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novembro 25, 2004

25-11-1975, o Thermidor Português?

Muitos consideram o 25 de Novembro de 1975 como o epílogo da Revolução Portuguesa. Não concordo com essa opinião. Em 25 de Novembro foram derrotadas as forças políticas mais radicais, que tinham impulsionado o PREC. A partir daí deu-se o refluxo da maré revolucionária, mas não se encontraram os equilíbrios sociais próprios de uma sociedade democrática estável. O epílogo da Revolução Portuguesa deu-se com a ascensão ao poder de Cavaco Silva, a sua consolidação política e o fim do espectro de uma fase cesarista, consubstanciada em Eanes e no Conselho da Revolução, cesarismo frequente nos finais das revoluções quando as sociedades não conseguem encontrar equilíbrios consensuais.

A primeira quinzena de Julho de 1974 marca o fim da primeira fase da revolução: a fase dos notáveis. Nessa primeira fase tinham confluído os interesses da oficialidade mais jovem, descontente com uma guerra sem solução militar à vista, o liberalismo tecnocrático, ansioso de se pôr em dia com a Europa e que reprovava a ineficácia do aparelho salazarista, e as opções da pequena burguesia esclarecida, favorável a uma estratégia democrática. Essa fase acabara. Entre 8 e 12 de Julho era criado o COPCON (8-7), caía o governo de Palma Carlos (9/7) e Vasco Gonçalves era indigitado 1º ministro (12-7). O poder da rua impunha a sua força.

Para contrariar o protagonismo das forças radicais, Spínola faz apelo à «Maioria Silenciosa». O problema da «Maioria Silenciosa» é que ela é ... silenciosa. Pode exprimir-se nas urnas, mas não tem apetência para acções de rua, a menos que adquira o sentimento da sua força e importância numérica, através do sufrágio. Este apelo de Spínola, embora tivesse apoio de gente do PS, foi prematuro e precipitado.

Mas isso ocorre normalmente em qualquer revolução deste tipo (revolução de Abril, Revoluções Francesas 1789-99 e 1848-51, revolução bolchevique, etc.). Tentativas extemporâneas de inverter uma revolução acabam sempre por a fortalecer.

A elaboração de um «Programa Económico de Transição» coordenado por Melo Antunes foi um acto falhado. Quando começou a ser concebido fazia sentido. Quando foi concluído, veio à luz num país em que cada força política tinha objectivos diferentes e mutuamente opostos e estava convencida de conseguir atingi-los. Um mês depois Spínola é levado a tentar um golpe de estado, para inverter o processo. Dá-se a insurreição da Base Aérea de Tancos e um ataque aéreo ao Quartel do RAL1. Esta intentona, completamente desajeitada, enfraquece as forças que se opõem ao PREC e reforça os elementos radicais. Uma onda de nacionalizações (banca e seguros) abala os fundamentos económicos da sociedade portuguesa.

As eleições de 25 de Abril de 1975 para a Constituinte contaram “a rua”. Não chegavam a 20%. Poderiam ter servido de matéria de reflexão para os líderes que “comandavam a rua”, mas nunca servem. Na Assembleia Constituinte na Rússia os bolcheviques tiveram um peso eleitoral ligeiramente superior (25%), mas como tinham as forças armadas (quase totalmente expurgadas de oficiais) nas mãos, dissolveram a Constituinte e tomaram o poder. Durante a Revolução Francesa, a Montanha dispunha de pouco mais de 10% dos Convencionais. Mas o pavor em que os membros da Convenção Nacional viviam face à violência das secções populares arregimentadas pela Comuna de Paris, levou-os a votarem favoravelmente as decisões mais perversas da Montanha e foram precisas sucessivas cisões no interior da Montanha para que acontecesse o 9 Thermidor e acabasse o terror. Até se auto-destruir, a Montanha dominou a seu bel-prazer.

Mas a Revolução Francesa ocorreu há mais de 2 séculos, numa época em que a consciência cívica e democrática estava ainda em embrião. A Revolução Bolchevique deu-se em plena Grande Guerra, numa época em que o Mundo vivia uma grande instabilidade. O MFA consciente de que as eleições seriam desfavoráveis para o PREC tentou subverter os seus resultados previsíveis através de uma série de medidas prévias à realização das eleições: 1) Institucionalização do MFA através da criação do Conselho da Revolução (CR) e da Assembleia do MFA. O CR ficaria com poderes constituintes até à promulgação da Constituição. 2) Estabelecimento de uma Plataforma de Acordo Constitucional com os partidos, definindo um conjunto de regras a que a Constituição deveria obedecer, consagrando a existência constitucional do CR e da Assembleia do MFA e o direito de veto do CR sobre a Constituição, mas também sobre leis aprovadas na futuras Assembleia Legislativa. 3) À Constituinte ficava vedado ocupar-se da composição ou alteração do governo provisório.

