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dezembro 15, 2004

Prometemos o mesmo, mas ...

com a necessária mudança política

É certo que um périplo pelo centro e norte do país não ajuda à reflexão política. Aquelas gentes olham os lisboetas como vítimas infelizes da má alimentação e do fast food, amarelados e débeis. E quando lhes aparecem políticos da capital, alegadamente para lhes transmitir o evangelho da redenção do país, a primeira e, por vezes, a única preocupação que lhes suscitam é a imperiosa urgência de os alimentar. O político lisboeta enceta uma vigorosa tirada sobre a necessidade da mudança política e o íncola sorridente e solícito, estende a travessa e objecta: Pois ... é evidente ... e não vai mais este naco de entrecosto ... já reparou como não tem tirado os olhos de V.Exa? Ninguém na província lhe passa pela mente que um forasteiro vindo de Lisboa não esteja apenas empenhado numa excursão gastronómica.

Rodeado de morcelas, entrecostos, feijoadas, orelhas de porco, lombos de vaca, e etc., Sócrates não pode ser acusado de ter um discurso vazio. Qualquer político, por muito bom que fosse, não conseguiria arrancar qualquer ideia nova de um crânio fragilizado pela ascensão dos eflúvios provenientes de todo aquele manancial de colesterol devidamente misturado com encorpados tintos e espirituosos brancos.

Em vez do lombo de vaca, seria preferível terem-lhe servido o António Vitorino e o seu programa ... mas qual quê! ...Sócrates bem perscrutou por entre as cacholeiras, chourições e farinheiras, se divisava o lombo do Vitorino ... mas nem vestígios!

Nesta emergência, o ponto mais forte do programa que Sócrates apresentou foi o «Queremos a maioria absoluta». Sócrates não disse o que pretende fazer, mas apenas o que quer. Normalmente os políticos começam por prometer coisas e só quando estamos encurralados, sem alternativas, é que eles nos pedem coisas. Sócrates foi direito ao fim – começou por pedir. E para que quer tal coisa? «para que Portugal possa ter um governo preocupado apenas com a governação e possa aplicar um projecto coerente». Mas para que vai servir esse projecto coerente? «para que o país possa vir a ter um governo estável».

Querer estabilidade para ter um governo estável cheira a tautologia, pois Sócrates quer uma maioria, logo uma situação política estável (desde que o PR não se chame Sampaio), para levar a cabo o exaltante projecto de ter um governo estável. E tem razão. Precisamos de um governo tranquilo, sossegado, de pantufas e amodorrado no sofá, cabeceando face ao aparelho de TV, e não «uma governação que está sujeita aos humores do momento, aos caprichos de quem governa, ao espírito de quem acha que pode fazer política como um episódio de cada dia».

Falou todavia de um assunto concreto – a empresarialização dos hospitais e sublinhou: o Governo do PS não vai olhar com preconceito e deitar fora tudo o que tiver sido feito pelo PSD". "Vai olhar para o que existe e melhorar", prometeu, acrescentando que o PS considera a empresarialização dos hospitais "um bom passo, em termos de descentralização", ainda que mantenha "reticências" quanto à forma como os governos PSD-CDS concretizaram a medida.

Esta frase consubstancia as posições de Correia de Campos sobre esta matéria e que eu já referi neste blog: está de acordo sobre a solução, mas fortemente crítico por causa dos boys escolhidos para as administrações serem os do outro clube.

O momento alto do seu périplo foi quando Sócrates fez as promessas que até agora nenhum político jamais ousara fazer. Cheio de coragem, de peito feito e olhos nos olhos, perante um auditório estarrecido de emoção, prometeu «rigor nas finanças públicas, crescimento económico, justiça e coesão social e modernidade».

Sentindo o olhar carrancudo de Manuel Alegre pousado nele, apressou-se a acrescentar «crescimento acompanhado de uma consciência social». Foi inolvidável. Julgo que mais nenhum partido se atreverá a fazer promessas tão inovadoras.

