mercado acionista não fazem o mesmo que fizeram em 1929, é em grande parte devido a controles estatais - como sejam as interrupções temporárias desse mercado, o seguro estatal sobre os depósitos bancários, e muitos outros controles estatais (ou de entidades reguladoras).
É bom não esquecer as lições da história.
Aqui há dois anos o colapso da Enron eliminou as poupanças, e as reformas, sob a forma de ações, de muito boa gente completamente inocente. Convem não esquecer esta e outras consequências do liberalismo e da "propriedade privada" levados aos seus extremos.
Publicado por: Luís Lavoura às março 15, 2005 11:27 AM
Publicado por: João Branco às março 15, 2005 10:34 AM
Passando ao lado do tom paternalista...
Fala-se demasiado no Estado. Parece que tudo vem do Estado, bom ou mau. Há que dar mais importância aos induvíduos, nem que seja para os responsabilizar mais.
Publicado por: Mário às março 15, 2005 11:29 AM
«Se uma empresa paga menos impostos e menos encargos sociais com o factor trabalho poderá crescer e aumentar os seus efectivos, gerando mais riqueza que será entregue directamente a estes trabalhadores [...]».
Nao, Joana. Não, não e não. Aua frase seria verdadeira se rezasse assim:
«Se uma empresa paga menos impostos e menos encargos sociais com o factor trabalho poderá crescer e aumentar os seus efectivos, gerando mais riqueza que será entregue directamente a quem tiver força política para se apropriar dela.»
Isto, sim, tem em conta a realidade das coisas. O resto são elocubrações no vazio, profissões de fé ideológicas.
Publicado por: Zé Luiz às março 15, 2005 11:32 AM
Se uma empresa paga menos impostos e menos encargos sociais com o factor trabalho, os seus patrões poderão investir os seus rendimentos acrescidos em especulação acionista, na compra de casas como forma de aforro, ou em outras atividades improdutivas. Contribuirão eventualmente para criar bolhas especulativas, por exemplo no mercado imobiliário, que prejudicarão a sociedade em geral, por exemplo impedindo os trabalhadores dessa empresa de encontrar uma casa a preço comportável.
Publicado por: Luís Lavoura às março 15, 2005 11:42 AM
Mário,
Uma estratégia pública é uma condição necessária para o desenvolvimento, tal como a criatividade e ambição dos cidadão também o são. Se cada um tem importância, porquê não o reconhecer?
O que não é minimamente razoável é aquilo que é proposto pela escola Austríaca, as suas propostas são totalmente irrealistas. É preciso ter muita fé para acreditar tanto no mercado. O mercado é um palco, não um altar.
Publicado por: Daniel às março 15, 2005 11:42 AM
Zé Luiz e Luí Lavoura:
Depois, a própria economia de mercado encarrega-se de punir esses empresários, que vêem a sua mão de obra mais qualificada abandoná-los por empresas mais dinâmicas, que estagnam, e que acabam por falir.
Aquilo que acontece aos empresários do norte que compram Ferraris mal amealham uns cobres.
Publicado por: Hector às março 15, 2005 11:47 AM
Publicado por: Daniel às março 15, 2005 11:42 AM
Acaba de fazer uma profissão de fé. além do mais, não está a citar os autriacos mas a si mesmo. Está apenas a criar uma falácio do homem de palha.
Tudo isto é um problema de controlo. Há quem ache que se pode controlar uma coisa tão complexa como a economia.
Os economistas teriam muito a aprender com outras áreas que já se debruçaram sobre o problema do controlo.
Publicado por: Mário às março 15, 2005 12:15 PM
Julgo que há diversas e enormes confusões na interpretação do que escrevi. Eu, fundamentalmente expus a minha versão do pensamento de Hayek.
Escrevi que A importância de Hayek foi ter-se apercebido que o Rei vai nú, numa época em que ninguém punha em causa que ele estaria ... vestido ... que os excessos de Hayek são porventura datados, porquanto são uma resposta ao dogmatismos da época, etc... Falei na iconoclasia de Hayek, etc.
E frisei que deve ser preservada a equidade: as desigualdades sociais e económicas devem ser organizadas de forma a trazer aos mais desfavorecidos melhores perspectivas e a serem compatíveis com o objectivo permanente da igualdade das oportunidades. Este princípio é compatível com um aumento da desigualdade. Pouco importa que o rico se torne muito mais rico se o pobre se tornar menos pobre. Não é a igualdade que é importante, mas sim a equidade. Equidade na política de educação, segurança social e saúde, administração da justiça, etc.. .
