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dezembro 06, 2004

A Sagração de um César

A França está entusiasmada com o 2º centenário da sagração de Napoleão como imperador dos franceses. Um Napoléon que era Napoleone e que se tornou francês por um acaso. O governo de Luís XV adquiriu a Córsega à República de Génova um ano antes do nascimento do futuro César. Mas a França sempre soube chamar a si as “glórias” dos “emigrantes” ou “anexados”, desde Napoleone a Vieira da Silva.

Dois nomes avultam nessa sagração: Napoleão, o protagonista principal, e David, que a pintou.

Napoleão foi um génio militar e um hábil político cujos retumbantes êxitos militares e políticos fizeram com que acabasse num general mediano e num político autista. Jovem capitão, dirigiu o cerco de Toulon e conquistou a cidade. Graduado imediatamente em General de Brigada pelo governo revolucionário de Robespierre, esteve a um passo da guilhotina quando, meia dúzia de meses depois, se deu o 9 Thermidor (27-7-1794). Foi Barras que o foi buscar à obscuridade para defender a Convenção contra a insurreição realista. A 13 Vendimário (5-10-1795) colocou os canhões no enfiamento das ruas que levavam ao Palácio da Convenção e liquidou os insurrectos armados apenas de mosquetes e espingardas. Foi a primeira vez na história que uma manifestação de rua, mesmo com gente armada, foi varrida a tiros de canhão.

Mas foi a 1ª campanha de Itália que lhe deu o estatuto de genial. O Directório havia concentrado as suas melhores tropas no Reno, sob o comando de Moreau. Bonaparte apresentou um plano para invadir o norte de Itália e o Directório aceitou-o como uma manobra de diversão. O exército que Bonaparte tinha ao seu dispor era pequeno, esfarrapado e mal armado. A corrupção nos abastecimentos era enorme. Com a chegada de Bonaparte tudo mudou. Em menos de um ano as tropas francesas estavam a poucas dezenas de quilómetros de Viena, as forças piemontesas e os vários exércitos austríacos enviados contra Bonaparte destruídos. O que seria apenas uma manobra de diversão, levou à capitulação da Áustria.

Os seus êxitos militares e a instabilidade política em França facilitaram o golpe de Estado do 18 de Brumario (9-11-1799). A democracia representativa havia substituído a legitimidade monárquica com a Revolução. Com o 18 de Brumario, o plebiscito populista prevalecia. O denominação “18 de Brumario” passou a designar a apropriação autoritária do poder referendada por plebiscitos populares. E foi com sucessivos plebiscitos que Napoleão Bonaparte se tornou 1º Cônsul, 1º Cônsul vitalício e Imperador.

E o estrépito das sua vitórias só tiveram paralelo com o fragor das suas derrotas. Após Waterloo, os limites da França regressaram às fronteiras de 1791, bem dentro das fronteiras que Napoleão encontrou quando começou a sua epopeia.

David é o paradigma do artista que se deixa seduzir pelos mitos políticos em voga, apoiando-os desapiedadamente, intolerantemente. Tornou-se um jacobino feroz, votou a morte do rei na Convenção, e foi um polícia impiedoso enquanto membro do Comité de Sûreté Générale. Imortalizou a figura de Marat, pintando A Morte de Marat, onde Marat aparece representado na sua banheira numa postura que lembra a Descida da Cruz de Cristo. As virtudes da caridade e do desapego do mártir revolucionário são acentuadas pelo vazio do fundo.

Preso após a queda de Robespierre, fez a sua travessia do deserto, até encontrar outro ídolo ... em Napoleão! Em 1801 pinta a Passagem do Grande São Bernardo, onde o então 1º Cônsul é representado numa alegoria prodigiosa do herói montado num cavalo empinado, apontando para as planícies de Itália, como o teriam feito Aníbal e de Carlos Magno outrora.

Finalmente, a suprema deificação do Ditador – David trabalhou durante 2 anos (1806-1808) na passagem à tela da coroação de Napoleão. É uma pintura imensa, de um pormenor exaustivo, retratando todo o fausto e a glória da cerimónia e acrescentando algumas liberdades próprias, ou exigências do patrão. Avatares de um artista ...

Fanático dos jacobinos, regicida e fanático de Napoleão era uma mistura explosiva. Após a queda de Napoleão, e o regresso dos Bourbons, viu-se obrigado a exilar-se de França, morrendo alguns anos depois em Bruxelas.

