« Semiramis e o Natal | Entrada | Ser ou não ser … consistente »

dezembro 28, 2003

Portugal é um sítio

Portugal não tem condições subjectivas para ter forças armadas, forças para-militares, forças de segurança, etc., etc.. Tem condições objectivas, visto precisar delas. Um sítio (estou com dificuldade em lhe chamar país) com uma zona marítima tão extensa, na encruzilhada dos caminhos entre o velho e o novo mundo, entre o oriente e o ocidente, deve ter forças armadas. Um sítio (continuo com dificuldade em lhe chamar país) que quer ter estabilidade social e uma economia desenvolvida tem que ter forças de segurança, pois não é possível actividade económica sem garantias de estabilidade, ordem e salvaguarda da propriedade e dos bens de cada um.

O que não existem entre nós são as condições subjectivas para suportar essas forças porquanto quando há necessidade de lhes comprar equipamentos e meios, e de orçamentar verbas para lhes pagar os vencimentos, meios de comunicação, comentadores e blogosferenses questionam acintosamente a prioridade de lhes outorgar verbas tão avultadas; quando, em contrapartida, face a ocorrências dramáticas, elas mostram as suas deficiências e carências, os mesmos meios de comunicação, comentadores e blogosferenses riem-se e troçam dessas deficiências e incapacidades. Como têm septos nos cérebros e as informações não circulam entre os diversos compartimentos da massa encefálica, não discernem o nexo de causalidade entre aquelas duas situações.

O caso da ida dos 120 GNR para o Iraque é o mais recente exemplo de como o sítio em que vivemos não tem condições subjectivas para suportar tamanho desafio.

Nas vésperas da GNR ir para o Iraque foi assinado um protocolo estabelecendo as condições em que a GNR operaria no Iraque. Nesse texto está tudo previsto, desde quem fornece a comida e os combustíveis até às condições em que se pode disparar a matar. E prevendo-se, por exemplo, que os militares portugueses gozem de imunidade perante as leis iraquianas.

Nas negociações, Portugal foi representado pelo adido militar em Londres, comandante Augusto Ezequiel, o homem que a comunicação social glorificou como exemplo de competência, rigor e capacidade de previsão (enfim … tudo o que escasseia no nosso sítio) durante o caso «Prestige».

Portugal e os oito países signatários do protocolo com o governo britânico colocaram diversas condições. O Ministério da Administração Interna português impôs que Portugal não faria nada contrário à Constituição portuguesa e às leis internacionais, indicando que só aceitava participar se actuassem apenas em missões de estabilização da ordem pública, protecção das populações e formação da polícia iraquiana.

Esse protocolo confidencial, aparentemente inócuo, teve ultimamente desenvolvimentos surpreendentes (bem … surpreendentes se Portugal fosse um país … mas tratando-se de um sítio …):

1 – Veio-se a saber. Era inevitável. Não é por termos jornalistas mais argutos. Foi apenas porque em Portugal os detentores de cargos da administração pública, ou parte significativa deles, não sentem quaisquer pruridos em contar aos jornalistas tudo o que lhes apraz, para satisfazerem vinganças mesquinhas, pessoais ou políticas, ou apenas a sua sede de protagonismo. Basta ver como os despachos e autos cobertos pelo segredo de justiça são conhecidos na íntegra ou em partes importantes, cá fora, ainda antes que os interessados deles tenham conhecimento. No nosso sítio a confidencialidade vende-se por um prato de lentilhas.
A próxima vez que alguma potência estrangeira assinar protocolos confidenciais com outros países e nesse grupo estiver incluído o nosso sítio, haverá 2 protocolos: um confidencial, onde nós não estaremos incluídos por manifesta incapacidade de mantermos a boca calada, e outro público, apenas assinado por nós.

