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fevereiro 12, 2005

Vidas Paralelas

Ou como Plutarco entra em campanha

Nobre Guedes afirmou há tempos ao "Diário de Notícias" que Paulo Portas podia ser o nosso Malraux. O pretérito imperfeito português é dos tempos mais imprevisíveis, pois nunca se sabe se é um passado inacabado, um presente cortês, ou um futuro condicionado. Aliás, deveria designar-se por “pseudo-pretérito imprevisível” para acautelar os utentes do idioma pátrio. Nesta imprevisibilidade resta-me comparar P Portas e Malraux no passado, presente e futuro. Foi o que Plutarco fez com os varões ilustres gregos e romanos. E eu serei menos que Plutarco?

Para começar, a diferença de idades, pouco mais de 6 décadas, pode considerar-se dentro dos limites da razoabilidade, quando se comparam heróis gregos e romanos, ou Malraux (o grego) e Portas (o romano). Mas depois começam a aparecer pormenores que não encaixam. Malraux publicou livros com uma cadência notável, um dos quais, A Condição Humana, obteve o Prémio Goncourt em 1933. Paulo Portas já leva um atraso notável nesta matéria, visto Malraux ter publicado Os Conquistadores logo em 1928 e Portas, por enquanto, nada. Mas tenhamos esperança (e fé!) nas imperfeições dos nossos pretéritos verbais.

Malraux roubou umas estatuetas khmeres do Templo de Banteai Srey em 1923, que lhe valeu a prisão em Phnom-Penh. O processo não deu em nada por vício de forma. A justiça colonial francesa não devia funcionar nada bem. No que toca a Portas, temos o caso Moderna, cuja investigação não deu em nada. Mas há diferenças substanciais: o uso de um Jaguar de uma universidade não tem a estatura de um roubo de baixos relevos khmeres de um Templo, e ser-se investigado não confere as mesmas regalias que ser-se preso.

Também lançou um jornal, mas em Saigão, em 1925, L’Indochine (juntamente com a então sua mulher Clara) onde denunciava a exploração colonial. Portas, n'O Independente, denunciou a degradação cavaquista. Não terá a mesma dignidade e expressão histórica, mas já é alguma coisa.

Quando regressou a França, Malraux colaborou em todos os movimentos de intelectuais anti-fascistas – Frente de Defesa Anti-Fascista e o CVIA (1934), movimento contra a guerra na Etiópia (1935). E quando deflagrou a Guerra Civil em Espanha, em 1936, lá estava Malraux em combate. Cisneros, do PCE, escreveu dele: “foi, à sua maneira, um progressista ... talvez pretendesse ter entre nós um papel semelhante ao que Lord Byron desempenhou na Grécia ... mas ... se a adesão de Malraux, como escritor célebre, podia ser útil à nossa causa, o seu contributo como comandante de esquadrilha revelou-se absolutamente negativo”. Mas sabe-se como os comunistas são mal agradecidos. Malraux poderia ser um inábil, mas obteve da França o fornecimento de alguns aviões.

Quanto a Portas ... bem, os tempos são outros, e agora, tal como Malraux o fez após o fim da 2ª Guerra Mundial, a luta é contra o totalitarismo de esquerda. Aí tem-se mostrado muito aguerrido, mas não me parece que venha a ganhar algum Goncourt. Quanto a acções militares, temos que ser indulgentes para com Portas. As épocas são diferentes ... Mesmo assim há que reconhecer o denodo com que perseguiu o barco das holandesas pró-aborto. O barco não trazia munições bélicas, mas tinha um grande potencial desmoralizador.

Malraux, até se aliar a De Gaulle, apoiou os comunistas “Tal como a Inquisição não atingiu a dignidade fundamental do cristianismo, os processos de Moscovo também não diminuíram a dignidade fundamental do comunismo”. Mas os intelectuais de esquerda, naquela época, disseram tanto disparate de que depois se vieram a arrepender, que não me pareça que se deva lançar aquela frase a crédito (ou a descrédito) de Malraux (também os intelectuais de esquerda, da nossa época, dizem tanto disparate ... só que ainda não chegou a época de se arrependerem). Proponho que se neutralize esta frase nas nossas “Vidas Comparadas”.

À medida que Hitler se prefigurava como uma ameaça, Malraux tornou-se figura de proa dos “amigos da URSS”. Por isso não se pronunciou aquando do pacto germano-soviético. Preso durante a guerra foge, vai para a zona de Vichy e em meados de 1944, após a ocupação dessa zona pelos alemães, entra na clandestinidade. Devido a isso, quando a seguir à guerra adere ao RPF do general De Gaulle, passa a ser acusado de seguir o itinerário clássico do “entusiasmo revolucionário” à "amargura reaccionária”.

