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janeiro 16, 2004
Uma sugestão curiosa
O administrador financeiro da Jerónimo Martins aconselhou o Estado a seguir o exemplo daquele grupo, relativamente à estratégia para a redução de dívida e abandono das actividades não estratégicas, assegurando que, por essa via, a Jerónimo Martins alcançou as metas propostas ao mercado, superando as expectativas dos investidores.
Na opinião deste imaginativo gestor, o Estado deveria assumir com «obsessão» a redução da dívida e do défice orçamental, recorrendo a «alguns sacrifícios», tal como aconteceu na Jerónimo Martins, e também abandonar as actividades não core (nucleares). Com estes objectivos de fundo, o Estado saneava as suas contas, à semelhança da JM. Desde 2001, a JM vendeu 24 companhias e oito negócios, na sua maioria que não faziam parte do «core business», ou que num horizonte de três anos não criavam valor.
O problema com o Estado português é saber quais as actividades que fazem parte do seu «core business»;
O problema com o Estado português é que as actividades que desenvolve, quer façam ou não parte do seu «core business», não criam valor.
Porém há um dado importante adiantado pelo administrador financeiro da JM: embora a maioria das companhias e negócios vendidos não fizesse parte do seu «core business», subentende-se que algumas fariam.
Logo o Estado, se pretender seguir aqueles conselhos, escusa de se preocupar com as minudências do “ser ou não ser” do «core business».
Por exemplo:
1 – o Governo Regional da Madeira e as suas instâncias, a fossa orçamental do Atlântico – são ou não são «core business»? Não interessa: vendem-se.
2 – as autarquias locais, o maior sorvedouro de dinheiro do país – são ou não são «core business»? Não interessa: vendem-se.
3 – os Hospitais Públicos que não conseguem controlar a despesa em consumíveis e equipamentos e o absentismo dos seus colaboradores – são ou não são «core business»? Não interessa: vendem-se.
4 – as Universidades públicas onde os docentes pensam que a autonomia universitária serve para os contribuintes pagarem a factura e não pedirem explicações sobre o seu funcionamento – são ou não são «core business»? Não interessa: vendem-se.
5 – as escolas do ensino básico e secundário, onde parte dos professores tem horário zero, o ensino é medíocre e os currículos são experiências que os especialistas laboratoriais do ministério andam a fazer na convicção que os alunos são cobaias – são ou não são «core business»? Não interessa: vendem-se. E atenção ... como bónus, na aquisição deste pacote, o adquirente pode levar o Ministério, com todo o pessoal, as DRE’s e todos os restantes organismos dependentes dele.
6 – as instâncias do poder judicial que quando não apanham os poderosos, é porque há apenas justiça selectiva, e que quando os apanham, é porque têm poder excessivo e o usam discricionariamente – são ou não são «core business»? Não interessa, são um elemento de perturbação da opinião pública: vendem-se! O bónus na aquisição deste pacote é a posse de todos os estabelecimentos prisionais e institutos de reinserção. Se alguém conseguir encontrar a ministra, esta será evidentemente incluída no pacote.
7 – o Ambiente, dependente de um ministro que, conforme o lado para onde o viram, afirma que vai chutar ... mas nunca chuta. O Ambiente é ou não é «core business»? Não interessa: vende-se. Com a vantagem que se obtém, como sub-produto, a extinção de algumas organizações ambientalistas que deixam de conseguir angariar estudos e pareceres, através da ameaça da sua força mediática poder lançar o pânico na opinião pública.
8 – as Forças Armadas, que quando se fala em dotação orçamental para o seu equipamento, nos perguntamos porquê despender aquele dinheiro e que, quando são necessárias, zombamos da sua penúria – são ou não são «core business»? Não interessa, para nós não são: vendem-se. Com a vantagem de que se o ministro estiver incluído no pacote, lá se vai o «core business» do Expresso.
9 – as instituições culturais? Obviamente não são do «core business». A população tem um elevado analfabetismo funcional e os agentes culturais só produzem para eles próprios, em circuito fechado. É vender tudo. Tudo ... bem ... tudo talvez não seja possível, porque o ministro desapareceu após a tomada de posse.
10 – A AR será «core business»? Não interessa, faz leis, mas só os ingénuos cumprem as leis, ninguém fiscaliza o seu cumprimento e ao fim de poucos meses caiem em desuso: vende-se! O PR, que nem é «core», nem «business», nem nada ... obviamente vende-se ou dá-se, nem que seja como contrapeso. O governo? Bem, o governo depois deste leilão monumental ficou sem objecto. Vende-se!
11 – as Finanças deixaram entretanto de serem necessárias. A questão de serem ou não «core business» passou a irrelevante. Está tudo vendido, não precisamos de receitas para despesas inexistentes – é vender urgentemente e, se não houver licitante, que se faça uma doação a alguma instituição de caridade.
A estratégia está traçada. Resta nomear a comissão liquidatária e um bom pregoeiro para animar o leilão!
Publicado por Joana às janeiro 16, 2004 09:36 PM
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Comentários
Já agora vender os Jerónimos e o Terreiro do Paço
Publicado por: Coelho às janeiro 16, 2004 10:04 PM
Passando a um registo menos brincalhão, julgo que há actividades que o Estado tem presentemente que sairiam mais baratas para o contribuinte e de melhor qualidade para os utentes se fossem privatizadas.