2 – Os meios de comunicação, comentadores, etc. surpreendem-se estupefactos perante a extrema minúcia com que direitos, deveres, procedimentos, logística, etc., estão descritos e previstos. Trata-se evidentemente de uma circunstância altamente suspeita. No nosso sítio não suportamos semelhantes equívocos. Quando enviamos pessoal, ele vai ao “Deus dará”, como foi o caso dos jornalistas que invadiram no Iraque no encalço dos GNR. É pois natural que jornalistas e políticos fiquem desconfiados perante a alegada necessidade de tais minúcias e planeamentos e vejam com um olhar de sofisma o documento “confidencial”.

3 – O memorando foi assinado pelo Ministério da Administração Interna do Governo de Portugal pois, segundo os meios de comunicação, as divergências entre Durão Barroso e Jorge Sampaio sobre esta matéria impediram que Portugal aparecesse referenciado como um Estado, tal como surgem os oito países que assinaram conjuntamente o acordo em Inglaterra. É certo que este documento foi assinado a 6 de Outubro e a resolução 1511 da ONU é apenas de 16 de Outubro. É certo que Sampaio diz coisas divergentes dependendo do sítio onde fala: em Lisboa comove-se com a dedicação e competência dos heróicos 120 GNR’s enviados para o Iraque, em Argel refere-os como força intoleravelmente opressora, em Londres … bem, em Londres ainda não se sabe. Tudo isso é certo. Todavia, julgo que as verdadeiras razões de Portugal não ter sido “referenciado como um Estado” resultam obviamente de Portugal, como todo este caso exemplarmente demonstra, não ser um Estado, mas apenas um sítio.

4 – E tratando-se de um sítio, não há que estranhar não termos políticos com sentido de Estado. Temos, no máximo, políticos com sentido de sítio. Sampaio foi o que se viu - mudou de sítio ... mudou de discurso. Ana Gomes, ao declarar que o protocolo é “totalmente incompatível com a Constituição portuguesa e com o direito internacional a que Portugal está obrigado”, referindo a ida da GNR para o Iraque como a “participação portuguesa numa guerra” mostra que não leu, não percebeu ou não quis perceber o protocolo, a resolução 1511 da ONU, a indicação que se tratava de uma “força de manutenção da paz”, o manual de procedimentos para políticos com sentido de Estado, o manual de boas maneiras, enfim … qualquer texto posterior ao último discurso político do Grande Educador do Proletariado Arnaldo de Matos.


P.S. E nem quero referir o drama horrendo da falta do bacalhau que se vive nas cozinhas do valoroso contingente da GNR. Portugal tem-se comovido às lágrimas com a pungente tragédia glosada, em diversos tons e métricas, pelos nossos jornalistas. A GNR desmuniciada de bacalhau é presa fácil nas areias escaldantes que marginam o Eufrates. A carência do bacalhau desmoraliza os ânimos mais intrépidos, faz “fraca a forte gente”. É uma situação patética e aviltante que tem que ser superada com o pundonor que nunca escasseou na alma lusa quando estão em causa os imortais símbolos pátrios. Portugal, o nosso sítio, tem que se mobilizar para enviar bacalhau para aquelas terras inóspitas, esquecidas de Deus e do bacalhau. Podemos falhar como Estado, como país … mas como sítio amante do bacalhau não falharemos!

Já metemos uma lança em África … havemos de meter um fardo de bacalhau na Ásia!

Publicado por Joana às dezembro 28, 2003 07:47 PM

Trackback pings

TrackBack URL para esta entrada:
http://semiramis.weblog.com.pt/privado/trac.cgi/105041

Comentários

não temos um país mas, para aumentar a nossa auto-estima, temos um staff no ministério da defesa ...alto lá com ele !
não falando do homem de estado como ministro !

Publicado por: zippiz às dezembro 28, 2003 09:25 PM

Somos um sítio, mas com um clima óptimo, bom peixe, bons restaurantes, bom vinho.

Para quê querer mais?