Publicado por: Joana às março 15, 2005 01:29 PM
Aliás isso era evidente para quem lesse o anterior post sobre o neoliberalismo (http://semiramis.weblog.com.pt/arquivo/2005/03/o_espectro_neol_1.html), onde escrevi Ora há que sublinhar que nem só de economia vive o homem. Há os valores da colectividade humana: a cultura, a solidariedade e a coesão social, a religião, a identidade nacional. Neste entendimento, se a economia de mercado é o melhor sistema para desenvolver a riqueza material de uma sociedade, há outros mecanismos que devem ser adicionalmente implementados, embora de forma a não viciar a eficiência económica e a não se comprometer a prosperidade social, para criarem o consenso social necessário. O óptimo social pode não coincidir com o óptimo económico. O conceito de Óptimo de Pareto deve assim ser alargado para conter variáveis, não quantificáveis, que contemplem o equilíbrio e o consenso social.
Publicado por: Joana às março 15, 2005 01:30 PM
Tudo isto faz com que maioria das críticas, pelo menos aquelas que, embora favoráveis à economia de mercado, temem os desequilíbrios sociais que venham a acontecer, caiam pela base.
Mas eu lembro que há uma grande distância entre criar mecanismos simples e claros para evitar a quebra da coesão social e criar obstáculos e entraves burocráticos à actividade económica que pervertam o funcionamento do mercado e que acabam por se virar contra quem querem proteger.
As primeiras vítimas da rigidez laboral são os próprios trabalhadores, os insiders, que se julgam seguros, mas que progridem pouco, e que vão para o desemprego quando as empresas vão à falência ou se deslocalizam, e os outros que não arranjam trabalho.
Publicado por: Joana às março 15, 2005 01:31 PM
Agora que chegaram outros economistas ao blogue é que isto começa a ter alguma graça.
Já não basta ter só um olho...
Publicado por: Divertido às março 15, 2005 01:44 PM
Luís Lavoura às março 15, 2005 10:50 AM
1 É um facto que a Grã-Bretanha era, de longe, muito mais estatizada que a Alemanha, e que o poder dos sindicatos era então enorme. Aliás, foi a sua atitude estúpida que os conduzia a greves selváticas sem fim, que criou a base social de apoio que levou à vitória da Thatcher.
2 Não me parece que viagens turísticas sejam o suficiente para certo tipo de conclusões. Se me pedissem para escolher uma capital para viver, fora de Portugal, eu escolheria Viena, sem hesitações. E repare que eu escrevi que a Grã-Bretanha ainda não havia recuperado totalmente, mas apenas que se estava a comportar melhor face à actual crise que as suas congéneres.
3 Julgo que esteja equivocado quanto ao défice externo britânico. Ele tem-se mantido, nos últimos anos, em 1,9% do PIB, valor quase idêntico ao da Itália, e muito inferior ao português. Mas desde o fim das concepções mercantilistas da economia, que esta questão deixou de ser a pedra de toque da saúde económica, embora deva ser uma questão a ter em conta.
4 Você aparece aqui para contestar os meus preconceitos, e é bem-vindo. Não teria piada você vir aqui apenas para aplaudir. Como escrevia Mandeville, que eu citei O que, no estado da natureza, faz o homem sociável, não é o desejo que tem de estar em companhia, nem a bondade natural, nem a piedade,
. As qualidades mais vis, frequentemente as mais odiosas, são as mais necessárias para torná-lo apto a viver com o maior número. São elas que
mais contribuem para a felicidade e prosperidade das sociedades. Se substituir sociedade por blogosfera ...
Publicado por: Joana às março 15, 2005 01:51 PM
Publicado por Divertido em março 15, 2005 01:44 PM:
Com a vantagem deste blogue ter várias secções abertas ao público: Economia, Sociologia, História, Política, Filosofia Marxista, Diversos não especificados, etc.
Já viu a quantidade de especialistas que podem aqui cair?
Publicado por: Novais de Paula às março 15, 2005 02:26 PM
Divertido e Novais:
Uma das frases que o meu pai nos repetia frequentemente (e calculo que continue a pensar assim) era que qualquer português com formação universitária, uma razoável cultura geral e uma boa capacidade de escrita estava sempre a 15 dias de se poder tornar especialista em qualquer matéria (excepto engenharia e medicina).