Publicado por: Hector às janeiro 16, 2004 10:59 PM
Alguns hospitais, por exemplo.
Publicado por: Hector às janeiro 16, 2004 11:00 PM
Nessa altura terá a Jerónimo Martins readquirido a sua antiga dimensão de loja no Chiado. Será altura do Estado comprar e ter uma missão definida: a de mercearia. Um saco para as receitas, outro saco para as despesas. O que sobrar é lucro!
Publicado por: Placard às janeiro 16, 2004 11:22 PM
Gostei ! Um Estado sem Estado, ou como um "Financista" se pode tornar em Anarquista !
Publicado por: zippiz às janeiro 16, 2004 11:39 PM
Gostei ! Um Estado sem Estado, ou como um "Financista" se pode tornar em Anarquista !
Publicado por: zippiz às janeiro 16, 2004 11:39 PM
Não há dúvida que esta sujeita deu um passo enorme no caminho do anarquismo.
Mas um anarquismo "financista". Em vez de acabar com o Estado, vende-o em leilão.
Publicado por: Vitapis às janeiro 16, 2004 11:51 PM
"Não há dúvida que esta sujeita"...
Que "sujeita"?...
Publicado por: Marapião às janeiro 17, 2004 12:50 AM
De facto há administradores financeiros (este será economista?) que têm um enorme sentido de estado.
Valha-nos o enxovalho mordaz, se é que a mensagem chega até LÁ EM CIMA.
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Agora...
"Com a vantagem de que se o ministro estiver incluído no pacote, lá se vai o «core business» do Expresso."
...é a sua "maldadezinha" corrosiva a vir, ainda mais, à tona...
PS. Ainda por cima esta combinação entre "o ministro" o "«core business»" (do mesmo?) e "o pacote" daria a alguns aproveitadores com mais sentido de humor e capacidade de trocadilho, pano para mangas.
Publicado por: Marapião às janeiro 17, 2004 01:19 AM
Cara Joana,
Não entendi é se concorda ou discorda do administrador financeiro da Jerónimo Martins.
Se não esclarecer, parece um discurso do Sampaio...
Cada um pensa o que quer...
Publicado por: Anarca às janeiro 17, 2004 12:28 PM
Não se percebe se a Joana é favorável à solução do JM ou se está a gozar com ela. Provavelmente está a gozar com tudo
Publicado por: VSousa às janeiro 17, 2004 09:15 PM
A Joana aproveitou para fazer uma série de trocadilhos, mas a opinião do gestor financeiro do JM tem a sua valia. O Estado tem que entregar aos privados as actividades que não consegue realizar eficientemente, excepto aquelas que, pela sua dimensão social e nacional, tem que manter nas suas mãos. As forças armadas, a justiça, a educação (partilhando com os privados), etc.
Fora desse «core business» deve ter apenas um papel regulador.
Publicado por: Novais de Paula às janeiro 17, 2004 09:58 PM
Cuidado...
pior que um 'estado gastador' só um 'estado totó'...
As empresas que se criam na órbita de instituições estatais são uma hidra que gere milhões à custa do orçamento... Sem concursos... favorecendo os amigalhaços... contas 'esquisitas'...
Um abraço,
Francisco Nunes
Publicado por: Planície Heróica às janeiro 18, 2004 12:26 AM
O core business para o PCP é tudo. Para o PP é quase nada. Entre estes 2 opostos há uma enorme latitude para escolha.
Publicado por: Rave às janeiro 18, 2004 01:00 AM
Na minha opinião, a Semiramis apenas quis mostrar as contradições da nossa sociedade e da nossa política, que vão desde a direita à esquerda.
Julgo que isto é o fio condutor da autora, não sei se conscientemente ou não, que faz com que umas vezes pareça de direita outras de esquerda, umas vezes anarquista outras pró-establishment
Publicado por: fbmatos às janeiro 18, 2004 01:06 PM
Joana: a veiazinha anarquista?
Publicado por: Filipa Zeitzler às janeiro 18, 2004 02:09 PM
Estão praí com palpites. Esta gaja não sabe o que diz. É só isso.
Publicado por: Cisco Kid às janeiro 18, 2004 02:31 PM
De todos os comentários, dou o meu aplauso ao fbmatos.
À Joana, quero dizer-lhe que, há já algum tempo, leio os seus escritos; aprecio o seu humor, o seu espírito crítico e a sua capacidade de análise. Vou pegar no seu exemplo 4 e,sobre ele, escrever no meu blog.
Continue com a sua metodologia.
Publicado por: manuel marques às janeiro 18, 2004 11:28 PM
Para o Produtor deste filme hard-core, aqui vai o meu contributo:
- venda do forte de Catalezete, em Oeiras, residência não oficial do Paulinho.Incluo-me desde já como um dos interessasoa na compra.
- venda do Castelo de Leiria. Também estou interesasdo pela ligação afetciva à minha terra natal.
- vemda do pinhal de Leiria. Interessa à indústria da celilose.
- privatização de toda a orla costeira. Tem interesse para a indústria de turismo, e para todos os que ambicionam a uma praia privada.
- privatização da cobrança de impostos. O City Bank perfila-se como o principal candidato.
- privatização do Governo. Haverá interessados?
Publicado por: Luis Filipe às janeiro 19, 2004 11:38 AM
Fazer também como este grupo fez na Polónia onde foram apanhados com facturação falsa?
Publicado por: canzoada às janeiro 22, 2004 09:19 PM