Todos os partidos com pretensões eleitorais assinaram este acordo, pois não tinham alternativa.

Por via disso, e apesar da votação ser, para a «Aliança Povo-MFA», uma catástrofe muito superior à previsível, durante o mês seguinte foram nacionalizados sectores vitais da economia portuguesa: Produção, Transporte e Distribuição de Energia Eléctrica, Petróleos, Siderurgia, Cimentos, Transportes, etc., conjuntamente com a ocupação de terras nos meios rurais e a criação das UCP's, segundo o modelo soviético. Foi o «Socialismo aos empurrões»: a fraqueza eleitoral da «Aliança Povo-MFA» levou às nacionalizações apressadas, de forma a pôr as forças políticas que representavam mais de 80% do eleitoral perante factos consumados. Esta perversão política apenas serviu para arruinar o país, pois logo que as revisões constitucionais o permitiram, a quase totalidade daqueles activos (ou o que restava deles) foi privatizada.

O PS foi o principal vector de combate a esta situação. Sem qualquer mácula de ligações à ditadura, vencedor folgado das eleições e sistematicamente banido dos centros de decisão políticos e económicos, espoliado de acesso à comunicação social, inclusivamente d’A República (19-5-75), assumiu o papel de vítima. Uma semana depois as instalações da Rádio Renascença, propriedade do Episcopado, também eram ocupadas pelos trabalhadores. Em 16 de Julho, alegando estar a ser marginalizado e em vias de ser expulso da vida política, o PS abandona o governo e o PPD segue-lhe o exemplo.

Estes acontecimentos levaram a uma cisão no MFA. Muitos oficiais da elite revolucionária consideravam que se estava a caminhar no sentido inverso às intenções iniciais dos revoltosos, o estabelecimento de uma democracia parlamentar, e que as forças radicais estavam a tomar conta do processo e se caminhava para uma situação totalitária. Esta cisão foi-se aprofundando de uma forma dramática. A ala esquerda do MFA, COPCON (ligado aos esquerdistas) e gonçalvistas (ligados ao PCP e MDP) foi ficando isolada perante os sectores democráticos do MFA, agrupados atrás do Grupo dos Nove, e que se opunham às teses políticas do Documento Guia Povo/MFA, a Bíblia da ala esquerda.

Neste processo a ala esquerda do MFA acabou derrotada na Assembleia do MFA e Vasco Gonçalves obrigado a demitir-se, em fins de Agosto. Pinheiro de Azevedo sucedeu-lhe. Em face da fraqueza da ala gonçalvista do MFA, o PCP deixou-se arrastar para alianças pontuais com os grupos radicais de esquerda, julgando, porventura, que conseguiria liderar o processo. Ora isso era insensato: a ala gonçalvista não tinha força militar e o COPCON, que a tinha, estava completamente dominado pelos radicais de esquerda. Nesta via, o PCP andaria sempre a reboque dos esquerdistas.

Em Novembro a situação era insustentável e só podia resolver-se mediante a derrota militar de uma das facções. No dia 12, uma manifestação de trabalhadores da construção civil sequestra os deputados no Palácio de S.Bento. No dia 15 dá-se o juramento de bandeira no RALIS (ex-RAL1) onde os soldados quebram as normas militares que regulamentam o juramento de bandeira e fazem-no de punho fechado.

A exibição dos ícones revolucionários empolga os mais radicais, mas afugenta todos os outros. Os elementos radicais do COPCON ficaram isolados entre as forças armadas. No dia 20, o Conselho da Revolução decide substituir Otelo Saraiva de Carvalho por Vasco Lourenço no comando da Região Militar de Lisboa. Entretanto o Governo anuncia a suspensão das suas actividades alegando "falta de condições de segurança para exercício do governo do país". O próximo disparate dos elementos radicais das FA seria o detonador para a sua liquidação.

Tal ocorreu em 25 de Novembro quando paraquedistas da Base Escola de Tancos ocupam o Comando da Região Aérea de Monsanto e seis bases aéreas, contestando a decisão da sua passagem à disponibilidade. Era o momento esperado. Os militares ligados ao Grupo dos Nove e a maioria das FA decidem intervir militarmente. O PCP, confrontado com essa decisão, capitulou e comprometeu-se a não convocar os seus militantes e apoiantes para qualquer acção de rua. A alternativa seria um massacre inútil e a ilegalização do PCP.

O Presidente da República Costa Gomes decreta o Estado de Sítio na Região de Lisboa e elementos do Regimento de Comandos da Amadora cercam e tomam o Comando da Região Aérea de Monsanto ocupado pelos insurrectos, e depois atacam e conseguem a rendição do Regimento da Polícia Militar, unidade militar próxima da esquerda revolucionária.