Era uma erro de análise – para Malraux o perigo já não vinha de Hitler, mas do totalitarismo soviético. A uma escala reduzida, mas, cuidado! ... temos que atender à diferença de escala entre os dois países, Paulo Portas também teve um momento de ruptura – até 1982, Paulo Portas fez parte da JSD, Juventude Social-Democrata, mudando a seguir para o CDS. Paralelizando ... o perigo vinha agora do autoritarismo cavaquista.

Em 1958, após a tomado do poder por De Gaulle, Malraux torna-se um efémero Ministro da Informação. Infelizmente, P Portas nunca poderia comparar-se a Malraux neste pormenor, pois se nem uma Central de Comunicação o PR consentiu, quanto mais um Ministério da Informação! Cairia o Carmo e a Trindade ... e Belém antes!

Em 1959 Malraux tornou-se Ministro da Cultura. Há aqui um paralelo que, a estabelecer-se, seria muito divertido. Portas, como Ministro da Cultura, a lidar com os agentes culturais portugueses que só produzem para os amigos verem, que só sabem viver na subsídio-dependência e que temem qualquer êxito comercial, que os pode deixar, em definitivo, liquidados culturalmente junto dos seus pares. Uma de três coisas podia acontecer: 1) Ou a Cultura liquidaria Portas; 2) ou Portas liquidaria a Cultura; 3) ou liquidar-se-iam mutuamente. Qualquer das hipóteses 2 ou 3 parece-me um resultado deveras interesse. Para o País e para a Cultura.

Há todavia um paralelo que não consigo estabelecer. No barco que os trouxe da Indochina, Clara teria tido um affaire, que Malraux romancearia num capítulo d’A Condição Humana. É bom ser-se casada com um escritor – em vez de uma cena de pugilato caricata e burlesca, apanhar com um capítulo cheio de erotismo, numa obra premiada! Porém, neste episódio, não atino com qualquer paralelo ... todavia, talvez Nobre Guedes, que estabeleceu a comparação, saiba alguma coisa. Se souber, que o diga, pois não há qualquer problema, porquanto a má língua só é ignóbil quando se refere a alguém da esquerda. O pessoal da direita não sofre desses complexos ... teve que se habituar ...

Publicado por Joana às fevereiro 12, 2005 12:13 AM

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Comentários

Espectacular sobretudo esta tirada :


para Malraux o perigo já não vinha de Hitler, mas do totalitarismo soviético

Paralelizando ... o perigo vinha agora do autoritarismo cavaquista.


...deu para rir.... a bom rir...

Publicado por: Templário às fevereiro 12, 2005 12:35 AM

Mas Nobre Guedes tem cada uma...

Quanto às hipóteses que coloca, com Portas Ministro da Cultura, ele já lhe deu a resposta, pois Santana queria entalá-lo, mas ele não aceitou a prenda envenenada, porque sabia que a Cultura o Liquidaria !

Publicado por: Templário às fevereiro 12, 2005 12:39 AM

Também partilho a opinião de que o Nobre Guedes pode dar à luz a questão do paralelo do affaire... Mas vou esperar sentado.
Quanto ao resto, terá que fazer uma revisãozinha da matéria. É que Malraux, ao contrário do que você escreve, nunca aceitou o pacto germano-soviético e essa foi a razão determinante da ruptura com o Partido francês e com a União Soviética. Uma ruptura mais formal que ideológica, pois Malraux nunca foi um militante comunista. Como escritor e filósofo defendeu sempre a liberdade do indivíduo e da inteligência contra o controlo partidário. Outro factor importante para o seu afastamento foi o inqualificável procedimento do Partido em relação a Paul Nizan (esse, sim, um militante até à medula), depois de Nizan ter entregue o cartão do Partido, em protesto contra o pacto germano-soviético. Malraux e Nizan foram companheiros de armas e só quem sabe o que isso é pode compreender a natureza da sua amizade.
O silêncio de Malraux em relação ao pacto germano-soviético não tem qualquer relação (ao contrário do que sugere) com a sua «amizade» pela URSS, mas sim com o movimento dos pacifistas de esquerda (entre os quais Breton, Simone Weil e Jean Giono, que chegou a dizer que preferia ser um alemão vivo a um francês morto), que se opunham à guerra e afirmavam não descortinar qualquer ameaça alemã. Isto em 1938. Simone Weil foi a primeira a romper com esse movimento pacifista, mas o grupo manteve-se activo até ao início da guerra.

Publicado por: Anonymous às fevereiro 12, 2005 02:31 AM

Porque a História se faz na totalidade dos factos, aqui deixo, em sua intenção, o que se passou dois anos depois da frase de 1937. Teria sido necessário precisar que Malraux se aliou a De Gaulle quando participou na criação da Resistência na Alsácia (ou seja, logo no início da guerra).

