« Os Reis Magos: O Cenário Tradicionalista | Entrada | Mais Vale Nunca do que Tarde »

janeiro 06, 2004

Os Reis Magos: O Cenário Neo-liberal

Demonstrou-se, no capítulo precedente, que o episódio dos Reis Magos, vindos do oriente, orientados por uma estrela, não tinha poder explicativo na sua formulação tradicional.

A minha investigação, sempre escrupulosa, baseada numa hermenêutica rigorosa e numa heurística documental precisa, buscou um novo cenário, mais sustentável e inovador.

A primeira observação é a que a palavra rei não é indissociável da soberania de um Estado. É usada habitualmente para designar especialistas numa dada disciplina ou actividade, como por exemplo: Rei dos Livros (cujo território se cinge a um espaço exíguo na Baixa lisboeta; rei dos caloteiros (título de tal forma banalizado que permitiu a concessão da realeza a uma percentagem significativa da população portuguesa, e ao próprio Estado); o rei dos analistas políticos (J A Saraiva, na opinião dele próprio, ou Marcelo de Sousa, o Velhaco Genial, na opinião dos restantes); “o Rei” (Elvis Presley); etc..

Portanto, subtraí-me ao erro fatal de que foi vítima Mateus, na sua senectude, e todos os seus exegetas, inclusivamente Bach. Retenhamos esta primeira conclusão: rei é apenas uma pessoa com relevo numa determinada disciplina.

A segunda observação, também igualmente pertinente, resulta da resposta à pergunta: Porque é que aqueles veneráveis anciãos abandonaram as suas terras, o seu conforto familiar, obcecados por um sinal que interpretaram como uma estrela e seguiram esse sinal, léguas a fio, empoleirados em incómodas e enjoativas corcovas de camelos?

Diz-se que estavam obcecados por um sinal, pela luminosidade de uma estrela. Cinjamo-nos aos factos despidos da retórica: os “reis magos” tomaram uma sequência de decisões em face de sinais, ou de um sinal que ia variando no tempo.

Julgo que as mentes mais astutas, que me acompanharam nesta dedução rigorosa já se aperceberam que chegámos ao âmago da questão. A solução está ao virar da esquina ou, no caso em apreço, ao virar da duna. Qual é a actividade humana em que os seus especialistas tomam as decisões mais inexplicáveis, demandam os locais mais inverosímeis, têm as condutas mais excêntricas em face de sinais que só eles percepcionam e só eles julgam entender?

Quem são esses especialistas? Que sinais são aqueles que tanto os excitaram?

As respostas são doravante simples e elementares:

Quem são esses especialistas? – Economistas;

Que sinais são aqueles que tomaram como uma estrela? – Os sinais do mercado;

Porque levaram tantas preciosidades? Porque as decisões de investimento são tomadas em face dos sinais do mercado e, naquela época, em que a moeda escritural ainda não tinha curso, os cartões de crédito nem sequer miragens eram no deserto dos Nabateus, a forma de se andar prevenido para investir na altura precisa era trazer permanentemente à arreata uma cáfila de camelos ajoujados ao peso de um sólido carregamento de ouro, incenso e mirra.

Porque é que Mateus errou? Mateus, que tinha o apelido de Levi, era colector de impostos. É óbvio que ninguém confia num colector de impostos. Principalmente quando se transporta um carregamento de mercadorias preciosas, sem guias de transporte, sem referência ao IVA, na mais absoluta e delituosa evasão fiscal. A Mateus foi contada uma história da carochinha em que ele acreditou piamente, segundo o parecer que enviou aos publicanos (administração fiscal da época) e que depois foi incluído no seu evangelho. Já naquela época a administração fiscal se deixava embalar com balelas.

Os factos são claros e límpidos e não permitem outra explicação.

Que se passou depois? Aparentemente a Bolsa de Jerusalém teria encerrado com fortes perdas. O pessoal tinha-se endividado para comprar as prendas para festejar as Saturnalias e a bolsa estava sem liquidez. Herodes, o tetrarca, responsável pela gestão danosa que tinha levado a Bolsa à insolvência, os fariseus à ruína e os zelotas a vandalizarem a cidade, protestando contra a globalização, deu uma explicação esfarrapada aos “reis magos”, que acabaram num casebre de Belém, onde se desfizeram das mercadorias, desvalorizadas face ao crash da Bolsa de Jerusalém, trocadas ao desbarato por um suculento ensopado de borrego, acompanhado de leite de vaca ordenhado no momento.

Nunca mais tentaram interpretar sinais de mercado.


Este é o único cenário sustentável e com suficiente poder explicativo.

Publicado por Joana às janeiro 6, 2004 11:58 PM

Trackback pings

TrackBack URL para esta entrada:
http://semiramis.weblog.com.pt/privado/trac.cgi/105055

Comentários

Humor, classe, cultura, enfim está bestial!

Publicado por: A J Nunes às janeiro 6, 2004 07:37 PM

Estes dois escritos sobre o dia de Reis estão de facto muito bem esgalhados.

Publicado por: fred às janeiro 6, 2004 07:42 PM

Uma das coisas que mais me intriga nos escritos da autora deste blog é a diversidade dos temas e a forma como eles são abordados. Desde o tema mais sério ao mais brincalhão, desde a bordoada mais cáustica ao humor mais irreverente, eu sei lá. Mas sempre com uma forte componente cultural envolvente.

Estas duas história dos Reis Magos são de antologia. Muitos parabéns.
E um bom dia de Reis!