O meu problema é que às vezes só tenho 3 horas!!!
Publicado por: Joana às março 15, 2005 02:36 PM
(Parentesis)
Vital Moreira rendido à economia de mercado (a propósito dos medicamentos) :
.
«(...) Na verdade é fácil tirar duas ilacções decisivas. Primeiro, o novo Governo leva a sério a sua aposta numa economia de mercado eficiente e no valor primordial da concorrência ; segundo, o Governo não vai respeitar os interesses instalados ao adoptar as soluções requeridas pelo interesse geral (...)». [Público ; "Manual para levar de vencida os grupos de interesse"]
.
É notável, é notável.
Publicado por: asdrubal às março 15, 2005 02:49 PM
asdrubal: espera-se que quando chegar à reforma da administração pública e aos lobbies que a apoiam (entre eles os sindicatos), o Vital Moreira continue rendido à economia de mercado.
Porque isso dos medicamentos são amendoins comparado com o resto.
Publicado por: Hector às março 15, 2005 03:00 PM
Joana:
A abordagem que afirma de facto não sofre de alguns dos problemas das soluções market only advogadas por Hayek. No entanto tem um pequeno problema: conforme afirmei, a partir do momento em que advoga explicitamente tomar em consideração diversos objectivos (ou seja, considerar objectivos sociais) deixa de estar em acordo com a abordagem liberal de Hayek*. Mais ainda, a solução que descreve pode perfeitamente ser defendida por um social-democrata, ou socialista de 3ª via. Por esta razão, apresentar isto como uma defesa das posições neo-liberais não me parece convincente.
* Na realidade, a partir do momento em que advoga QUALQUER OBJECTIVO para o estado, seja este ou não social, deixa de estar na ortodoxia liberal.
Publicado por: João Branco às março 15, 2005 03:11 PM
...«Como escrevia Mandeville, (...) «As qualidades mais vis, frequentemente as mais odiosas...»
Joana às março 15, 2005 01:51 PM
Não creio que atribuir sistematicamente aos contraditores uma intenção catalogável como «vil e odiosa» seja uma atitude saudável e simpática.
As citações valem o que valem e, em geral, valem mais pela leitura e aproveitamento que faz delas quem cita e não pela justeza ou racionalidade dos conceitos que exprimem.
Há, sem a menor dúvida, opiniões mais abalizadas sobre a teoria do comportamento do que as de Mandeville, cujas opiniões, nessa matéria, são apenas isso: meras opiniões especulativas sem fundamento científico.
Mil e uma razões levam o homem a agir e a intervir. Umas mais complexas do que outras, algumas reflectindo baixeza de carácter. Mas o que motiva o homem é, muitas vezes, um impulso simples e instintivo: a tendência natural da inteligência para a organização, o que pressupõe a correcção do que se entende estar errado, desajustado ou fora de harmonia.
Esse instinto é tão básico que foi aproveitado pelos militares. Um truque clássico dos manuais de minas e armadilhas é armadilhar um quadro pendurado na parede e incliná-lo ligeiramente, explorando a tendência instintiva das pessoas para o equilibrarem verticalmente.
Nem sempre os que nos contradizem nos querem mal ou o fazem por razões menos dignas. Nem sempre os que nos contradizem estão errados. Mesmo um espírito não marxista admitirá que a evolução só é possível com a síntese dos opostos. Ou, como a inegável sabedoria popular diz: «da discussão nasce a luz».
No fim de contas, aqui estou eu a contradizê-la e, acredite, sem retirar disso qualquer prazer.
Publicado por: Reflexão às março 15, 2005 03:17 PM
Publicado por Joana em março 15, 2005 02:36 PM:
Veja como a vida moderna acelerou as coisas. O que era possível, na anterior geração, conseguir em 2 semanas, agora só se tem 3 horas!
Publicado por: Viegas às março 15, 2005 03:18 PM
Reflexão em março 15, 2005 03:17 PM:
Quando citei Mandeville, não era para este ser tomado ao pé da letra. Nem sequer seria a intenção dele quando escreveu a Fábula das Abelhas.
Eu não estava a atribuir a ninguém «As qualidades mais vis, frequentemente as mais odiosas...», senão não respondia sequer. Estava a citar um dos percursores do liberalismo mostrando que do mais intenso e contraditório debate, nasce uma utilidade para todos.
