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fevereiro 05, 2004

A Justiça Fiscal ou o caso do Juiz Publicano

É ponto assente que existe uma enorme evasão fiscal no nosso país. Também é consensual que essa evasão deve ser combatida.

O problema é saber como. Há dias, num matutino, um Juiz de Tribunal Administrativo de Círculo e de Tribunal Tributário escrevia um artigo sobre justiça fiscal deveras interessante, nomeadamente provindo de um juiz.

Entre outras coisas, este juiz propunha que a lei deveria sancionar publicamente os infractores das leis fiscais, por forma a implementar a censura social: assim, todos os contribuintes que, após sentença, tivessem de pagar ou devolver à Fazenda Pública montante elevado de impostos, seriam condenados também a custear a publicação em jornal de grande circulação de um extracto da parte decisória da sentença. Assim, além da censura social, também o ideal da concorrência leal seria beneficiado, porque as empresas infractoras seriam conhecidas pelas outras empresas e pelos consumidores.

O douto juiz sabe que esta medida não é inovadora. Por exemplo, nos autos da fé os acusados ostentavam dizeres que informavam os assistentes dos pecados que haviam cometido. Também quem cometia qualquer crime era enforcado publicamente, tendo pendurado algures, no respectivo cadáver, um elucidário pormenorizado do crime. Mesmo um pequeno delinquente era passeado publicamente, ostentando a lista delituosa e parando a cada esquina, por entre o rufar dos tambores e as vozes dos arautos. Era uma prática interessante que as perniciosas ideologias liberais e as filosofias do século das luzes baniram dos nossos costumes, mas que o juiz Paulo H. Pereira Gouveia quer ver ressuscitadas e novamente consagradas.

Mas o juiz Paulo H. Pereira Gouveia acresceria ainda que aquela prática mediática teria ainda a vantagem de eliminar o excesso de litigância fiscal: os infractores das leis fiscais pensariam duas vezes antes de recorrerem aos tribunais tributários. O que é evidente: Se cada vez que uma sentença é lavrada, o condenado for passeado publicamente, por entre rufares de tambores e o vozeirão dos arautos, ostentando reclamos de gosto duvidoso sobre os seus alegados actos pecaminosos, ele desistirá de litigar. Provavelmente desistirá de muitas coisas mais. Entre elas de viver num país em que o juiz Paulo H. Pereira Gouveia julgue.

É óbvio que com medidas destas o juiz Paulo H. Pereira Gouveia vai conseguir arrecadar muitos milhões. Logo que esta legislação entrasse em vigor a população acotovelar-se-ia às portas das tesourarias das finanças a entregar os seus teres e haveres para evitar as pesadas penas e o enxovalho público decretados pelo juiz-inquisidor.

E para que queria o émulo fiscal do Torquemada tantos milhões? Porque esses milhões dariam para equipar melhor os hospitais e as universidades, informatizar uniformemente toda a máquina fiscal, remunerar melhor os bons funcionários públicos e os políticos em regime de exclusividade e até para reduzir um pouco o défice público (comove até às lágrimas ver como o juiz Paulo H. Pereira Gouveia se preocupa, mesmo que “apenas um pouco” com o nosso défice público).

Porque, na opinião do juiz Paulo H. Pereira Gouveia, o que o Estado necessita é de investimentos privados e públicos extraordinários na formação de quadros técnicos superiores e médios, bem como na inovação tecnológica e na gestão moderna e racional na administração pública.

Senhor Doutor Juiz Paulo H. Pereira Gouveia, meretíssimo Juiz de Tribunal Administrativo de Círculo e de Tribunal Tributário, venho por este meio corroborar e certificar que o Estado precisa de um investimento extraordinário e vultuoso na formação de um quadro técnico e na sua inovação e modernização. E este quadro técnico, Senhor Doutor Juiz Paulo H. Pereira Gouveia, que necessita urgentemente dessa formação indispensável, é justamente Vossa Excelência.

Publicado por Joana às fevereiro 5, 2004 11:12 PM

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Comentários

Eu também li esse artigo e fiquei incomodado com o fundamentalismo do tipo, que ainda por cima é juiz.
Imagine-se que algum de nós cai naquelas garras.