Sócrates não responde a perguntas sobre eventuais coligações ou acordos pós-eleitorais, justificando que a conquista da maioria absoluta, nas legislativas de 20 de Fevereiro, é "o único cenário admitido”, pois uma «vitória dos socialistas sem maioria absoluta não seria "uma boa solução para o país». Sócrates tem toda a razão – seria uma situação péssima. E por ser uma situação péssima é que Sócrates deveria explicar, desde já, o que fará então. Quando alguém se abalança a um empreendimento, e só constrói cenários optimistas, arrisca-se a grandes dissabores. Neste caso Sócrates pretende conquistar o voto útil, mas correndo o risco de ficar refém de um acordo pós-eleitoral. O grave desta questão é que não seria apenas o PS a ficar refém, seria todo o país.

O início da campanha de Sócrates, para além das rescendentes morcelas e farinheiras, tem-se pautado pela negativa. Diz mal do governo anterior. Muito mal. Curiosamente não aponta as políticas erradas, mas apenas «episódios que desprestigiam as instituições e assinalam um estilo marcado por caprichos e por birras». E afirma peremptório que, em contrapartida, «apenas nos devemos concentrar nos problemas nacionais», enquanto pensa, melancólico, nas saborosas morcelas que estão à espera dele. Nos problemas políticos nacionais não pensa, obviamente, pois senão proporia soluções para eles.

O discurso de Sócrates até agora tem sido absolutamente vazio. Apenas generalidades e banalidades. Esperemos que quando Vitorino escrever o programa, esse discurso ganhe alguma substância.

Publicado por Joana às dezembro 15, 2004 11:57 PM

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Comentários

Medida financeira de caracter conjuntural, aliviando a tesouraria/cash-flow mas penalizante do ponto de vista da rentabilidade económica/resultados.

E pergunta-se :
(1) vão os institutos/organismos públicos passar a pagar renda a terceiros ?
(2) isto é um acto de gestão corrente dum governo "limitado" politicamente ?

Publicado por: zippiz às dezembro 16, 2004 12:32 AM

peço desculpa mas ,
o comentário anterior está desfasado neste post e diz respeito ao "lease-back" que o governo pretende fazer com + de 60 edifícios públicos.

Publicado por: zippiz às dezembro 16, 2004 12:37 AM

Além do mais, Joana não fala, uma vez sequer, nos sindicatos da Função Pública...
Não há direito! Quer dizer: não há direita|

Publicado por: (M)arca Amarela às dezembro 16, 2004 01:25 AM

Depois de tudo visto, conferido e ponderado, conclui-se que o projecto de Sócrates consiste apenas de um único ponto: Fatinho escuro e gravata às riscas.

Publicado por: Senaqueribe às dezembro 16, 2004 11:27 AM

... Vitorino começa a tardar com o «programa». E quanto mais se demora, mais o «outro» parece etéreo, e quanto mais o «outro» parece etéreo, mais Vitorino se aplica ... mas vemo-lo já, com o documento na mão, montado num puro sangue lusitano de Alter-do-Chão, subindo a Braancamp em direcção ao Rato ... «está aqui Portugal !».
E arredores, digo eu.

Publicado por: asdrubal às dezembro 16, 2004 12:45 PM

(M)arca Amarela em dezembro 16, 2004 01:25 AM:
Esta «paragem» obriga os sindicatos da Função Pública a ficarem calados até haver novo governo.
É uma pausa boa para todos.

Publicado por: Joana às dezembro 16, 2004 01:01 PM

Joana em dezembro 16, 2004 01:01 PM

E se aproveitasse a pausa para explicar porque é que a Galp (empresa dominante no mercado e dependente do governo) mantem o preço dos combustíveis, quando o Brent está abaixo dos 45 dólares há mais de um mês (hoje está a 38) e o euro passou de 1,22 dólares em Setembro para 1.34 hoje (em subida permanente e contínua)?
Repare que nem faço as contas a 12 meses...

