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setembro 15, 2004

A Comunicação Social Enviesada

O relatório de inquérito às causas do acidente no terminal petrolífero de Leixões é o paradigma da absoluta incompetência da comunicação social portuguesa e da maioria dos políticos que têm proferido declarações sobre o assunto.

Analisemos as diferentes vertentes da questão:

1 – A questão das competências ministeriais

Independentemente de saber ou não se o ministro Álvaro Barreto teria ficado «desconfortável» com o relatório, ou com o “timing” da sua apresentação, o facto de Pedro Santana Lopes ter, segundo escrevem os jornais, entregue «ao ministro de Estado e das Actividades Económicas a gestão do dossier do inquérito ao incêndio nas instalações da GALP em Leça da Palmeira», corresponde a um procedimento normal.

Foi da competência do Ministério do Ambiente coordenar o inquérito a uma ocorrência que se saldou em graves prejuízos ambientais. Em face das conclusões do inquérito, cabe à empresa rever os seus procedimentos, se os seus manuais de procedimentos não estão adequados, ou rever a forma como o seu pessoal cumpre os procedimentos, no caso de estes serem os adequados. Como a GALP é uma empresa com capitais do Estado e é tutelada pelo ministério das Actividades Económicas, cabe ao detentor da pasta da tutela zelar para que as conclusões e recomendações do inquérito tenham o devido seguimento.

Portanto, não houve qualquer retirada de competências ao Ministério do Ambiente para as entregar ao ministro de Estado e das Actividades Económicas. Houve apenas a tramitação normal entre esferas de competências diferentes.

Isto não invalida que seja um facto que Álvaro Barreto tenha ficado desagradado quanto ao que designou por «oportunidade de divulgação do relatório» que considerou precipitada: "A forma de divulgação do relatório deveria ter sido discutida entre os dois", frisou adiantando que se o ministro do Ambiente "tivesse esperado mais dois ou três dias" não daria lugar a "sensacionalismos" e "especulações" na comunicação social.

Mas o desagrado de Álvaro Barreto (e eventualmente de PSL) é uma coisa; ser o ministro das Actividades Económicas e do Trabalho a coordenar a implementação das medidas correctivas é outra. Nunca poderia ser o ministro do Ambiente, pois este não tem competência para tal, nem no que respeita à GALP, nem no que respeita a qualquer outra empresa (a menos que seja uma empresa pública da área ambiental). Mas terá competência para agir em caso de eventuais futuras infracções ambientais cometidas pela GALP.

Isto parece-me claro e transparente. Não o foi para a comunicação social e políticos que, na sua maioria, só têm debitado disparates sobre o assunto. E o mais curioso é que a divergência dos ministros sobre o “timing” da apresentação do relatório poderia constituir matéria com bastante substância para a comunicação social e políticos. Será que Álvaro Barreto teria preferido que o relatório fosse “limado” em algumas das suas arestas mais “aceradas”? Mas se fosse essa a sua pretensão, deveria ter-se mantido ao corrente dos trabalhos da comissão de inquérito que, embora presidida pelo Instituto do Ambiente, teve elementos indicados por mais quatro ministérios, entre eles o representante do Ministério dos Assuntos Económicos, o director-geral de Geologia e Energia, Caldeira Antunes. Seria legítima aquela pretensão de Álvaro Barreto? Funcionarão adequadamente os canais de comunicação entre o ministro e os seus directores gerais?

Mas não. A comunicação social, e na sua peugada, os políticos, preferiram especular sobre o alegado “castigo” da retirada do dossier GALP a Nobre Guedes que não foi mais que um procedimento normal. E o que era relevante, o “desconforto” de Barreto, foi passado para segundo plano.

2 – A questão da incompetência da administração da GALP

As administrações das empresas certificadas pelas normas da qualidade são responsáveis pela coordenação da elaboração dos manuais de qualidade e procedimentos operacionais. A garantia do seu empenho em assegurar o cumprimento daquelas normas é a primeira cláusula desses manuais.

A responsabilidade do cumprimento dos procedimentos cabe aos diferentes graus hierárquicos de acordo com o que está definido nos manuais de qualidade. Haverá responsabilidade da administração se esta souber que os procedimentos não estão a ser cumpridos e não agir, ou se ela própria não cumprir os procedimentos que são da sua esfera de competências.