Publicado por: Hector às fevereiro 6, 2004 12:24 AM

Leia-se "O Jumento", naturalmente com sentido crítico para eliminar eventuais excessos, e estamos perante um cenário irreal no combate à evasão fiscal.
Como é possivel que num momento tão crucial, veja-se o discurso da Ministra das Finanças na tomada de posse do actual Director Geral dos Impostos, que este se dedique a um doutoramento.
É obvio que o tempo que o Dr. Armindo dedica ao seu doutoramento lhe (nos) faz falta no combate à evasão fiscal.
Mas há realmente combate à evasão fiscal? Onde? Quem? Como? Trata-se duma matéria à qual, por razões de ordem profissional sou muito sensivel, sem que verifique quaisquer resultados. A não ser aquela burrada da notificação ao Presidente da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, que, por si só, ilustra bem o desacerto da máquina fiscal.
Quer queiramos que não, o que tem faltado é uma vontade política de combater efiscazmente a fraude. Mas para isso é também absolutamente indispensável a existência duma tributação justa, que ponha em pé de igualdade todos os contribuintes.
Já alguém se deu ao trabalho de confrontar os impostos pagos pelos grandes grupos económicos, nomeadamente pelo sector bancário, com os restantes contribuintes. É um trabalho bastante fácil. Basta apenas analisar a Demonstração de Resultados e ver os valores inscritos em Resultado Líquido do Exercício e Impostos sobre o Rendimento do Exercício. As conclusões serão bastante elucidativas.

Publicado por: Luís Monteiro às fevereiro 6, 2004 01:13 PM


Luís Monteiro em fevereiro 6, 2004 01:13 PM

O único problema que consigo vislumbrar em relação ao Doutoramento do Sr. Armindo é um problema existencial de ordem académica para a Ministra: fica, academicamente, abaixo do Sr. Armindo.

O que só vem confirmar a tendência do país: 70 a 80% dos empresários têm uma média de 7 anos de escolaridade.

Publicado por: re-tombola às fevereiro 6, 2004 05:29 PM

A face oculta de uma certa direita

O Sr. Juíz Paulo H. Pereira Gouveia , tal como o Xerife Joe Arpaio (Maripoca / Arizona / EUA), é só uma das muitas faces invisíveis de uma certa direita (e de muitos outros "politicamente correctos" que originam estas reacções) que se globaliza subliminarmente.

Se não sabem quem é o Xerife Arpaio nem o que é a "Estrella Jail" que ele dirige, tentem informar-se.

Como aperitivo, posso adientar que Joe Arpaio se gaba de feitos económicos excelentes na gerência da sua cadeia porque, diz, "Os meus prisioneiros estão gordos demais, por isso, reduzi-lhes a ração diária": reduziu as 3.000 calorias diárias para 2.500.

A redução, produziu feitos económicos dignos da nossa Ministra ferreira Leite: uma redução de custos na ordem de 400 mil euros anuais!

Aboliu o café (poupança de 160 mil euros), o sal e a pimenta (poupança de 97 mil euros), e quanto ao americaníssimo "ketchup", nem vê-lo (poupança de 120 mil euros).

Gaba-se de ter conseguido diminuir as despesas de alimentação diária dos prisioneiros quando comparadas com as dos cães de guarda: os cães gastam 93 cêntimos por dia enquanto que os presos gastam 32 cêntimos.

Diz Arpaio, em relação aos cães: "Esses, coitados, não cometeram crime nenhum."

Estes senhores são só a ponta de um iceberg...

Ora vêem porque não assino certas petições?

Sabe-se sempre onde se começa, só não se consegue saber onde se vai parar...

Publicado por: re-tombola às fevereiro 6, 2004 05:53 PM

"Esqueci-me" de mencionar outros dos magníficos resultados do Xerife Arpaio:

- a taxa de reincidência na "Estrella Jail" é da ordem dos 60 a 70 por cento;

- a população prisional aumentou de 4.800 para 8.000 desde que Arpaio foi eleito;

Algumas frases de Arpaio:

- "Quem se queixa das celas (que são tendas militares para cerca de 40 pessoas) devia lembrar-se dos nossos
bravos soldados no Iraque que dormem exactamente nas mesmas tendas e estão a arriscar as vidas".