«En 1937, Malraux déclarait " pas plus que l'inquisition n'a atteint la dignité fonda­mentale du christianisme, les procès de Moscou n'ont diminué la dignité fondamentale du communisme ". Mais après août 1939, Malraux lui-même ne pouvait accepter ce prix pour " la Révolution ". Ils quittèrent le parti ou le cercle des amis sympathisants : Nizan, Malraux, Prévost, Werth... la plupart des surréalistes, avec fracas ou avec discrétion comme toujours. D'autres avaient quitté ce cercle bien avant, comme Gide.»

Publicado por: Anonymous às fevereiro 12, 2005 02:51 AM

Pôr esses "agentes culturais" que olham para o umbigo a trabalhar nos Estaleiros de Viana do Castelo era capaz de ser uma medida muito importante

Publicado por: David às fevereiro 12, 2005 10:26 AM

Para a cultura, entenda-se, porque tenho receio que eles levassem os Estaleiros de Viana do Castelo à falência

Publicado por: David às fevereiro 12, 2005 10:28 AM

Se Portas fosse o Malraux Português, Santana seria o De Gaulle tuguinha ?

Publicado por: Templário às fevereiro 12, 2005 01:05 PM

De um pormenor :
A mulher de Malraux não se chamava «Claire».
Chamava-se «Clara».
"La vie est une fête déséspérée", uma frase sua que talvez sintetise todas as vidas ...

Publicado por: asdrubal às fevereiro 12, 2005 01:08 PM

Afinal sempre há paralelismos ...?!

Publicado por: Coruja às fevereiro 12, 2005 04:33 PM

Mesmo que não sejam os que o Nobre Guedes gostaria ...

Publicado por: Coruja às fevereiro 12, 2005 04:35 PM

Essa do "Ministério da Informação", é boa!
Seria a evolução do SNI?

Publicado por: E.Oliveira às fevereiro 12, 2005 04:54 PM

Está gira a comparação. E a primeira mulher de Malraux era Clara Goldschmidt. Era de origem alemã e judia. Mas isso é um pormenor.

Publicado por: Diana às fevereiro 12, 2005 05:45 PM

Mais uma vez o Mario Soares veio abrir a sua superior cloaca .

Eu fico parvo com tanta pesporrência, como é possivel alguem promover um golpe de estado como ele o pediu e sampaio fez. E depois vir dizer que se não houver maioria absoluta do PS, a responsabilidade é do POVO !!!

É preciso ter uma lata , que filho da puta .
É um cabrão de todo o tamanho.

Publicado por: Afonso Henriques às fevereiro 12, 2005 06:18 PM

Esse gajo é um nojo

Publicado por: bsotto às fevereiro 12, 2005 06:29 PM

O Sr. Nobre Guedes parece dar-se mal com sistemas democráticos.

Deve ser um caso de alergia aguda, e ainda por cima tem de suportar isto todos os dias.

Sejamos solidário com o pobre coitado.

Convido V. Exas a visitar a Embaixada de Zurugoa:

http://zurugoa.blogspot.com

Salut

Publicado por: Bandido Original às fevereiro 12, 2005 07:14 PM

Acabei de ver uma entrevista da Jornalista Constança a José Sócrates.

A Jornalista tem um estilo algo seco a rondar para o patético.

Começa com o Guterrismo e o pântano, Sócrates responde, ela insiste, onde está a mudança ? Sócrates responde, volta ao pântano e diz esta barbaridade, a minoria de Guterres nunca o impediu de Governar...( logo não deveria depois referir o queijo limiano ) Enfim, a melhor foi esta:
- Não acha estranho passados 3 anos ainda estarmos aqui a discutir o Guterres ?
- Resposta pronta se Sócrates, acho ! ( deveria era ter acrescentado ) você é que o trouxe à entrevista e não pára de falar dele, não fui eu !

( aguardo amanhã, para ver a entrevista a Santana ) que ela é patética já vi, vejamos se mantém o mesmo estilo.

Publicado por: Templário às fevereiro 12, 2005 09:29 PM

Afixado por Templário em fevereiro 12, 2005 09:29 PM

é deste tipo de "jornalista" que Joana gosta ; tenho assistido a todas as entrevistas dela aos responsáveis partidários e concluo que a direita portuguesa é como o pinto da costa : mais do que patética é provincina com tudo o que de mal a palavra encerra; a sra Constança só se "portou bem" com Portas: aquilo foi uma meiguice !já quanto a Socrates e Louçã, a sra conseguiu falar mais do que os entrevistados ! Patético e provinciano.