No caso dos procedimentos não serem os adequados, a questão é mais difusa: se não são adequados, como foi possível a entidade certificadora não ter verificado isso durante as auditorias de qualidade à GALP, normalmente anuais, que é suposto fazer? Quando são detectadas “não conformidades”, a empresa certificada tem um prazo para implementar as medidas correctivas e a entidade certificadora validará essas correcções. Como é possível «a gravidade dos erros detectados e atribuídos à GALP»? Como foi possível, numa empresa com as responsabilidades e a dimensão da GALP, tais erros ocorrerem?

Frequentemente as empresas portuguesas conseguem obter a certificação de qualidade, mas os procedimentos de qualidade são considerados pela maioria dos seus quadros mais como um empecilho do que como um instrumento útil. Vêem a qualidade como um conjunto de papéis que têm que produzir para “auditor ver” e não como um instrumento da sua própria actuação. Nas vésperas das auditorias há uma corrida desesperada aos dossiers para ver se está tudo conforme e em ordem. Aquilo que não for possível corrigir, tenta-se varrer para “debaixo do tapete”, para tentar que os auditores não notem, o que na maioria dos casos não conseguem. Na maioria dos casos, nomeadamente nas grandes empresas, com vários estabelecimentos, as administrações desconhecem estas “habilidades” das chefias intermédias.

Por isso falar-se imediatamente da incompetência de António Mexia parece-me, para além de muito prematuro, absolutamente demagógico. Provavelmente alguns dos que agora clamam pela incompetência de Mexia, poderiam ter colaborado em eventuais “varredelas”, se as houve.

Não pretendo com isto passar um atestado de bom comportamento à administração da GALP. Certamente terá responsabilidades. No mínimo as que resultam de ela ter obrigação de saber o que se passa na própria empresa. Mas a individualização das responsabilidades caberá a auditorias ao funcionamento interno que se espera sejam rigorosas e credíveis.

Estas questões devem ser tratadas com seriedade e rigor, e não com “bocas” jornalísticas, que só servem para obscurecer o que há de substantivo nos factos, criar ruído e facilitar que tudo continue na mesma. A confusão apenas serve aos pescadores de águas turvas.

Publicado por Joana às setembro 15, 2004 07:18 PM

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Comentários

Cabalas , estão na moda e a cada um sua...


Joana dixit :
(...) A comunicação social, e na sua peugada, os políticos, preferiram especular sobre o alegado “castigo” da retirada do dossier GALP a Nobre Guedes que não foi mais que um procedimento normal. (...)

Vc não é mesmo assessora deste governo de iniciativa presidencial !

Publicado por: zippiz às setembro 15, 2004 10:13 PM

joana , Vc , normalmente bem informada , confirma que Mira Amaral foi "despedido" com uma reforma mensal de 18000 euros após um (1) ano na CGD ?

Se é verdade , alguém quer tramar Bagão Féliz !...ou foi ele próprio o pai da decisão ?

Publicado por: zippiz às setembro 15, 2004 10:17 PM

zippiz em setembro 15, 2004 10:17 PM:
Em primeiro lugar duvido que Mira Amaral vá para a reforma. Ele deve ter uns 59 anos (foi colega do meu pai na universidade e deve ter menos 2 anos que ele).
Eventualmente terá outro cargo à espera dele.
Mas isso não é virgem. Acontece no PS e igualmente no PCP, embora estes sejam discretos ... normalmente empresas tuteladas por câmaras, não necessariamente da CDU.
E também no BE. Olhe o Portas que recebeu bastante massa da CML no tempo do Soares e depois foi o principal responsável pela derrota deste. Não houve nada que não lhe chamasse.

Publicado por: Joana às setembro 15, 2004 10:39 PM

E onde é que eu falei em cabala?
Apenas falei em incompetência.

Quanto a assessorias ... certamente a maioria encontraria alguém mais benevolente.

Por exemplo, por essa ordem de ideias, o zippiz seria remunerado pelo BE como assessor para a net marginal. Acha justo que o considerassem como tal?

