agosto 24, 2004

Mitos e Ideologias 2

O Estado Estratega

As contradições nas relações dos socialistas com o capitalismo estão plasmadas em alguns chavões que têm acompanhado a campanha para a sucessão a Ferro Rodrigues, como por exemplo, «economia de mercado sim, sociedade de mercado não» e «o Estado estratega».

Na raiz do pensamento dos «Alegretes» está a tese de que o Estado não compete produzir riqueza, mas que o mercado não define estratégias nem, por si só, realiza a justiça social. Quanto à justiça social, obviamente que o Estado deve esbater as assimetrias sociais e económicas, decorrentes do funcionamento do mercado, de forma a serem compatíveis com o objectivo permanente da igualdade das oportunidades e com a equidade. Equidade na política de educação, segurança social, ordenamento do território, etc., fazendo discriminações positivas.

Quanto à afirmação que «o mercado não define estratégias», tomada na sua generalidade, resulta de uma enorme confusão sobre o que é o mercado e o que são estratégias. O mercado não é uma entidade, o mercado é o conjunto de agentes económicos, vendedores e compradores de um dado bem ou serviço. A maioria dos agentes económicos que participam nesse mercado nem sequer se conhece. Não é o mercado que toma decisões. São as relações entre vendedores e compradores que asseguram, desde que o mercado funcione em regime de concorrência, o estabelecimento de um sistema de preços e quantidades eficientes, isto é, que constituam o melhor resultado possível para o conjunto dos agentes económicos envolvidos, tendo em conta as funções de custo dos vendedores a as funções de utilidade dos compradores, e, para o conjunto da economia e dos mercados que a constituem, o óptimo para a comunidade.

Portanto, «o mercado não define estratégias», mas as empresas que funcionam numa Economia de mercado tomam decisões estratégicas: política de preços, políticas de produto (quantidades a produzir, diferenciação e segmentação dos mercados, modificações nos produtos e nas tecnologias de produção), políticas de investigação e qualificação e políticas de investimentos necessárias para suportar as anteriores políticas e promover, eventualmente, o crescimento. São estas as estratégias que condicionam ou promovem o crescimento, a prosperidade económica e o nível de emprego e não estou a ver o Estado a substituir-se às empresas afirmando-se como o «Estado estratega».

Mas quando Alegre concretiza quais as estratégias verifica-se que fala da intervenção do Estado nas políticas sociais, e lista uma série de rubricas de distribuição pecuniária (seguro social, revisão da lei de Bases da Segurança Social, de Rendimento Social de Inserção, sistema de protecções à doença e ao desemprego, estabelecimento do mínimo vital de sobrevivência, etc.), percebe-se o «Estado estratega» de Manuel Alegre – é o Estado distributivo ... Alegre não se refere à produção mas à distribuição. A vocação de Manuel Alegre (e do esquerdismo) não é produzir, é distribuir.

Mas a estratégia de Manuel Alegre abrange também o nível de emprego. Nada a opor ... vejamos todavia qual a estratégia. Ora Alegre defende que a política do pleno emprego é «a forma mais eficaz de proteger as sociedades da desigualdade e da exclusão social» ... daí que se deve proteger as pessoas contra a «instabilidade dos mercados de trabalho». Alegre cai assim no vício do Parque Jurássico do sindicalismo português querendo manter à força os empregos existentes e desmotivando a criação de novos empregos ao tornar rígido e não concorrencial o mercado de trabalho.

A experiência prática mostra que os países em que o mercado de trabalho é mais concorrencial são aqueles em que se consegue atingir os níveis de pleno emprego e há mais incentivos à qualificação laboral. Essa experiência mostra igualmente que quanto maior for a rigidez e imperfeição daquele mercado maior é a percentagem de desemprego e que, em caso de expansão económica, o aumento do nível de emprego se faz de forma hesitante e mais lentamente que num mercado menos rígido. Circunstância, aliás, que funciona como travão à expansão económica.