Publicado por: Joana às março 15, 2005 03:30 PM
Mário março 15, 2005 12:15 PM
"Tudo isto é um problema de controlo. Há quem ache que se pode controlar uma
coisa tão complexa como a economia."
Não me referia a políticas de fine-tuning, é claro que a economia não é
completamente controlável. No entanto há um papel importante do Estado enquanto
orientador e estabilizador da economia.
Só falei da escola Austríaca porque Hayek tem aparecido nos posts e a corrente
Austríaca era de mercado puro (somente académica).
"Os economistas teriam muito a aprender com outras áreas que já se debruçaram
sobre o problema do controlo."
A economia é fortemente influenciada por outras áreas do conhecimento, veja-se como exemplo:
"Na economia, o uso extensivo deste tipo de analogias é muito impressionante. Os
fisiocratas definiram a economia como se o seu objectivo fosse um universo
newtoniano. Say usou um conceito precoce de conservação de energia na sua
famosa lei (...) . Gossens, Jevons, Fisher, Walras, Edgeworth, Pareto, quase todos os fundadores do marginalismo usaram os conceitos, os símbolos, as técnicas matemáticas e a filosofia da energética e da primeira Lei da Termodinâmica, (...)
Ora, este tipo de abordagem é particularmente enganador e inaplicável nas ciências sociais, onde as relações de similaridade são pouco relevantes e em que a causalidade se refere a estruturas plurais de determinação, sempre em modificação. Em resumo, os economistas e outros cientistas sociais definiram os seus critérios de cientificidade de acordo com a concepção novecentista das analogias físicas, que era inadequada para as ciências sociais e que veio logo a ser questionada pela própria física(...).
O paradigma das analogias físicas para as ciências sociais fracassou, na medida em que dependia do paradigma positivista e reforçava os seus ilusórios pilares de cientismo, objectividade e universalismo. Conscientes desse fracasso do paradigma do equilíbrio e da sua formalização fisista, alguns cientistas sociais viraram-se para metáforas alternativas inspiradas na biologia." (Louçã,1997:96)
Os resultados podem ser questionados, mas a forte inspiração em teorias de outras ciências é evidente.
Publicado por: Daniel às março 15, 2005 04:09 PM
Publicado por: Daniel às março 15, 2005 04:09 PM
Não tenho conhecimentos de economia para contradizer ou reforçar o que diz. Contudo, penso que as contribuições que a economia recebe de outras áreas são sobretudo para resolver problemas pontuais e já devidamente enquadrados.
A referência que fiz ao controlo é uma questão mais profunda, que pode implicar o abondono de todo um paradigma. Penso que esse abandono acontecerá, à medida que se abandorem algumas infantilidades ideológicas, mas talvez isso le ainda muitas décadas.
Publicado por: Mário às março 15, 2005 04:18 PM
E se não são engenheiros não mandem bocas sobre engenharia se não não lhes perdoo, tá?
Publicado por: JMTeles da Silva às março 15, 2005 04:57 PM
A teoria de Hayek da "ordem liberal" é uma síntese das teorias da justiça de Kant e Hume (sendo de humanísticas e de não económicas, é porque aqui que vou abordar a questão :) ).
Mach ("neutralidade metafísica"), Popper ("O crescimento do Conhecimento"), e Wittgenstein estão também na base da filosofia de Hayek.
Tentando lançar bases de uma doutrina social que, de algum modo, pudesse "aglutinar" as tendências de quem critica e/ou apoia o liberalismo clássico (não socialista), Hayek falha ao não conseguir identificar quais os limites da liberdade do indivíduo, não consegue formatar a ideia de Governo, e não consegue definir a intercorresponência entre estas duas entidades.
Por outro lado, existe uma contradição (incompatibilidade) flagrante na base do pensamento de Hayek: por um lado "adopta" Hume, o seu cepticismo e relatividade moral; por outro lado, "segue" Kant na procura da fundamentação racional do Crer.
Embora Hayek fosse de opinião que a moral e a ética não são passíveis de escolha (escrutínio) por parte do indivíduo, porque segundo ele, a moral é um produto da "selecção natural das tradições", Hayek procurou sempre razões para aderir à moral tradicional e tinha uma preocupação racionalista premente e presente quando defendia princípios como a ordem do mercado e a Legalidade necessária para a sua visão de progresso humano. Mas ao mesmo tempo que segue esses seus princípios, Hayek adopta a "reforma radical", para "libertar o crescimento espontâneo dos obstáculos que os humanos criaram". Mas se esses "obstáculos" pertencem à nossa herança (moral) tradicional, ficamos sem saber como os remover.