Publicado por: (M)arca Amarela às dezembro 16, 2004 01:07 PM

Cara Joana,
não percebo porque há tanta preocupação da sua parte em exigir JÀ o programa do PS e não pede o mesmo ao PSD-CDS???
O Sócrates anda a comer uns chouriços e umas alheiras, e o Santana e Portas não andam a comer todos os dias LAGOSTAS para decidirem se vão juntos ou separados????
Tambem acho que um bom assunto para fazer um comentário, seria a noticia do DE (Diário Económico) que informa que o PIB para crescer o que os governos anteriores afirmaram (1,3)teria de crescer 1% este mês, logo não vai passar de (0,3).
Isto será menos importante do que andar a averiguar o que o Socrates anda a fazer em pré-campanha???
Cara Joana, eu até leio o que você escreve algumas vezes, e por vezes estou de acordo consigo, mas neste momento parece-me que está muito obcecada com o Sócrates, será com medo que ele tenha a maioria absoluta???
Tambem me parece uma obssessão, tanto a Joana como os dirigentes do CDS e do PSD, passarem a vida a querer que o homem diga o que fará se não tiver a maioria absoluta, querem por força que ele diga que se vai juntar ao PCP???
Claro que não irá!!! não haveria governabilidade possivel.
Boas Festas.

Publicado por: CaLoPeSi às dezembro 16, 2004 02:01 PM

Sócrates tem dito o que precisa e tem ficado calado quando deve.

Publicado por: vitorjose às dezembro 16, 2004 02:06 PM

CaLoPeSi em dezembro 16, 2004 02:01 PM:
«muito obcecada com o Sócrates»?
Julgo que desde a eleição para secretário geral é a primeira vez que escrevo sobre ele.

Publicado por: Joana às dezembro 16, 2004 02:30 PM

Pois, mas fica calado porque não quer que saibam o que teria de dizer

Publicado por: David às dezembro 16, 2004 02:36 PM

Os queques descamisados
Não consigo entender por que motivo José Sócrates não esclarece a malandrice que o chico-esperto P. Portas anda a tentar usar contra o PS. Afinal é simples:

1 - O PS quer maioria absoluta;
2 - Se não a obtiver, obviamente irá discutir com outras forças políticas outras soluções possíveis (nem é preciso esclarecer com quais, dado que PSD e CDS se auto-excluíram);
3 - O PS obviamente prefere a solução 1 porque é um partido de centro-esquerda (outra chico-espertice de P. Portas essa de falar sempre na dicotomia entre centro-direita e esquerda), com cultura de governo, experiência e, já agora, se não for pedir demais, com capacidade para aprender com os erros do passado.
4 - O que está em jogo é saber se o eleitorado quer prolongar ou não a experiência governativa dos 2 queques descamisados (Santana e Portas). Note-se que, quanto a esta questão, José Sócrates não tem perdido ocasiões para frisar este ponto, que é essencial para desmoralizar a direita.

Publicado por: Miguel RM às dezembro 16, 2004 03:52 PM

Com este post Joana dá-nos a perceber que não vai votar no PS e no Eng. Sócrates. O próximo post dir-nos-á porque é que Joana não irá votar no PSD e em Santana Lopes. O seguinte esclarecerá porque não irá votar no CDS e em Paulo Portas. Depois virá outro que nos dirá porque é que ela não irá votar no PCP e em Jerónimo de Sousa. Finalmente, outro tornará claro porque é que Joana ainda não é desta vez que vai votar no Bloco de Esquerda e em Francisco Louçã. Fico na dúvida sobre se os Verdes justificarão outro post da Joana. Mas, interessante, interessante, seria o post seguinte dizer-nos o que a Joana fará no dia 20 de Fevereiro próximo, e porquê...

(P.S. - No caso de alguém estar interessado, se o Garcia Pereira se candidatar vou votar no PCPT/MRPP. Se não se candidatar, fico em casa a brincar na internet...)

