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fevereiro 25, 2004

Um Novo Nicho de Mercado: O Turismo do Desgosto

A situação económica portuguesa é preocupante e a nossa balança de transacções com o exterior continua negativa, apesar do rendimento disponível das famílias ter estagnado ou mesmo diminuído. O país precisa urgentemente de aumentar as suas receitas na área de exportação de bens e serviços.

Tenho-me dedicado devotadamente a investigações nesta área, intentando obviar o fraco desempenho do Ministro da Economia e a nulidade da acção cadilheana da Agência Portuguesa para o Investimento, diligenciando salvar o país da embrulhada em que está. Essa minha investigação, apesar de não ser subsidiada (ou talvez por isso mesmo) está já a revelar-se frutuosa. Acabo de inventariar um importante nicho de mercado que, devidamente trabalhado, pode salvar o país do atoleiro em que se encontra. Em face do relevo e da importância da comunicação que decidi fazer sobre essa matéria, entendi revelá-la aqui, por considerar ser este o local mais apropriado.

Um recente relatório britânico revelou a emergência de um novo e extenso fenómeno social, que esse relatório designa por «turismo do desgosto». Os britânicos trocaram gradualmente a sua lendária fleuma por uma espécie de «desgosto», expresso após a morte de celebridades, vítimas de crimes ou desgraças alheias o que parece configurar um «desgosto recreativo» puramente egoísta e voyeurista. Este «desgosto», acrescenta o relatório, é consumido «como um acontecimento agradável, um pouco como assistir a um jogo de futebol».

Portanto está definido um enorme segmento de procura. Ora sucede que nós somos os que temos a oferta mais inovadora neste domínio. Quotidianamente os Jornais da Noite (e da Tarde), Jornais Nacionais e TVI Jornais, Telejornais, etc., em horários nobres, em horários plebeus e em horários servis, servem-nos um manancial inesgotável das desgraças mais definitivas, das misérias mais acabrunhantes, dos desgostos mais pungentes, casas que ressumam humidade, com soalhos desfeitos, ou mesmo sem soalhos, choças que albergam a mãe, o pai, a madrasta, os ascendentes, os colaterais e dezenas de descendentes, gente envenenada por monóxido de carbono desprendido de esquentadores, braseiras, etc., toneladas de chapas retorcidas e fumegantes espalhadas por todas as Auto-estradas, IP’s, IC’s e estradas municipais, todos os cataclismos nacionais e internacionais, ocorridos nos últimos dias, com os pormenores mais sanguinários, miseráveis e aviltantes, que as cameras conseguiram captar. Cada desgraça é repetida, dias a fio, até à exaustão, para que o «turista do desgosto» (por enquanto apenas turistas nacionais) possam aperceber-se de toda a amplitude, pormenores, consequências, etc., da desgraça em causa, e usufruí-la toda, libá-la até ao fundo, sem que lhe escape o mais ínfimo pormenor.

O relatório diz que o desgosto é desporto favorito dos britânicos. Ora apenas nós conseguimos aliar desporto e desgosto com tanto saber e com um requinte tão malevolente e recreativo. Durante uma semana transmitimos a morte de um jogador num estádio dezenas de milhar de vezes, de todas as perspectivas possíveis e sob todos os ângulos imagináveis e inimagináveis, com as imagens correndo à velocidade normal ou a todas as velocidades intermédias possíveis. Numa semana, aquele jogador foi morto dezenas de milhar de vezes com um requinte e um talento que apenas os nossos editores televisivos são capazes.

Portanto, há uma procura enorme, cerca de sessenta milhões de britânicos, e uma oferta imbatível, inovadora, única no mundo – cada TV portuguesa passa, por sessão (com várias sessões diárias), uma hora e meia de uma descrição massacrante de desgraças de tal monta que nem os 4 (ou mesmo 4 mil, ou 4 milhões) Cavaleiros do Apocalipse, nem a abertura de todas as Caixas de Pandora, poderiam fornecer um painel tão completo e um cardápio tão variado.

Apenas nós estamos aptos a satisfazer os anseios de uma época «caracterizada por lágrimas de crocodilo e emoções pré-fabricadas» e produzir em tão larga escala «manifestações vazias de compaixão pública». Temos que aproveitar.