Em Portugal, embora o mercado de trabalho seja rígido, existem escapatórias para os empregadores: recibos verdes, contratos a termo, etc.. Essa precaridade laboral coexiste com as pessoas protegidas contra a «instabilidade dos mercados de trabalho». É a existência desse importante segmento laboral com estatuto precário que tem permitido, nas duas últimas décadas até à recessão de 2002, manter um nível próximo do pleno emprego, apesar da rigidez das lei laborais. Quando as perspectivas são boas, os empresários não têm dúvidas em aumentarem a sua massa laboral em regime de trabalho precário, porque sabem que, em caso dessas perspectivas se frustrarem, poderão diminuir essa massa laboral. Ora sucede que essas decisões acabam por ter, normalmente, um efeito dinamizador na economia e muito daqueles trabalhadores precários acabam, mais tarde ou mais cedo, por passarem ao quadro.

Manuel Alegre continua pois agarrado aos mitos do passado desmentidos pela experiência do funcionamento das economias reais.

E como se paga o Estado estratega-distributivo? Com o «orçamento plurianual» responde Alegre. Mas o «orçamento plurianual» apenas permite uma maior estabilidade do horizonte orçamental e não um aumento dos réditos. Isso não perturba Alegre que explica depois ... «as receitas fiscais ...é ... um dos elementos-chave da justiça social». Portanto sangrar o contribuinte é o que promete Alegre, quer directamente, quer indirectamente através das empresas, porque o dinheiro tem que vir de algum lado: vem de quem produz a riqueza. Quem produz riqueza é a vaca à disposição do Moloch estatal para a ordenhar até à exaustão.

Para amenizar, Alegre inventa a «fiscalidade verde»: penalização, através do aumento de impostos, das indústrias poluentes, desagravando por outro lado os produtos que não prejudicam o meio ambiente. Isto é completamente disparatado e contraria a legislação portuguesa. O chamado princípio do poluidor-pagador passou a utilizador-pagador e serve de justificação pertinente às taxas ou tarifas dos R.S.U. (lixo), do saneamento, de utilização do domínio hídrico, etc.. No que se refere aos poluentes industriais só há duas situações: 1) a empresa rejeita efluentes com uma carga poluente abaixo dos valores definidos na legislação, e tem alvará para funcionar; 2) a empresa rejeita efluentes com uma carga poluente acima daqueles valores e é objecto de uma coima e pode ter que fechar as portas (se não for uma situação pontual ou acidental) até repor os valores legais. Uma empresa não pode pagar para ter o direito de poluir o ambiente. Isso contraria a legislação portuguesa, as directivas da UE e é ambientalmente condenável.

É evidente que há empresas que são useiras e vezeiras em fazerem descargas poluentes quando julgam que a fiscalização está ausente. Mas isso é uma questão do foro criminal e a sua repetição decorre do mau funcionamento da nossa administração e não é resolvido por novas leis. As leis que existem estão razoavelmente bem elaboradas, apenas a fiscalização não é suficiente.

Quando Alegre fala da «fiscalidade verde» não sabe o que diz.

Publicado por Joana em agosto 24, 2004 01:07 AM | TrackBack
Comentários

Eu li esse artigo e de facto é confuso. Todavia acho que o Estado deve ter uma intervenção estratégica na economia.

Afixado por: c seixas em agosto 24, 2004 11:37 PM

O Vital Moreira 'tava todo satisfeito com o Estado estratega do Alegre. Diz que traz boas perspectivas para um debate fecundo.

Afixado por: David em agosto 25, 2004 12:16 AM

Estão excelentes estes posts, Joana. Parabéns

Afixado por: Valente em agosto 26, 2004 12:01 AM

Só graxa!

Afixado por: Cisco Kid em agosto 27, 2004 12:21 AM

Boa argumentação, Cisco

Afixado por: Coruja em agosto 27, 2004 04:09 PM

Fala-se muito e diz-se pouco. É o mal dos nossos políticos.

Afixado por: Arroyo em agosto 30, 2004 02:40 PM

Nós só temos o Estado táctico. Estratégias não são com ele.

Afixado por: Bsotto em agosto 31, 2004 02:37 PM

Fiscalidade verde é a cor da cara do contribuinte

Afixado por: Ventura em setembro 13, 2004 01:25 AM

Fiscalidade verde é a cor da cara do contribuinte

Afixado por: Ventura em setembro 13, 2004 01:25 AM

Muito tri!!!!!belezinha meu professor também acho tri.........

Afixado por: Marcelo em outubro 19, 2004 01:10 PM

O nome do meu professor é Michel!!!!!!!!!!!

Afixado por: Eu_di_novo em outubro 19, 2004 01:14 PM
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