David_Coronation of the Empress Josephine.jpg
David Imperial

marat.jpg
e David revolucionário ... A Morte de Marat

Publicado por Joana às dezembro 6, 2004 08:08 PM

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Comentários

Este blogue pode ser de direita, mas tem nível e os assuntos são tratados com seriedade, mesmo quando não concordemos com ele.
Li num dos blogs mais conhecidos que o Director do Público tinha um Bushto do Napoleão, por ter escrito um artigo sobre este assunto.
Provavelmente o cretino que escreveu aquela piada deve rir-se muito com ela e mais uns parvos que gostam daquilo.

Publicado por: Ricardo às dezembro 6, 2004 08:46 PM

É mesmo. Tudo com muita seriedade. Neste, então, gostei muito da qualificação de Napoleão como «general medíocre» e daquela insurreição armada crismada em «manifestação de rua».
À luz deste critério, o 25 de Abril deve ter sido «um desfile militar».

Publicado por: (M)arca Amarela às dezembro 6, 2004 09:01 PM

«Mas a França sempre soube chamar a si as “glórias” dos “emigrantes” ou “anexados”, desde Napoleone a Vieira da Silva»
...............
Da lista seguinte, diga-me quais os países que nunca chamaram a si as «glórias» dos «emigrantes» ou «anexados»:

Inglaterra
Alemanha
Espanha
Itália
Estados Unidos
Brasil
Austrália
Portugal

Publicado por: (M)arca Amarela às dezembro 6, 2004 09:08 PM

(M)arca Amarela em dezembro 6, 2004 09:01 PM
Eu escrevi «Napoleão foi um génio militar e um hábil político cujos retumbantes êxitos militares e políticos fizeram com que acabasse num general mediano e num político autista.»
Portanto, por miúdos, o que eu escrevi foi que os êxitos dele lhe fizeram perder qualidades. Aliás, o Napoleão de Wagram já está a milhas do da 1ª Campanha de Itália e de Austerlitz.
Para não falar das Campanhas da Rússia e de Espanho, da batalha das Nações em Leipzig, etc.
Em Waterloo cometeu diversos erros
Etc, etc..

Publicado por: Joana às dezembro 6, 2004 09:20 PM

A insurreição das secções realistas de Paris no 13 Vendimário eram armadas, na mesma maneira que as manifs dos Sans-Culottes o foram no período 1791-94. Não foi uma sublevação militar. Eram civis, a maioria deles armados, mas com armamento ligeiro.
Quanto aos anexados eu não estava a falar do ex-nigeriano medalhado. Você certamente percebeu o que eu quis dizer

Publicado por: Joana às dezembro 6, 2004 09:27 PM

Como ali em cima um Ricardo se referiu ao "Barnabé" e a um post ali colocado por André Belo, transcrevo o que ali escrevi.

Coloco entre parentesis o que não interessa aqui... o resto, cá fica...

==========
(Ser-se tão politicamente correcto como o André belo demonstra neste post ou como os comentários que me antecedem, deve ser cansativo: deixa de haver espaço para os neurónios funcionarem.)
.
Sabem o que lhes digo?

Pena foi, que do alto destes anos todos que me precedem, Napoleão não se tenha realmente interessado por esta caganita que dá pelo nome de Portugal...

Talvez que desde essa "heróica" resistência até hoje nada tenha mesmo mudado...

Talvez que desde essa "heróica" resistência até hoje ainda sobrevivam os "bobos da corte" de que a Corte se esqueceu no cais...

E é pena: a erva daninha multiplica-se bastante...

Publicado por: re-tombola às dezembro 6, 2004 09:39 PM

"Napoleão foi um génio militar e um hábil político cujos retumbantes êxitos militares e políticos fizeram com que acabasse num general mediano e num político autista.". Isto cheira a tragédia grega e não é, por certo uma tese séria ! É como dizer que Napoleão morreu envenenado em Santa Helena porque trocou a Josefina pela Maria Luísa !

Quanto a David: se o fanatismo é condição para tão esplêndida e majestosa expressão acho que ele é desculpável ...

Publicado por: julia às dezembro 6, 2004 11:07 PM

Olha Joana: lamento mas vou ter de discordar de si novamente (será que o Luis Rainha ainda vem a este Lazareto? Se vier espero que ponha os olhos nesta minha ousadia...).

Quando você diz que 'A França está entusiasmada com o 2º centenário da sagração de Napoleão como imperador dos franceses' esta muito enganada, garanto-lhe... por estes sítios todos, absolutamente todos, se estão bem nas tintas para a 'sagração' do gajo... Os Invalides (onde ele repousa em eterna glória, para repouso de tantos outros...) andam às moscas por estes dias...

Chirac? ah sim! esse tem bustos de Napoleão... agora o resto do pessoal? naaaahhh...