Portanto propõe-se o estabelecimento de uma ponte aérea entre o Reino Unido e Portugal e a legendagem em inglês dos telejornais, embora esta última medida possa não ser necessária, porquanto as imagens são de tal forma arrepiantes e significativas que qualquer palavra é nociva, pois apenas desvia a atenção do «turista do desgosto» da crueza e sanguinária beleza da imagem. E nós queremos que o «turista do desgosto» frua todo aquele sangue, membros retorcidos, corpos decapitados ou a arder, mortes em directo, etc., em toda a sua plenitude, em toda a sua beleza natural e selvática.

E este turismo tem outra vantagem - é complementar do turismo baseado no sol e praias. Como as desgraças maiores acontecem com a intempérie, chuva, neve, etc., a procura turística será maior no inverno que no verão, o que manterá a indústria hoteleira com ocupações elevadas durante todo o ano. Aliás, se o êxito desta iniciativa induzir uma ocupação superior à da época estival, podemos colmatar essa sazonalidade, deitando fogo às florestas na época baixa (Julho, Agosto). Temos boas condições para manter uma elevada procura nesta área: excelentes pirómanos (alguns acumulam com o serem bombeiros, o que lhes dá um know-how específico muito elevado), bombeiros que alugam a terceiros os seus equipamentos de combate aos fogos, florestas que não são desmatadas, quer por iniciativa dos particulares e do Estado, quer porque o ICN quer proteger a biodiversidade, etc.. E acima de tudo temos extraordinários captadores e editores de imagens cruéis, catastróficas e sanguinárias.

Os portugueses têm importantes vantagens comparativas neste nicho de mercado e seria estulto não as aproveitar imediatamente.

Publicado por Joana às fevereiro 25, 2004 07:57 PM

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Comentários

Parece-me que o mercado que a Joana descobriu tem grande futuro. Pela TV portuguesa que vejo aqui, eh apenas miseria e calamidades

Publicado por: Filipa Zeitzler às fevereiro 25, 2004 10:18 PM

Os ingleses já começaram com o «turismo do desgosto» esta noite, aqui no Dragão. Comeram 2 e podiam ter comido mais.

Publicado por: Bsotto às fevereiro 25, 2004 10:47 PM

A Joana sobre o Santana Lopes disse que só faz previsões depois do jogo. Mas sobre o o «turismo do desgosto»dos bifes fez logo no início do jogo, pelo que vi da hora da publicação deste texto.
Faça lá uma previsão sobre o Santana Lopes!
E Biba o Porto!

Publicado por: Bsotto às fevereiro 25, 2004 10:57 PM

Inteiramente de acordo com a totalidade do artigo. Vamos oferecer aos ingleses os noticiários nocturnos de 120 minutos da TVI: 2 horas de desgosto, dor, miséria e falsa comiseração (servidos com comentários, normalmente despropositados, no final das reportagens) de apresentadores (???) néscios que parece viverem no mundo da Lua.

Joana, é "camera" ou "câmara"?

Um abraço.

Publicado por: Benevides às fevereiro 25, 2004 11:42 PM

Joana: Uma grande descoberta. Não temos concorrência. Não acredito que haja em qualquer parte do mundo civilizado ( e mesmo do outro) gente com capacidade de concorrer connosco. Vamos poder ganhar o que quisermos. Vai ser um negócio da China ( ou da Inglaterra)

Publicado por: Hector às fevereiro 26, 2004 12:45 AM

Benevides em fevereiro 25, 2004 11:42 PM:
Em português oficial é câmara. Em português do Brasil é câmera.
Mas eu, depois de ter visto o Sunset Boulevard, a Gloria Swanson a descer a escadaria e o Eric von Stroheim a gritar: camera, action ... passei a escrever camera.

Considere camera um anglicismo recentemente introduzido na língua portuguesa

Publicado por: Joana às fevereiro 26, 2004 07:58 AM

Hector:
O seu entusiasmo é contagiante.
O país está à beira de descobrir um tesouro quee ultrapassa o vil petróleo.

Publicado por: Joana às fevereiro 26, 2004 08:00 AM

Os adeptos do Benfica andam a alguns anos a fazer esse turismo. Os ingleses começaram ontem com o Manchester.