Publicado por: Fred às dezembro 29, 2003 11:32 AM

Não há dúvidas que a incúria e a incompetência dos nossos políticos e das nossas "corporações" profissionais estão a tornar Portugal num sítio onde só se safa o "clima óptimo, bom peixe, bons restaurantes, bom vinho" como dizia o Fred.
E não sei por quanto tempo!

Publicado por: Viegas às dezembro 29, 2003 03:17 PM

O Eça não tinha nenhuma relutância em chamar a isto um sítio, o que já era uma honra. E mais actual do que Eça nem o Dr Arnaldo Matos, nem o José Manuel Fernandes. E o Miguel Sousa Cintra é um simples aprendiz! Sítio! Sem remorsos e sem complexos!

Publicado por: Placard às dezembro 29, 2003 10:56 PM

Portugal eh de facto um sitio, mas onde eu gosto de ir, sempre que posso.

Publicado por: Filipa Zeitzler às dezembro 29, 2003 11:06 PM

Não conheço nenhum país que não seja, em maior ou menor grau, um «sítio». E isto inclui todos os G7+1.

Publicado por: (M)arca Amarela às dezembro 30, 2003 09:01 AM

Parece que parte hoje bacalhau para a GNR no Iraque. Haja paz!

Publicado por: Adalberto às dezembro 30, 2003 07:41 PM

(M)arca Amarela em dezembro 30, 2003 09:01 AM
Todos os países são também sítios. Ser-se apenas um sítio ... é o destino de Portugal se não arrepia caminho.
Um bom ano para si.

Publicado por: Joana às dezembro 30, 2003 07:55 PM

Placard: Eça chamava "isto" de sítio, criticando, como eu, a incúria dos governos, o desleixo da administração pública, o escolasticismo das universidades e a postura de muita gente, em geral.
Fê-lo na entrevista entre o "Ano Velho" e o "Ano Novo" e foi uma crítica muito acerada à situação do Portugal de então.

Publicado por: Joana às dezembro 30, 2003 07:59 PM

Comparado com o mundo actual, Portugal está pior agora que no tempo do Eça, comparado com o mundo de então. Está uma vergonha.

Publicado por: Rui Silva às dezembro 30, 2003 10:54 PM

O Bacalhau no Iraque

O episódio do bacalhau que deveria ter chegado a tempo da ceia natalícia aos Iraque foi mais um dos episódios que caracterizam a falta de capacidade logística das nossas forças armadas.

Como com Timor, mais uma vez tivemos que alugar um grande Antonov a uma empresa ucraniana que os possui, porque não temos meios próprios para este tipo de missões.

Como também ficou visto que não temos meios próprios para o combate a incêndios, recorrendo-se sistemáticamente ao aluguer.

Nos tempos modernos, e depois da aprovação do novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional, nada mais está previsto para melhorar a desejada e programada "capacidade de projecção de forças" que a substituição dos actuais 6 aviões C-130 por outros tantos semelhantes, modernizados, é certo, mas aviões que numa viagem daqui para o Iraque têm que fazer 2 escalas para reabastecimento (como se viu agora no caso das 13 toneladas de equipamentos para o Irão).

Nada mais está previsto ao nível da Armada que a temporalmente longínqua construção do famoso Navio Polivalente Logístico.

Capacidade de projecção de forças com este nível?

De risota!

Portugal para além de aumentar a frota de C-130 terá que adquirir aviões maiores de transporte de pessoal e equipamentos, e de melhorar a capacidade marítima.

É caso para dizer, sobre os planos do nosso Ministério da Defesa: "Muita parra, pouca uva".

Publicado por: Al-Mansour às janeiro 6, 2004 01:19 PM

São poucas as vezes em que discordo do seus pontos de vista, mas agora discordo parcialmente.

O velho sonho português de uma comunidade atlântica, cultural, linguística e eventualemente económica só será viável se Portugal for forte no seio da UE.