(vou ter que sair - a continuar)
Publicado por: Orlando às março 15, 2005 04:59 PM
Já tinha meditado um pouco na relevância das referências da Joana ao óptimo de Pareto neste contexto do social versus o económico, e tinha chegado a reflexões muito semelhantes às do Luis Branco. Com efeito, se aplicarmos o conceito de óptimo de Pareto ao trade off entre a aplicação de recursos na produção ou na promoção da justiça social, chegaremos à conclusão de que esse óptimo é intrinsecamente preservado, qualquer que seja a combinação escolhida. Com efeito, quando se têm apenas duas alternativas - ou aplicar esses recursos na produção ou na redistribuição -, e quando essas aplicações respeitarem o princípio da eficiência específica de cada sector, nunca poderemos aumentar a aplicação de recursos numa dessas vertentes sem ser obrigado a diminui-la na outra. O que não se pode é maximizar a utilidade de uma aplicação sem sacrificar totalmente a outra. Ou seja, a máxima eficiência só será alcançada ou quando a totalidade dos recursos são utilizados na produção, ou quando são totalmente utilizados na promoção da justiça social. Curiosamente qualquer destes "óptimos" seria catastrófico para a comunidade. Logo, se estamos reduzidos à condição de escolher entre graus de ineficiência, talvez pudéssemos utilizar o modelo das curvas de indiferença, em que a recta orçamental seria o rendimento nacional. O óptimo estaria no ponto de tangência dessa recta orçamental com a curva de indiferença de mais elevado nível de utilidade, em que esta utilidade seria resultante de uma combinação "x" de aplicações económicas e sociais. Tal como acontece com os consumidores individuais, também o grau de satisfação (ou utilidade) associado a uma qualquer combinação de aplicações económicas e sociais variaria de sociedade para sociedade e, no seio da mesma sociedade, de época para época. A procura do "óptimo" é, assim, uma quimera. Cada sociedade tem de determinar, em cada momento, o que para ela é melhor. É claro que uma comunidade com um sentido ético muito desenvolvido faria escolhas diferentes de uma outra comunidade isenta de sentido de solidariedade. O que nós temos de decidir é se, neste país e neste momento, as escolhas políticas estão de acordo com os nossos sentimentos profundos (nos quais está também o nosso sentido de justiça).
Publicado por: Albatroz às março 15, 2005 05:08 PM
É claro que, num ambiente globalizado, altamente competitivo, as nossas escolhas podem ser incompatíveis com a nossa sobrevivência. Ou com esse ambiente globalizado ultra-competitivo. Daí a crítica à globalização. Se eu não quiser sacrificar os meus valores éticos à sobrevivência económica na selva capitalista neo-liberal, terei de sair dessa selva...
Publicado por: Albatroz às março 15, 2005 05:20 PM
Joana,
Os seus posts estão a criar uma reacção kadinskiana. Está tudo a falar em abstracto, fazendo exercícios ilusórios, lançando nomes para aqui e para ali para mostrar que já leram umas coisas.
Como sabem as pessoas que estudam coisas concretas, decorar a teoria pode ser ilusório e nunca se chegar a compreender a essência da coisa.
Pelo menos conseguiu afastar aqueles caceteiros que por aqui andavam.
Publicado por: Mário às março 15, 2005 05:39 PM
Eu gostava que as pessoas neste blogue (a começar pela Joana) que estudaram os textos dos gurus neo-liberais me explicassem como é que essa filosofia se aplica na política externa e, em particular, no que respeita à guerra.
Isto porque essas pessoas gostam de referir os EUA como o país que melhor (ou menos mal) aplica esses paradigmas neo-liberais na atualidade, mas eu tenho uma certa dificuldade em perceber como é que um país com uma política externa tão incisiva (digamos assim) pode de alguma forma ser considerado como respeitador das liberdades.
Estive recentemente a ler sobre os esforços denodados que os EUA têm desenvolvido no sentido de evitar que o petróleo da região do mar Cáspio e da Ásia central seja exportado par o mundo através da opção mais direta e barata - o território do Irão. Aquilo tudo pareceu-me uma clara violação de todo e qualquer liberalismo, de toda e qualquer propriedade privada, de toda e qualquer eficiência económica. Fiquei intrigado.