- "Um Governador tem que dar satisfações, enquanto que eu, como Xerife, faço o que me apetecer"

- "Introduzi na prisão a semana de trabalho de seis dias " (os prisioneiros trabalham em "chain gains", isto é, em grupos acorrentados uns aos outros por grilhetas nos pés)

E para terminar, em beleza:

Arpaio tentou que os prisioneiros produzissem a electricidade para as cozinhas pedalando em biclicletas fixas e tentou fazer negócio com a transmissão directa de imagens da prisão via internet.

Perante isto, seria ilógico dizer que os prisioneiros de Guantanamo são uns felizardos (apesar de não saberem porque estão presos e de serem objecto da indiferença de toda a popuçação mundial)?

Publicado por: re-tombola às fevereiro 6, 2004 07:17 PM

re-tombola: eu já tenho visto cenas dessas em filmes, mas julgava que isso eram coisas do passado.
Como eh possivel coisas assim continuarem a existir na democracia americana?
Bem, Arizona eh Far-West!

Publicado por: Filipa Zeitzler às fevereiro 6, 2004 07:53 PM

Filipa Zeitzler em fevereiro 6, 2004 07:53 PM

Caríssima

O Xerife Arpaio é bem real.

Até tem um site na internet e uma das coisas "comoventes" no site do homenzinho é isto:

The Maricopa County Sheriff's Office actively investigates animal cruelty and neglect cases. Sheriff Arpaio has a new policy: his detectives now arrest and book into jail anyone suspected of these crimes. Please help animals by helping the Sheriff. Call 256-1681 to report any animal abuse or neglect.


Eu bem digo que o mundo é isto mesmo: estamos todos diária e alternadamente no céu e no inferno.

Publicado por: re-tombola às fevereiro 6, 2004 08:11 PM

O que me espanta mais nessa história, não é ainda existir uma coisa dessas, é a população prisional aumentar tanto.
Dá ideia que a procura pela cadeia aumentou.

Publicado por: Hector às fevereiro 6, 2004 11:37 PM

re-tombola: essa sua história lembra, como escreve a Filipa, aqueles filmes das penitenciárias americanas, com os presos de grilhetas a trabalhar nas pedreiras, o sol inclemente, revoltas, mortes, etc.
Mas sem um site na internet. Normalmente eram penitenciárias que tinham esse regime, mas que precisavam de um certo secretismo.
O site na internet é a perversão absoluta!

Publicado por: Joana às fevereiro 7, 2004 12:08 AM

Eu, como sou pagador de todos os impostos (exagerados até) concordo com o juiz.
Não me incomoda nada que sejam públicos aqueles (sejam eles quem forem) que fogem aos seus deveres, obrigando os trabalhadores por conta de outrém pagarem aquilo que os outros não pagam. (que é o mmeu caso e será, talvez, o caso da maioria).

Assim como, não sou assassino, traficante, sequestrador, ladrão, violador, pedófilo, etc, também concordo com o xerife!
Afinal, que mal é que tem os presos pedalarem? Não é exercício fisico?
E que mal têm deixarem de comer ketchup, sal, pimenta e café? (como se isso alimentasse alguma coisa, ou como se alguém passasse fome por não ter esses ingredientes). Não estará a xerife a zelar pela saúde dos seus presos? (É evidente que estou a ser irónico)
Não vejo mal nenhum nisso!
Se os presos quisessem comer ketchup, deviam ter pensado nisso antes de cometer o crime!

Publicado por: Heroi do Silêncio às fevereiro 7, 2004 03:19 AM

Esse artigo do Público é perfeitamente chocante. Que capacidade de julgamento isento tem um gajo que escreve coisas daquelas?

Publicado por: Cerejo às fevereiro 7, 2004 12:25 PM

Esse artigo do Público é perfeitamente chocante. Que capacidade de julgamento isento tem um gajo que escreve coisas daquelas?

Publicado por: Cerejo às fevereiro 7, 2004 12:25 PM

O que é mais chocante nessa história é o juiz querer extorquir essa massa toda para aumentar os vencimentos dele próprio.
É um escândalo

Publicado por: Viegas às fevereiro 9, 2004 09:08 AM

Este juiz poderá ser aplaudido por alguma esquerda, mas é visceralmente da direita. Ou então é da esquerda totalitária, esquerda de nome, mas fascista pelo comportamento

Publicado por: Rui Silva às fevereiro 10, 2004 12:59 AM

Sujeitos como estes têm que ser denunciados porque são tanto ou mais perigosos quanto os infractores, pois para além do mais, criam o clima adequado aos infractores aparecerem depois como vítimas e terem o apoio de todos nós.