Carlos Fabião e Otelo são destituídos, respectivamente, dos cargos de Chefe de Estado Maior do Exército e de Comandante do COPCON e Ramalho Eanes, o estratega 25 de Novembro, torna-se Chefe de Estado Maior do Exército.

Em 2 de Abril de 1976 é aprovada a Constituição da República de 1976 pela Assembleia Constituinte. Em 27 de Junho Ramalho Eanes é eleito Presidente da República e em 23 de Setembro dá-se a tomada de Posse do I Governo Constitucional, chefiado por Mário Soares.

Nos dias seguintes ao 25 de Novembro o PC foi apoiado e "salvo" pelo célebre discurso de Melo Antunes quando ele disse que o PC era essencial à revolução portuguesa. Melo Antunes pretendia que o poder se baseasse na existência de um equilíbrio. Sem o PC esse equilíbrio far-se-ia mais à direita; com um PC legalizado, o equilíbrio far-se-ia entre o PS e o PC, ou seja, num PS de esquerda, isto é, far-se-ia na zona política onde se encontravam os militares que então tutelavam Portugal.

Este discurso modelou a situação política nos anos que se seguiram. O país continuou sob tutela. Os grandes grupos económicos portugueses haviam sido liquidados e os sectores industriais e financeiros mais importantes ficaram vedados à iniciativa privada. A maioria das empresas públicas ia acumulando prejuízos sobre prejuízos e nada havia a fazer. A tutela militar, que servia de Tribunal Constitucional, e a própria Constituição de 76 impedia quaisquer modificações.

O PS que estivera ligado à revolução, que ganhara prestígio por ter combatido o gonçalvismo, que se tornara o partido hegemónico no sistema político português, não soube governar o país. Mesmo depois do fim da tutela militar, quando era possível criar em Portugal uma economia de mercado que funcionasse, o PS nunca se emancipou dos complexos da esquerda estatizante, apesar de inicialmente, em pleno PREC, ter sido contra as nacionalizações. O país arrastou-se sem rumo, com um clientelismo potenciado pela enorme quantidade de lugares disponíveis nas empresas públicas, em permanente crise económica e orçamental.

A fase terminal da revolução foi a emergência do eanismo, primeiro nos governos de iniciativa presidencial, depois na criação de um partido que iria redimir a pátria da situação miserável onde se encontrava, o PRD. Todavia a pátria não se redime com boas intenções, nomeadamente quando essas «boas intenções» estão equivocadas sobre as formas de resolver os problemas. Mas o PRD conseguiu um objectivo que não estava nas suas intenções. Propôs uma moção de confiança ao governo minoritário de Cavaco Silva. Essa moção é o paradigma dos equívocos da esquerda, vítima dos seus mitos. Como Cavaco Silva não fazia aquilo que cai sob a definição de «política de esquerda», era óbvio que seria derrotado nas eleições, caso a AR fosse dissolvida. Mário Soares, que via no eanismo o seu inimigo principal, dissolveu a AR e Cavaco Silva ganhou as eleições com uma estrondosa e inesperada maioria absoluta.

A revolução terminara.

Publicado por Joana às novembro 25, 2004 11:09 PM

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Comentários

Joana,
três posts em 4 dias sobre MSoares , é obra !

uma manif de operários da Lisnave , de fato macaco e capacete, assustava muito ...

desde então , 29 anos de Centrão !

Publicado por: zippiz às novembro 25, 2004 11:40 PM

Este post não é sobre o Mário Soares. É sobre uma efeméride. Por acaso também vivida pelo MS.
Você não gosta do homem!

Publicado por: Joana às novembro 25, 2004 11:54 PM

eu ? não gosto nem desgosto - apesar de ter sido um governo dele o primeiro a reter o 13ºmês !
sobre a efeméride , é uma data triste !

Publicado por: zippiz às novembro 26, 2004 12:06 AM

zippiz em novembro 26, 2004 12:06 AM:
Onde estaríamos se o 25 de Novembro tivesse tido outros vencedores?
Estávamos como a Roménia, ou a Moldávia, ou quejandos, a bater à porta da UE desesperados?
Ou como Cuba?

Publicado por: Joana às novembro 26, 2004 12:11 AM

Lá ven esta reaccionária com histórias da carochinha sobre a revolução dos cravos. Se não fosse o 25 de Novembro Portugal era uma república de operários e camponeses livres da exploração capitalista

Publicado por: Cisco Kid às novembro 26, 2004 12:24 AM

mas só por eu dizer que é, para mim, uma data triste , já tenho que ser "albanês" ?
além disso quem lhe diz que sendo outros os vencedores não estariamos melhor ? só porque vc acha que os "outros" eram todos perigosos stalinistas ?
eu tinha pouco mais de 20 anos e depois disso tornei-me um "céptico optimista" , para além de não apreciar a farda, os óculos e as patilhas do Eanes !