Mas, acima de tudo, pergunto-me se esses gurus liberais alguma vez disseram alguma coisa sobre política internacional, guerra, e quejandos.
Publicado por: Luís Lavoura às março 15, 2005 05:41 PM
Luís Lavoura,
Os liberais americanos (libertários) foram contra a guerra.
Mas uma medida anti-liberal de sucessivas administrações, e com consequências bastante mais gravosas, dizem respeito ao proteccionismo.
Todas as principais medidas avançadas pela nova administração Bush estão a ser contestadas pelos liberais.
Como recebo diariamente artigos do "Mises Institute", posso fornecer-lhes alguns sobre essas e outras temáticas
Publicado por: Mário às março 15, 2005 06:06 PM
Era só para avisar as minhas amigas e os meus amigos do Semiramis que finalmente dei o braço a torcer e criei um blogue. Chama-se Leviathan (http://thomashobbes.blogspot.com) e tem por subtítulo «Somos humanos mas não somos recursos.»
Não vale a pena ir lá hoje: escrevi o meu primeiro post mas depois apaguei-o sem saber como. Vou reescrevê-lo amanhã. O título é «Os futurólogos do ano 2000» e é, como o título não indica, basicamente sobre os futurólogos de 1970.
Publicado por: Zé Luiz às março 15, 2005 09:55 PM
Se uma empresa paga menos impostos e menos encargos sociais com o factor trabalho poderá crescer e aumentar os seus efectivos, gerando mais riqueza que será entregue directamente a estes trabalhadores e não indirectamente, e apenas uma pequena parcela, através do governo.
Bom se isto não fosse uma actualidade preocupante, ainda podereriam existir uns ingénuos a acreditarem, mas como a moda, é fechar aqui, porque ali me dá mais lucros pró meu bolso, e não pró bolso dos que produzem, Não podemos engolir...esta teoriazinha..de pés de lã...para tolos !!!
Publicado por: Templário às março 15, 2005 10:35 PM
.....pois...pois....comparar mercadoria a humanos é no que dá....
" É incompreensível que aceitando todos que o preço das mercadorias é regulado pelo equilíbrio dos respectivos mercados, muitos garantam que a liberalização do mercado de trabalho seja sinónimo de exploração do trabalhador."
Realmente...está a piorar... é que eu até posso queimar mercadoria, para fazer subir o seu preço...ah..ok...desculpe...tem razão, sim senhor ! Já me esquecia...é a mesma coisa...é que ao criar o desemprego...tenho empregados mais baratos... pois é uma chatice...
Publicado por: Templário às março 15, 2005 10:48 PM
Albatroz: Uma economia em equilíbrio geral concorrencial terá que ser eficiente no consumo, na produção e na esolha das composiç~oes dos produtos. As taxas marginais de substituição que avaliam os custos de oportunidade de um dado factor ou produto, face à sua, ou às suas alternativas têm que ser iguais aos preços dos produtos ou dos factores, etc.
Nessa situação há uma afectação óptima ou eficiente de recursos (a condição de Pareto). Quando essa condição é satisfeita, é impossível que um indivíduo ganhe sem que outro tenha uma perda. Portanto, quando a condição de Pareto é satisfeita, é impossível que todos os indivíduos ganhem numa troca posterior. Quando a condição de Pareto não é satisfeita, há possibilidade (pelo menos em princípio) de que pelo menos um indivíduo obtenha um ganho sem causar prejuízo a qualquer outro; consequentemente, todos os indivíduos podem lucrar numa troca posterior.
É o chamado Teorema da Mão Invisível.
O segundo teorema da economia do bem-estar diz que, em condições relativamente não restritivas, qualquer afectação ao longo da curva de contrato pode ser sustentada como um equilíbrio competitivo. Ou seja ao longo da curva de contrato (da tal caixa de Edgeworth)qualquer afectação eficiente pode ser sustentada através de uma escolha adequada das dotações iniciais e dos preços relativos (isto se as curvas de indiferença forem convexas, o que será a situação normal).