Publicado por: P Vieira às dezembro 6, 2004 11:14 PM

"Director do Público e o Bushto do Napoleão"

continuo a comprar e a ler o jornal Público apesar do director que tem.
o editorial de JMF é digno de ser lido para se perceber o que pensam certos figurões, não de Napoleão, pelo que escreve, mas de Bush ... pelo que não escreve.

Publicado por: zippiz às dezembro 6, 2004 11:28 PM

Joana, deixe lá o Napoleão falemos de coisas...sérias !
e aqui vai o meu contributo :

«Se o PSD e o PP usarem a estratégia correcta de campanha, os portugueses tenderão a achar que houve uma inversão inexplicável de um ciclo e o ataque directo a um Governo e a um PM, que mesmo tendo cometido erros e falhanços, não teve tempo para mostrar o que valia.»

Luís Delgado (in Diário Digital)

Publicado por: zippiz às dezembro 6, 2004 11:57 PM

P Vieira em dezembro 6, 2004 11:14 PM:
Mas ao menos o Chirac ...
E o Chirac são mais de 2/3 dos franceses. Portanto 2/3 dos franceses ...

Sabe, eu há muito que não acreditava nas opiniões da nossa comunicação social. Mas quando se reportava a factos julgava que não os inventava.

Outro dia tive uma surpresa com um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, sobre um homicida ter estrangulado a própria mulher, que estava relatado no Público, mas não num artigo de opinião. Depois surgiram vários artigos de opinião sobre esse alegado facto.

Eu ironizei sobre esse assunto num post lá para trás e um comentador transcreveu o acórdão que, aparentemente, não tinha nada a ver com a notícia.

Fiquei incomodada, porque mentirem ou exagerarem em artigos de opinião, é corrente ... agora em relatos de factos!?!?

Também li algures, na nossa imprensa, que a França estava a comemorar o 2º centenário da coroação de Napoleão. Você não nota qualquer entusiasmo. Provavelmente a nossa imprensa exagerou.

Mas acontece. Nós tivemos uma Comissão para as comemorações dos 500 anos dos grandes descobrimentos e para além do dinheiro que se gastou no pessoal que lá esteve a trabalhar a fazer não sei o quê e de alguns livros editados discretamente, não houve mais nada.

Publicado por: Joana às dezembro 7, 2004 12:17 AM

zippiz em dezembro 6, 2004 11:57 PM:
Você falou em coisas sérias?

Sabe, eu acho piada ao Luís Delgado: é simples e directo. Infelizmente, na maioria das vezes é demasiado simples. Nos comentários televisivos essa simplicidade joga a favor dele, porque vai direito ao assunto e a simplicidade na comunicação oral facilita a transmissão da mensagem.

Mas a escrever é um desastre.

Publicado por: Joana às dezembro 7, 2004 12:23 AM

È só visitar os sites do LeMonde, LeFigaro e visitar as revistas francesas. Não sei se o francês comum comemora Napoleão, mas as elites não tenho dúvida que o fazem. O que explica muito da sua política externa e das atitudes.
Quanto a Portugal(fomos o único país que recusou o ultimato de Napoleão) podemos orgulharmo-nos de ter sido uma pedra no sapato de Napoleão, termos contribuímos decisivamente para a sua queda ao desviar importantes recursos para a Península. Com os Espanhóis entretidos numa guerra civil fomos os mais consequentes. Foi da ocupação da Península que surgiu a expressão guerra de guerrilha.

Publicado por: lucklucky às dezembro 7, 2004 09:52 AM

Dizes tu ali acima:

"Sabe, eu acho piada ao Luís Delgado: é simples e directo. Infelizmente, na maioria das vezes é demasiado simples. Nos comentários televisivos essa simplicidade joga a favor dele, porque vai direito ao assunto e a simplicidade na comunicação oral facilita a transmissão da mensagem.

Mas a escrever é um desastre."

Obrigado pela resposta Janica, confirmas exactamente o que eu disse.És uma pseudo-intectual radical de direita que não gosta da concorrência, que menospreza só pela influência que tem e que te é negada!
Mas o Luizinho é um vendido como tu, só que com mais sucesso.

Publicado por: Átila às dezembro 7, 2004 12:16 PM

lucklucky em dezembro 7, 2004 09:52 AM:
De acordo consigo. Os políticos franceses ainda estão com saudades de Napoleão

Publicado por: cosme às dezembro 7, 2004 12:59 PM

va tomar banho....

Publicado por: Eu às fevereiro 6, 2006 09:01 PM

Hammm...Bom...Hummm
hummm...o que posso dizer!!!
hammm...
è isso ai!!!
vlw!!!

Publicado por: Eu às fevereiro 6, 2006 09:02 PM

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