Publicado por: Albatroz às dezembro 16, 2004 04:04 PM

Cara Joana,
Retiro a frase, pronto!
Já agora, na minha modesta opinião, acho que devemos dar o beneficio da dúvida ao Sócrates, porque enquanto foi ministro fez algumas coisas, nomeadamente no campo da defesa do consumidor, e do ambiente...não teve tempo para mais...mas que parece ser mais combativo que o Guterres, parece... tambem enfrentou "lobos", falta saber se como primeiro ministro, se lá chegar, terá a mesma força e determinação...houve muita controversia com o Euro2004, mas as estatisticas mostram que o país este ano só cresceu alguma coisa por influencia do dito....mas parece que já o perdeu... e ele foi um dos principais protagonistas.

Publicado por: CaLoPeSi às dezembro 16, 2004 04:06 PM

Ó Miguel RM, pelo sim, pelo não, se calhar era melhor esclarecer com que outras forças políticas o PS irá (já nem digo iria) discutir outras soluções políticas ... uma vez que «os queques descamisados se auto-excluíram» (malandros) ...

Publicado por: asdrubal às dezembro 16, 2004 04:19 PM

Aircafts approaching Semiramis blogport... Attention...
Turn right... turn right...
There comes at any moment a comment about Tunel do Marquês & the incredible Sá Fernandes...

(next time fasten your seat belts, please)

Publicado por: (M)arca Amarela às dezembro 16, 2004 06:10 PM

Afixado por: Albatroz em dezembro 16, 2004 04:04 PM

Pode ficar descansado.
É claro que Garcia Pereira será candidato nestas, nas próximas e sempre, Deus o ajude.
Não se esqueça da Carmelinda Pereira, também merece o prémio da resistência.

Publicado por: carlos alberto às dezembro 17, 2004 12:01 AM

Quando o Vitorino escrever o programa, o Sócrates explica tudo.

Publicado por: cosme às dezembro 17, 2004 12:37 AM

Já tive melhor impressão do Sócrates que tenho hoje. Também está em funções diferentes e isso pode ter obrigado a que ele quisesse ter um ar diferente e postiço. É isso que eu acho nele, ser postiço

Publicado por: V Sousa às dezembro 17, 2004 10:21 AM

O Sócrates ainda está em précampanha, a aquecer os motores. Esperemos que aqueça

Publicado por: vde às dezembro 17, 2004 10:29 AM

(M)arca Amarela em dezembro 16, 2004 06:10 PM
Eu sei os riscos que um túnel comporta. Tenho assistido, embora do ponto de vista do acompanhamento financeiro, à execução de diversos túneis, normalmente grandes interceptores de 1,5 a 2 metros de diâmetro e há sempre complicações.
Mas as complicações derivam da má qualidade dos projectos. Normalmente não se fazem sondagens em número suficiente. Portanto não é seguro que entre dois pontos sucessivos de sondagem as zonas geológicas não tenham alterações que não são percepcionadas.
Por isso, durante as obras há muitas surpresas e os empreiteiros resguardam-se disso, na forma como elaboram as propostas. Os azares das zonas geológicas serem diferentes das que constam no projecto, ou das que o dono da obra fornece no concurso, saldam-se em agravamentos de custos, porquanto implicam equipamentos diferentes de perfuração e de sustentação.
Eu julgava que quanto mais duro fosse o terreno, mais caro era. Verifiquei depois que não era assim. Se o terreno é mole o custo da sustentação provisória é muito elevado. Além do mais é dificilmente quantificável porque exige muito betão de enchimento e as fiscalizações e o dono da obra têm dificuldade em contrariar os números do empreiteiro.
Espero que, numa obra desta envergadura, numa zona em que deve haver um bom conhecimento geológico, dadas as obras anteriores, estas matérias tenham sido acauteladas.
O resto é chicana política.
O caso do túnel do metro é um pouco diferente porque se insere numa zona muito complicada e onde podia haver surpresas muito desagradáveis.
E houve. O que espanta é que Ferro Rodrigues despachou, de mão beijada, 30 milhões de contos para o empreiteiro e não teve nem 10% da contestação actual.

Publicado por: Joana às dezembro 17, 2004 01:17 PM

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