Publicado por: zippiz às novembro 26, 2004 12:30 AM

Os governantes de génio em Portugal só podem ser acidentais. O povo português não sabe o que é o seu interesse e, mesmo que o conhecesse, não saberia promovê-lo. O povo português vê a política como uma extensão do futebol, em que cada um tem a "sua" equipa e se lhe mantém fiel contra ventos e marés. O povo português é um candidato ideal a oprimido e subjugado. O povo português é geralmente incompetente e inculto, e por isso os seus governantes também o são. Sair deste buraco exige desenvolvimento, e portanto exige muito tempo. Até lá só com muita imaginação conseguiremos engendrar um sistema que nos permita sobreviver. Um sistema que tem de desvalorizar ou mesmo neutralizar os partidos políticos se quiser ser bem sucedido. Sem perder o carácter de liberdade sem a qual não há legitimidade. Confessemos que é complicado...

Publicado por: Albatroz às novembro 26, 2004 08:47 AM

Albatroz em novembro 26, 2004 08:47 AM
" O povo português é geralmente incompetente e inculto, e por isso os seus governantes também o são. Sair deste buraco exige desenvolvimento, e portanto exige muito tempo." Certíssimo!

Portugal está velho. Como nação independente já cumpriu o seu papel histórico. Agora só como região (ou sub-região) da Europa (ou da Ibéria) poderá sobreviver.

Publicado por: Senaqueribe às novembro 26, 2004 09:43 AM

Não sejamos tão pessimistas. Nos últimos 20 anos evoluimos muito. Estamos numa fase de mudança. O nosso modelo de desenvolvimento está esgotado e temos que descobrir um novo. É isso que está a acontecer.
Comparar-nos com Espanha que está à beira da implosão, só nos favorece. Aqui há unidade nacional.

Publicado por: Novais de Paula às novembro 26, 2004 10:52 AM

Eu gosto de viver em Portugal. E então olhando de forma séria no que se passa em boa parte do mundo, estamos num paraíso.

Publicado por: Mario às novembro 26, 2004 11:20 AM

Uma perspectiva bem observada e bem fundamentada do antes e depois do 25 de Novembro. Gostei

Publicado por: humberto às novembro 26, 2004 12:20 PM

O zippiz queria a Ditadura do Proletariado da Lisnave e Setenave?
Eles apenas conseguiram liquidar as empresas

Publicado por: humberto às novembro 26, 2004 12:22 PM

A Joana tem razão. A estabilidade só começou com Cavaco Silva. Mas não resistiu aos socialistas e, com este governo tem sido demais. A oposição e o Sampaio têm tentado tudo para que ele não consiga governar e o país se mantenha na instabilidade

Publicado por: Martelo de Sousa às novembro 26, 2004 12:41 PM

Afixado por humberto em novembro 26, 2004 12:22 PM

caro humberto :
(1) à sua pergunta a resposta é NÃO.
(2) sobre quem "liquidou empresas" faço-lhe eu uma pergunta :
a) o sr não quer uma ditadura dos Mellos,pois não ?

Publicado por: zippiz às novembro 26, 2004 07:57 PM

Mario em novembro 26, 2004 11:20 AM

Portugal é um paraíso?
Só se for por estar habitado por muitos anjos, anjinhos e anjolas...

Publicado por: Senaqueribe às novembro 28, 2004 04:38 PM

AUTHOR: Átila
EMAIL: pois@talvez.pt
IP: 213.22.34.162
URL:
DATE: 11/29/2004 07:17:07 PM

Publicado por: Átila às novembro 29, 2004 07:17 PM

Publicado por: bald cure às janeiro 15, 2005 04:55 PM

AUTHOR: Oolong Tea
EMAIL: noreply@noreply.com
IP: 66.208.216.53
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DATE: 01/17/2005 03:06:45 AM

Publicado por: Oolong Tea às janeiro 17, 2005 03:06 AM

AUTHOR: Oolong Tea
EMAIL: noreply@noreply.com
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DATE: 01/17/2005 12:02:30 PM

Publicado por: Oolong Tea às janeiro 17, 2005 12:02 PM

AUTHOR: natural
EMAIL: sales@source.net
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URL:
DATE: 01/21/2005 08:44:07 PM

Publicado por: natural às janeiro 21, 2005 08:44 PM

The only difference between a rut and a grave is the depth.

Publicado por: Seasonale Birth Control às março 1, 2005 12:39 AM

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