Publicado por: vde às fevereiro 26, 2004 07:37 PM

Só os ingleses se lembrariam disso

Publicado por: Rave às fevereiro 26, 2004 09:59 PM

desculpem mas somos um país turistico :
mostrem-me um país que tem uma única e verdadeira serra (estrela) e que quando caem 10cm de neve ... encerra !

Publicado por: zippiz às fevereiro 26, 2004 10:15 PM

vde: Desta vez os benfiquistas não fizeram turismo de desgosto

Publicado por: Roberto às fevereiro 26, 2004 11:15 PM

Joana: o meu entusiasmo contagiante era, claro, uma bricadeira.
Mas a história está bem observada

Publicado por: Hector às fevereiro 26, 2004 11:28 PM

Esse blogue pocilga está sempre negro. Só fala mal. É o blogue da Invejosa.

Ó filha, porque estás assim? Já ganhas bem, não trabalhas, estás de baixa (mas a receber tudinho...!!!), conseguiste o tacho e a reforma na Função Pública, o que te falta? É o ôme?! Oh "Joana", a Luísa disse que não vales um chavo...

Publicado por: Arrasador - Esta prostituta da Comissão nao pára às fevereiro 27, 2004 12:07 AM

Quem é a Luisa? Mas, ó arrasador, esta gaja não é da função pública e ganha muita massa, isso sei de fonte segura. Por isso é que ela fala assim

Publicado por: Cisco Kid às fevereiro 27, 2004 12:32 AM

Chegou a hora do pessoal da má língua.
Boa noite

Publicado por: Hector às fevereiro 27, 2004 12:34 AM

Má língua o quê? Eu digo aquilo que penso e que tenho direito. Se esta gaja é uma reaça. Hei-de dizê-lo, custe o que te custar. Não faço parte do rebanho dessa gaja

Publicado por: Cisco Kid às fevereiro 27, 2004 12:40 AM

Eu não faço parte do rebanho, mas você e o outro, pela linguagem, devem fazer parte da pocilga dela

Publicado por: Hector às fevereiro 27, 2004 12:44 AM

Essa gaja é uma reaccionária, uma intriguista e uma porca!

Publicado por: Cisco Kid às fevereiro 27, 2004 12:49 AM

Essa gaja é uma reaccionária, uma intriguista e uma porca!

Publicado por: Cisco Kid às fevereiro 27, 2004 12:50 AM

Tenho de concordar que no turismo do desgosto damos cartas, e parece que temos reservas inesgotáveis.

Publicado por: vmar às fevereiro 27, 2004 01:21 AM

Pelo que li acima, não é só no turismo que os nossos recursos são inesgotáveis.

Publicado por: Joana às fevereiro 27, 2004 09:05 AM

Andam todos a discutir o deficit e o remédio está encontrado

Publicado por: A Trofa às fevereiro 29, 2004 01:09 AM

Joana em fevereiro 26, 2004 07:58 AM

Anglicismo é, mas recente nem por isso.
Os «operadores de câmara» da RTP, antes de se chamarem «operadores de câmara» foram «camera men».
Ainda hoje há quem os designe assim. É mais curto e, de facto, mais «cinematográfico».
# : - ))

Publicado por: (M)arca Amarela às março 1, 2004 08:11 AM

(M)arca Amarela em março 1, 2004 08:11 AM:
OK, afinal camera não é um anglicismo tão recente quanto isso.
O mais interessante é que, ao que julgo, a palavra inglesa deriva do latim (como câmara) e era usada nos tribunais, depois passou para o âmbito da fotografia e do cinema, e regressou a Portugal, como anglicismo, por essa via.

Publicado por: Joana às março 1, 2004 10:03 PM

Turismo de desgosto é o que fazemos a ler este blog

Publicado por: Cisco Kid às março 2, 2004 12:41 AM

Joana em março 1, 2004 10:03 PM

É exacto o que diz quanto à origem latina de «camera», por acaso com a mesma grafia da palavra latina. A derivação latina surge por via do significado de «sala» ou «compartimento», ainda presente no português, e da sua aplicação em Física na designação da «câmara escura».
A máquina fotográfica é uma mini «câmara escura», daí o termo «camera».

Publicado por: (M)arca Amarela às março 3, 2004 09:44 AM

Boa

Publicado por: Absint às fevereiro 28, 2005 05:59 AM

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