Publicado por: Humberto às janeiro 6, 2004 07:56 PM

Uma historia gira para a Epifania. Diferente do usual. Fartei-me de rir com ambas

Publicado por: Filipa Zeitzler às janeiro 6, 2004 10:25 PM

Duas historietas cheias de humor bem conseguido. É difícil comentar isto. Apenas dizer que gostei e tenho-me fartado de rir com alguns pormenores

Publicado por: Viegas às janeiro 7, 2004 12:30 AM

Muito bom.

De onde lhe vem tanta "veia"?

Publicado por: Al_Mansour às janeiro 7, 2004 12:13 PM

Absolutamente fabuloso. Fabulosos, ambos

Publicado por: Rui Pereira às janeiro 7, 2004 09:00 PM

Estes 2 txtos são do melhor, mais imaginativo e mais bem escrito que tenho visto.
Isto é de antologia.

Publicado por: Hector às janeiro 8, 2004 01:38 AM

Cara Joana

Apurou-se !
Desde que a leio, este foi o texto melhor conseguido, talvez por ter deixado as suas opções políticas para trás.

De facto, tal como até os Marxistas sabem, desde que Marx defeniu e bem a chamada dialéctica, o mercado, os mercados, também fazem parte dela, são vivos, movem-se, transformam-se, invertem, alteram-se, segundo certas ideias "políticas" postas a circular... que são peças, que fazem parte desse enorme motor com grande "cavalagem/potência" que necessita obviamente de ser alimentado, constantemente !

parabens !
Gostei !

Publicado por: Templário às janeiro 9, 2004 02:46 PM

Muito bons estes dois escritos. Fartei-me de rir.

Publicado por: Dominó às janeiro 9, 2004 09:21 PM

Estas 2 histórias são muito giras. Você tem muita imaginação e humor

Publicado por: Benquisto às janeiro 10, 2004 01:48 AM

Estes reis magos economistas são uma delícia. Aliás, ambas as histórias estão muito boas e cheias de humor

Publicado por: A Trofa às janeiro 10, 2004 07:11 PM

.

Publicado por: Valente às janeiro 12, 2004 12:47 AM

E essa do Marcelo ser o Velhaco Genial!

Publicado por: Valente às janeiro 12, 2004 12:49 AM

É a terceira vez que passo por aqui e leio estas histórias dos reis magos que acho muito bem observadas e muito bem escritas, principalmente esta. Encontro sempre motivos de interesse.
Parabéns

Publicado por: Joaquim Pereira às janeiro 18, 2004 12:59 PM

Esta história tem muita pinta. Você devia publicar isto noutro sítio para mais malta ler

Publicado por: Senhor dos Aneis às janeiro 27, 2004 03:20 AM

Isto de facto está engraçado. No entanto, não estava à espera que uma rapariga tão nacionalista, tradicionalista, nobiliarca tivesse a ousadia de gozar com a santa religião católica apostólica romana. Qualquer dia está a gozar com a sagrada família e com os tremeliques do Papa. "Graças a Deus todas,
graças com Deus nenhumas."

Publicado por: mariotte jr às fevereiro 10, 2004 12:55 PM

Quem é que lhe disse que eu sou nacionalista, tradicionalista, nobiliarca?
Este texto (e o anterior, de que este é o corolário lógico) resulta apenas de uma investigação histórica realizada com a profundidade, rigor e isenção que qualquer estudioso deve pôr no seu trabalho.
Se acha que eu sou nacionalista, tradicionalista, nobiliarca, aprecie a minha isenção!!

Publicado por: Joana às fevereiro 10, 2004 08:09 PM

Este texto está sensanionalérrimo! Não sei o que a autora é. A mim, pelo que vi, parece-me que dispara em várias direcções.

Publicado por: David às fevereiro 11, 2004 12:30 AM

Quem disse????
Você.
Se ainda o não afirmou taxativamente já o disse implicitamente.

À mulher de César
Não basta ser.
Como já diziam uns filósofos esquerdista antigos (do tempo dos Reis Magos) aquilo que parece "É".
(ou pelo menos aquilo que "aparece".)
com os mais compridos cumprimentos
escreva sempre, desde que sejam artigos destes, onde investiga e usa a imaginação. Deixa-nos sem saber o que é uma coisa ou o que é a outra.
Mariotte jr.

Publicado por: mariotte jr às fevereiro 17, 2004 01:09 PM

Mariotte jr. – você tem razão, este cenário está muita bem escrito. Na brincadeira, mas muito bem observado. Já o li várias vezes e rio-me sempre. É um clássico do humor com bases.

Publicado por: vitapis às fevereiro 18, 2004 12:55 AM

E não apareceu nenhum movimento «Compromisso Judeia»?

Publicado por: Benquisto às fevereiro 29, 2004 01:21 PM

Esse «Compromisso» seria para não vender as empresas aos romanos!

Publicado por: Benquisto às fevereiro 29, 2004 01:32 PM

Coisa gira!

Publicado por: Biazinha às março 25, 2004 10:20 AM

Tá giro

Publicado por: odorico às abril 14, 2004 06:51 PM

Enganei-me. A outra tá boa, esta é que é sensacional!!

Publicado por: Rodrigo às abril 21, 2004 12:58 PM

Sempre que passo no seu blog, leio outra vez isto.
Já deve ser a 30ª vez e cada vez acho mais piada

Publicado por: Novais de Paula às abril 22, 2004 12:07 AM

Papo giro

Publicado por: féfé às maio 20, 2004 03:53 PM

Comente




Recordar-me?

(pode usar HTML tags)