Publicado por: Joana às setembro 15, 2004 10:42 PM

(...) A comunicação social, e na sua peugada, os políticos, preferiram especular (...)

eu aqui leio "cabala" , não leio incompetência ;
era a isto que eu me referia .

ps : gostei dessa do "assessor para a net marginal", mas já trabalho 10-12 horas/dia !

Publicado por: zippiz às setembro 15, 2004 11:16 PM

Fala-se muito e com pouco discernimento em Portugal. Só se gosta da gritaria.

Publicado por: Ramiro às setembro 15, 2004 11:17 PM

JOANA

Abra uma excepção ao Miguel Sousa Tavares na matéria em apreço.O dito jornalista fartou-se de elogiar Nobre Guedes num dos noticiários da TVI e que Moura Guedes bem ouviu para seu espanto.

É bem certo que MST não merece distinções,mas faça-lhe justiça desta feita.

Pela primeira vez um Ministro do Ambiente difundiu a verdade do Relatório e a opinião pública tomou conhecimento.

Mas,como sabe,os jornalistas não expressam a realidade dessa opinião pública.Modelam-na consoante a entidade que lhes paga o "salário do medo"

Não tenhamos medo de acusar muitos dos jornalistas da nossa praça como verdadeiros "terroristas duma qualquer El-Qaeda" em matéria de manipulação.

Esses precisam de ser "abatidos" no "cadastro".

Publicado por: ZEUS8441 às setembro 15, 2004 11:49 PM

Elucidem-me: O Nobre Guedes não era aquele tipo que não percebia nada de ambiente?
Depois não passou a ser um tipo metido em tudo que havia de mais obscuro no ambiente?
Como é que agora é o herói dos ambientalistas?

Publicado por: Viegas às setembro 16, 2004 12:24 AM

Viegas:
O caso Nobre Guedes só prova que a esquerda chuta para o lado em que está virada

Publicado por: Coruja às setembro 16, 2004 12:53 AM

Instrutiva a sua exposição

Publicado por: Rui Sá às setembro 16, 2004 09:58 AM

"...igualmente no PCP, embora estes sejam discretos ... normalmente empresas tuteladas por câmaras, não necessariamente da CDU..." (Joana)

Impagável! Joana merece o Oscar do melhor argumento de comédia. Justificar as danças e contradanças da milionária oligarquia do bloco central (ora ministros, ora administradores das empresas públicas) com um ou outro cargo administrativo de políticos comunistas é de génio!
Sem falar no insignificante pormenor que é o facto de os rendimentos supletivos dos políticos comunistas serem doados ao partido e não reverterem em benefício próprio.

Publicado por: (M)arca Amarela às setembro 16, 2004 10:33 AM

Janica, és mesmo prevertida. Deste a volta à coisa, sempre a favor do teu partido (para isso é que te pagam estas crónicas) e vens safar o Guedes, o Mexia e o Barreto. Portanto a culpa é do controlo da qualidade, dos manuais, dos trabalhadores e talvez também das tubagens. Sabes qual é a alcunha do Mexia na Galp? É o Mentiroso Compulsivo! Contigo passa dois! Olha o jantar dos putos...

Publicado por: Átila às setembro 16, 2004 12:07 PM

Claro, bem fundamentado, revelando conhecimento de causa: Gostei, Joana

Publicado por: Gpinto às setembro 16, 2004 04:39 PM


Eh eh eh eh , Joana...

Só depois de ter comprado um Mercedes Classe A comecei a compreender a profundidade do humor das suas análises de economato.

É maneirinho, cabe em qualquer lado e só incomoda o "passe social"...

ps: já agora, importa-se de rever a sua análise sobre a liberalização dos combustíveis? É que o Classe A, apesar de ser mais económico, está-me a tramar o artº 83 do IRC...

Publicado por: re-tombola às setembro 16, 2004 11:11 PM

Diz mal da imprensa, mas sem ela não havia o processo da Casa Pia.

Publicado por: Rui Pereira às setembro 23, 2004 10:06 PM

Bom ... também fizeram muita porcaria com o processo da Casa Pia

Publicado por: Rui Pereira às setembro 23, 2004 10:09 PM

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