Portanto, tudo depende da dotação inicial. É aqui que pode entrar a redistribuição. A dificuldade é que, na prática, o Estado não faz ideia da forma nem da localização das curvas de indiferença individuais dos consumidores, nem até onde deve ir na redistribuição. Os indivíduos conhecem melhor as suas próprias preferências do que os governos. E, dada uma dotação inicial com um determinado valor, em geral atingirão um resultado muito melhor se puderem tomar livremente as suas próprias decisões de compras. O sentido do segundo teorema do bem-estar é que a questão da equidade na distribuição ê logicamente separável da questão da eficiência na afectação. Ou seja, a sociedade pode redistribuir rendimentos de acordo com quaisquer normas de justiça que julgue adequadas, quer em termos de justiça, quer em termos de incentivos, e ao mesmo tempo apoiar-se nas forças de mercado para assegurar que esses rendimentos são gastos de forma a atingir o máximo bem.
Entramos assim na questão da redistribuição. Ela terá que ser feita através dos impostos. Ora prova-se igualmente que o imposto mais eficiente é o imposto per capita, o que é considerado iníquo. Portanto, a aplicação de impostos gera sempre ineficiência.
A ideia da redistribuição era para as dotações iniciais serem as que permitissem o melhor "óptimo". Ora uma coisa são as dotações iniciais, outra é a redistribuição posterior do rendimento. Por outras palavras, uma coisa é colocar todos os atletas na mesma posição no ponto de partida. Outra é, ao longo da corrida, ir introduzindo modificações para evitar um distanciamento excessivo.
Por outro lado, como já aqui escrevi várias vezes, se não é possível satisfazer integralmente as condições da concorrência pura e perfeita, é possível determinar os óptimos possíveis (o Teorema do 2nd Best)
Publicado por: Joana às março 15, 2005 11:01 PM
....."Uma economia liberal não funciona num regime ditatorial, mesmo que os seus líderes a tentem fazer funcionar, como se viu no Chile de Pinochet"
Mas funciona na ditadura Chinesa, pois eles simplificaram as leis de tal maneira que só há Uma !
O contrato entre a empresa e o trabalhador é marcado pelo objectivo, se ele cumprir a empresa aceita, senão despede-o sem mais.
O trabalhador Chinês, quando não consegue trabalhar 16 horas por dia, mais sábados e Domingos, será certamente despedido, por não cumprir os tais objectivos, e não poderá recorrer a nenhum tribunal, pois não há leis que o defendam contra as novas empresas, e além do mais, ainda se arrisca a ser condenado pelo próprio Estado, por Mau Cidadão, uma vez que NÃO ESTÁ A ADERIR AO GRANDE PLANO, DE ULTRAPASSAR A EUROPA E OS EUA, EM 2010.
Logo....como se vê...quando o liberalismo, encontra o Estado Ideal, mesmo ditatorial ele funciona e bem, e prova-se ser mui rentável, para os investidores !!!
Publicado por: Templário às março 15, 2005 11:02 PM
Zé Luiz às março 15, 2005 09:55 PM:
Parabéns.
Aviso-o que um blogue tem tendência a tornar-se um monstro que nos escraviza. A gente julga que é uma coisa sem vida, que dominamos ... e ele acabo por nos dominar.
É pior que o fetiche da mercadoria de Marx!
Publicado por: Joana às março 15, 2005 11:05 PM
...è verdade....é sim....
"Todavia, o que as experiências colectivistas provaram foi que a intervenção do Estado no domínio económico também é "cega". "
Logo a virtude deverá rondar entre 50% Estado / 50% de Liberalismo.
No meio está a virtude !
Publicado por: Templário às março 15, 2005 11:14 PM
Isto está a transformar-se numa discussão muito técnica. Ainda bem que apareceu o Templário
Publicado por: Coruja às março 15, 2005 11:52 PM
Essa coisa do Best tem a ver com as cartas de jogar?
Também há o Teorema do 2º Joker?
Publicado por: Coruja às março 15, 2005 11:57 PM
Não há de ser só o Templário a avacalhar isto!
Publicado por: Coruja às março 15, 2005 11:58 PM
Parece-me um debate interessante, embora eu perceba pouco disto
Publicado por: David às março 16, 2005 12:55 AM
Gosto sempre de vir aqui. Já sei quem é o Pareto e sei que, às vezes, é óptimo! Obrigado amigos.
Descobri também que não sou um neo-liberal. São estas pequenas alegrias que dão sentido à Vida. Bem hajam.
Publicado por: JMTeles da Silva às março 16, 2005 03:17 PM
Os preconceitos abundam...
Publicado por: Mário às março 16, 2005 04:39 PM
Publicado por: Mortgage Refinancing às junho 11, 2005 11:28 PM
Lixo
Publicado por: Part às julho 11, 2005 09:06 AM