Publicado por: fbmatos às fevereiro 10, 2004 09:07 AM

É a existência deste espírito na Administração Fiscal que tem ajudado a que a opinião pública não seja repressiva para com os faltosos.

Publicado por: Adalberto às fevereiro 10, 2004 01:01 PM

Acho que devemos cair em cima dos infractores com mão pesada e não facilitar que eles recorram pois só vai demorar tempo e atrapalhar os serviços.

Publicado por: Justo às fevereiro 12, 2004 08:41 PM

Ó Justo: tu deves ser tótó. Imaginas que te acontece algum erro, como aconteceu com o presidente dos TOC a quem as finanças penhoraram, por engano, o ordenado. Estavas feito. Não podias recorrer para não “atrapalhar os serviços”! Achas bem?

Publicado por: Cerejo às fevereiro 12, 2004 08:56 PM

Este artigo de um juiz é inconcebível

Publicado por: jfpereira às fevereiro 17, 2004 10:37 PM

Este artigo de um juiz é inconcebível

Publicado por: jfpereira às fevereiro 17, 2004 10:38 PM

À Joana e ao Re-tombola:
- os juizes julgam publicamente, perante duas partes e com fundamentos gravados e escritos
- quem tem a sua situação fiscal não deve temer a fiscalização e a censura social sobre os infractores da lei
- já existe há décadas o mecanismo de publicar em jornal sentença condenatória em matéria de censura ético-social: infracções económicas e contra a saúde pública
- normalmente quem foge ao fisco é a direita e a esquerda com hábitos de direito.

Perante isto, julgo que a ética e a justiça social irão ser alcançadas, um dia.

Publicado por: juiz às março 4, 2004 12:16 AM

Gostei imenso dos cometários aqui apresentados.
O artigo do juiz vem apenas chamar a atenção para alguns problemas que existem no tão badalado combate á fraude e evasão fiscal.

Alguns irão entender que sou de direita ou de esquerda, mas com os políticos que temos acho verdadeiramente que nem vale a pena ir votar, é tudo da mesma laia.

A fraude e evasão fiscal é uma questão relativamente recente, porque do modo como as leis (fascistas) estavam feitas, até 1989, o excessivo poder da administração fiscal evitava qualquer fuga. Pagava o justo e o pecador, apenas nos casos de corrupção é que se conseguia fugir.

A partir de 1989 o politicos alteraram as leis e definiram o principo da verdade das declarações.

Este principio veio permitir que a fuga aos impostos tivesse aumentado de forma generalizada, excepto para os trabalhadores por conta de outrem, que sempre foram fiscalizados através do cruzamento de informações.

Em 2000, e em face dos numeros de 1998 que demosntravam que cerca de 85% do IRS tinha sido pago pelos trabalhadores e pensionistas, o Pina Moura resolveu fazer a famosa reforma fiscal.

Esta reforma avançou então com a colecta mínima do regime simplificado, tentando remediar as coisas da pior maneira.

Mudou de Governo, e em vez de fazerem uma reforma á medida deles, apenas adaptaram a reforma do pina moura, e aumentando o também famoso pagamento especial por conta (especie de coleta minima para as empresas).

Em suma a fuga sempre irá existir, e não existe hoje, nem existirá no futuro vontade política para a combate a fraude e a evasão fiscal porque ela faz parte da nossa herança cultural.

Quem não sabe uma série de truques para fugir sempre que pode ao Fisco.
Quem não chega perante os amigos e se gaba que conseguiu ganhar x e y sem pagar nada ao Estado?

Muito poderia ser dito, mas em minha opinião esta questão da fraude e da evasão fiscal passa acima de tudo por uma vontade política expressa, coerente e determinada, que não me parece poder existir nos próximos anos.

P.S. o actual governo parece ter encontrado outra solucão melhor para combater a falta de receitas fiscais devido á elevada fuga. Primeiro começou por vender ímóveis, depois vendeu a rede fixa á PT, o ano passado vendeu o créditos fiscais ao Citigroup, e para este ano já iniciou a inventariação dos imóveis do Estado, ao que parece para vender alguns e titularizar os restantes conseguindo assim mais receitas extra para combater o mais que famoso défice.

Publicado por: Karamazov25 às abril 3, 2004 08:29 PM

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