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agosto 23, 2004
Mitos e Ideologias 1
Os textos que os apoiantes das diferentes candidaturas à liderança do PS têm publicado nos jornais combinam uma inegável qualidade literária (alguns) com uma desesperante mediocridade conceptual, técnica e teórica (todos). E quanto mais vazios de substância estão mais tentam disfarçar esse vazio com um notável aprumo literário.
O paradigma dessa produção literária é o texto de Jorge Lacão (PS, para que te quero) publicado sábado (21-08-04) no Público. Quem aprecia «les grands mots» deve-se ter deliciado com aquele parágrafo em que ele escreve: «A democracia não deve subordinar-se à pressão do Estado-espectáculo. Logo a esquerda tem dois caminhos: o de aceitar a lógica da pressão mediática da produção dos factos políticos e subordinar-se à vertigem do jogo virtual dos espelhos, onde só a imagem conta, por mais desfocada que seja da realidade; ou o de promover o retorno ao espírito republicano de governo, onde prudência, responsabilidade e credibilidade são lemas incontornáveis.». O medíocre ... é que quer este parágrafo, quer o resto do texto, não tem qualquer conteúdo operacional, não tem substância. São só palavras.
A escrita gongórica de Lacão torna-se menos hermética quando fala da possibilidade das alianças à esquerda: «O dilema é ... entre a opção daqueles que pouco ou nada aprenderam com as experiências do poder do PS e preferem sujeitá-lo, e ao país, aos riscos da deriva estratégica e da instabilidade política.».
Ora quem não aprendeu com a última experiência do poder do PS foi Lacão. Não era a 3ª via de Guterres que foi um mal em si foi a sua incompetência, incapacidade de tomar decisões, laxismo e a sua consequente submissão aos lobbies partidários e aos interesses corporativos que impedem o país de progredir. Não é a política mediática que é um mal em si. Sê-lo-á apenas na medida em que servir para disfarçar a inconsequência política. Uma mulher que se esmera em ser bela e atraente não é um mal sê-lo-á se a sua beleza e sensualidade servir para disfarçar o seu vazio de ideias e a malevolência dos seus sentimentos.
A ala Alegre e a ala Soares, quando atacam o guterrismo, fazem-no colocando-se no ponto de vista da esquerda radical. Por isso não admira que, duma forma rebuscada, Lacão justifique uma aliança com o radicalismo de esquerda.
Todavia, a vocação do esquerdismo não é produzir, é distribuir. Os empresários têm, no imaginário do esquerdismo, o papel de gangsters, sequiosos de lucro, vampirizando os trabalhadores, que protagonizam, em quaisquer circunstâncias, o papel de vítimas indefesas. São uma espécie em vias de extinção e o dever dos esquerdistas é acelerar rapidamente essa extinção. Enquanto não a extinguem, é deixar aos "maus" a responsabilidade de produzir e de gerar postos de trabalho, cuja qualidade e nível salarial constantemente se condena. Como é que Lacão compagina tal com a «prudência, responsabilidade e credibilidade» que enuncia. A menos que estas virtudes de Lacão tenham uma leitura diferente.
Baptista Martins um apoiante de João Soares escreveu em 16-08-04 que a Direita e os seus comentadores demonstram uma certa apetência por Sócrates. E conclui que «a Direita precisa deste adversário». Do ponto de vista do articulista isto constitui uma reposição da tese da esquerda ortodoxa de que se algum dos nossos é elogiado pelos que não comungam a nossa ortodoxia, então é porque ele é um traidor. Constitui também um rótulo que ele aplica a todos os analistas preocupados com a situação económica do país e que pretendem uma política de seriedade, rigor e competência para tirar o país do aperto em que se encontra. Quem se preocupa com a competitividade das empresas e com a eficiência da Administração Pública é rotulado de direita. A esquerda de Baptista Martins preocupa-se com as políticas de distribuição. Por isso aqueles analistas preferem Sócrates. Por isso aqueles analistas não querem correr o risco de uma pugna eleitoral entre o PSD e uma aliança tácita PS-esquerdistas, porque se a demagogia populista, de distribuir o que não há, vencer as eleições, será um desastre para o país.
É certo que a Sócrates pode acontecer o mesmo que a Guterres: ficar submerso pelos caciques e máfias locais do PS. Parte substancial do aparelho do PS apoia Sócrates porque este é o candidato mais bem posicionado para ganhar e há uma grande apetência pelos jobs for the boys de que o PS é muito mais sedento que o PSD porque os seus quadros não são oriundos dos quadros superiores das empresas, muito melhor remunerados e com carreiras que não desejam prejudicar, mas sim, em muito maior grau que o PSD, do próprio aparelho, do funcionalismo público e autárquico, do ensino, etc..Esse aparelho não tem qualquer ideologia ou conceitos económicos e políticos. Estão no PS como quem está no topo da militância no FC Porto, no Benfica ou no Sporting. Apenas esperam que o seu candidato ganhe para obterem o almejado lugar.
Todavia Sócrates tem (ou pelo menos tinha) uma vantagem sobre Guterres: é um homem obstinado e com mais autoridade pessoal.
Todas estas controvérsias e contradições resultam do próprio percurso do socialismo e das suas relações com o capitalismo desde os fins do século XIX até agora: começaram por defender a sua destruição e depois, gradualmente, defenderam a sua reforma. Mas essas reformas, de que os socialistas foram protagonistas importantes, acabaram por conduzir a novas realidades económicas e sociais e à progressiva globalização, que por sua vez possibilitou a emergência de novas economias (primeiro o Japão, depois o Sueste Asiático e agora a irrupção da China e da Índia). Esse alargamento do mercado mundial e do comércio internacional melhorou as condições de vida de mais de um bilião de pessoas, mas acarretou problemas para a competitividade da economia europeia e para o modelo social que fora estabelecido ao longo das «3 décadas de ouro», entre o fim da guerra e o primeiro choque petrolífero.
Os socialistas, na Europa e em Portugal, estão presentemente desarmados perante essas novas realidades que ou não compreendem, ou não querem compreender, ou compreendem, mas não as conseguem explicar ao trabalhadores.
Mas isto será matéria de um próximo texto.
Nota - ler ainda:
Mitos e Ideologias 2
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Publicado por Joana às agosto 23, 2004 04:59 PM
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Comentários
Este gaja não faz outra coisa senão desancar a esquerda consequente, a esquerda a sério
Publicado por: Cisco Kid às agosto 24, 2004 11:32 PM
Este gaja não faz outra coisa senão desancar a esquerda consequente, a esquerda a sério
Publicado por: Cisco Kid às agosto 24, 2004 11:32 PM
Este gaja não faz outra coisa senão desancar a esquerda consequente, a esquerda a sério
Publicado por: Cisco Kid às agosto 24, 2004 11:32 PM
O Cisco continua na mesma
Publicado por: David às agosto 25, 2004 12:11 AM
Premonitório
Publicado por: VSousa às fevereiro 28, 2005 02:41 AM