Publicado por: zippiz às fevereiro 12, 2005 10:41 PM

Ó Zippiz, não era a Joana que falava de jornalistas de causas ? Agora temos entrevistadoras de causas...

Publicado por: Templário às fevereiro 12, 2005 10:48 PM

Gostei desta ideia do paralelismo e da comparação com Plutarco. Em estilo ligeiro, mas bem conseguido.

Publicado por: Nunes às fevereiro 12, 2005 11:56 PM

Nunes

Obviamente que comparar Portas a Malraux, é como comparar Joana a Plutarco !!!

Publicado por: Templário às fevereiro 13, 2005 12:28 AM

Há pois: 2 estão vivos e os outros 2 estão mortos

Publicado por: bsotto às fevereiro 13, 2005 01:33 AM

bsotto em fevereiro 13, 2005 01:33 AM

Ou.. 2 cuja vida continuou para além da morte, e 2 que procuram a porta da eternidade.

Publicado por: Templário às fevereiro 13, 2005 09:52 AM

OU 2 cujos princípios lhes abriram as portas da eternidade e 2 ansiosos que julgam poder comprar as chaves dessa porta.

Publicado por: Sócrates às fevereiro 13, 2005 09:56 AM

Não percebo. Umas vezes acusam-na de anonimato e especulam sobre quem será. Outras dizem que procura a porta da eternidade.
Em que ficamos? Como é que uma anónima compra as chaves da porta da eternidade?

Publicado por: Hector às fevereiro 13, 2005 10:41 AM

Nota-se bem que não percebes.

Publicado por: Templário às fevereiro 13, 2005 10:56 AM

“São meus discípulos, se a1guns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem”.

Agostinho da Silva

Publicado por: Templário às fevereiro 13, 2005 01:29 PM

asdrubal e Diana: obrigada pela advertência. Emendei entretanto.

Publicado por: Joana às fevereiro 13, 2005 08:02 PM

Não foi difícil. O seu post deu-me curiosidade e estive a ver coisas sobre o Malraux. Foi aí que vi que a 1ª mulher dele tinha esse nome.
Também fiquei com a ideia que, para ele, as mulheres eram algo que se usa mas que se desdenha.

Publicado por: Diana às fevereiro 13, 2005 10:01 PM

Diana em fevereiro 13,

Para ele e para todos os da direita !

Publicado por: Templário às fevereiro 13, 2005 10:09 PM

Este sujeito é um doente político. Já agora, a esquerda também é melhor a jogar ao bilas?

Publicado por: Coruja às fevereiro 13, 2005 10:36 PM

Ao bilas e ao guelas !

ao jeito do Templário eheheheheheheh!

Publicado por: Gato Fedorento às fevereiro 13, 2005 10:42 PM

corujinha

Eu doente político ? porquê ?

Você é que tem palas !

A história dos últimos 50 anos, diz-nos que foram os ideais de esquerda que colocaram a igualdade homem/mulher na agenda política.

Historicamente a direita é : Deus, Pátria, Autoridade.

E pela questão actual em Portugal, sobre o Aborto, se verificam os pressupostos retrógrados da direita, que não se preocupa minimamente com as condições de Saúde das Mulheres que desejam abortar.
Ou seja, a Direita diz: Não têm nada que abortar ! ( é a tal autoridade, que neste caso defende conceitos religiosos )

Olhe, Portas perseguiu um barquito de gente de Ciência, que só aqui estava, com boas intenções, para melhorar as condições de saúde das mulheres.
Mas...Permite..que no Jornal Correio da Manhã se ponham anúncios Para Abortarem na Clínica dos ARCOS em Badajoz.

Publicado por: Templário às fevereiro 13, 2005 10:48 PM

Acho o seu blogue excelente, e este post é prova disso. Percebe-se que há uma vasta cultura por detrás, porque juntar os clássicos com o presente, como faz frequentemente, só está ao alcance de quem tem um conhecimento generalizado das coisas. E dar um tom brincalhão é sinónimo disso mesmo. Quando a cultura não é sólida, a tendência é para escrever pastelões pesados.

Publicado por: Gustavo às fevereiro 14, 2005 10:41 AM

Acho o seu blogue excelente, e este post é prova disso. Percebe-se que há uma vasta cultura por detrás, porque juntar os clássicos com o presente, como faz frequentemente, só está ao alcance de quem tem um conhecimento generalizado das coisas. E dar um tom brincalhão é sinónimo disso mesmo. Quando a cultura não é sólida, a tendência é para escrever pastelões pesados.

Publicado por: Gustavo às fevereiro 14, 2005 10:53 AM

Nem Plutarco safa o PSD

Publicado por: c seixas às fevereiro 17, 2005 11:11 AM

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