E só o conseguirá se trouxer consigo as mais valias de uma relação sólida com o mundo lusófono.

Da perspectiva dos PALOP's e do Brasil, Portugal só tem importância para eles se tiver esse peso relativo na Europa, e esse peso consegue-se com maior participação, nomeadamente no meio militar.

Os paises europeus são países pacíficos, e se alguns têm ambições geo-estratégicas, quem não os tem?

A própria Angola os tem e por isso interviu nos conflitos do ex-Zaire e no Congo, interfere nos negócios da Namíbia, e até a Guiné-Bissau já foi acusada de apoiar discretamente os independentistas de Casamansa.

Portanto, e à sua escala, todos têm pretenções geo-estratégicas que querem levar a cabo, assim tenham meios económicos e militares para isso.

O gigante económico europeu, não pode continuar a ser um anão militar no mundo.

E isso consegue-se de duas formas:

Através de uma efectiva política externa comum (o que tem sido difícil de alcançar) e com a tal capacidade estratégica.

Ora capacidade militar estratégica não é ter necessáriamente mais meios militares ofensivos, porque esse, de um modo ou de outro, o conjunto de alguns países europeus já o têm.

Trata-se da capacidade logística e de projecção de forças, que actualmente só os EUA têm.

Capacidade de transportar rápidamente grandes forças para qualquer teatro de operações.

Isso a Europa não tem, e contam-se pelos dedos os porta-aviões e navios logísticos que potências regionais como a Inglaterra ou França têm.

Aviões de transporte estratégico de grande porte, também não há, e nem o projecto da Airbus conseguirá suprir essa falha.

Neste aspecto específico até a Rússia está melhor equipada.

Por isso, desenhar alianças militares e de cooperação com alguns países lusófonos, nomeadamente Brasil e Angola só terá interesse para estes se Portugal tiver o tal peso específico no seio europeu.

Por outro lado, para ter esse peso específico necessita de ter uma relação especial com esses países, que precisa de ser cultivada e mantida.

Imagine o cenário de S. Tomé ser "engolida" por eventuais pretenções expansionistas da Nigéria.

Neste momento Portugal teria capacidade própria para dissuadir a Nigéria dessa aventura?

Não.

Mas se houvesse uma aliança com Angola e Brasil, julgo que o esforço conjunto e articulado dos três já poderia, com capacidade de fornecimanto de tropas por parte de Portugal, Brasil e Angola, capacidade marítima de Portugal e do Brasil e base logística em terrotório angolano.

Este é um cenário possível.

Para isso, cada um terá que investir nesses meios e capacidades estratégicas.

Mas não é com o que está programado ao nível da nossa Lei de Programação Militar que se alcançará tal coisa.

Publicado por: Al_Mansour às janeiro 7, 2004 11:43 AM

O país está cinzento, os portugueses andam cinzentos, o fado é cinzento …que me perdoem os fadistas mas, …não há por aí uma marcha?

Publicado por: fernando nogueira gonçalves às janeiro 11, 2004 03:40 PM

Há. Isto é um país de marchistas

Publicado por: z às junho 18, 2004 01:49 PM

Há. Isto é um país de marchistas

Publicado por: z às junho 18, 2004 01:49 PM

Há. Isto é um país de marchistas

Publicado por: z às junho 18, 2004 01:49 PM

Há. Isto é um país de marchistas

Publicado por: z às junho 18, 2004 01:49 PM

Há. Isto é um país de marchistas

Publicado por: z às junho 18, 2004 01:49 PM

Há. Isto é um país de marchistas

Publicado por: z às junho 18, 2004 01:49 PM

Alguem poderia me disser a importância do bacalhau para a cultura de Portugal? e também se alguem poder me disser onde eu acho alguma música típica de Portugal, pois tenho que fazer um trabalho sobre esse maguinífico País

Publicado por: Luciano às abril 12, 2005 08:54 PM

Comente




Recordar-me?

(pode usar HTML tags)