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outubro 02, 2003

Retóricas

A resistência iraquiana está a esboroar-se, ninguém sabe onde pára os 350.000 homens do exército regular nem a guarda republicana, provavelmente dizimada e/ou dissolvida no ambiente, etc. Só lutam alguns kamikazes islâmicos, vindos do exterior, mas sem competência militar.

O impagável Ministro da Propaganda continua a falar de um Iraque que só existe na sua imaginação e a promover visitas guiadas aos hospitais para mostrar crianças, mulheres e idosos feridos que constituiriam, na sua imaginação delirante, 95% dos feridos.

Saïd al Sahhed espera, como Goebbels, pelo Milagre da Casa do Brandeburg, neste caso, pelo cansaço da opinião pública internacional face às imagens televisivas da suas visitas guiadas. Mas Saïd al Sahhed não tem à sua disposição, como Goebbels em Berlim, as Waffen SS, fanáticas, mas competentes, que retardaram semanas a fio a avalanche do Exército Vermelho. Aliás, Saïd al Sahhed não passa de uma paródia terceiro-mundista de Goebbels.

Nunca acreditei na retórica das chefias iraquianas e islâmicas. Fiquei vacinada durante a 1ª Guerra do Golfo, jovem e crédula estudante universitária, quando verifiquei, com o desenrolar dos acontecimentos, que a realidade era absolutamente contrária às expectativas geradas em mim pela retórica dos dirigentes iraquianos.

Nelson, antes do início da Batalha de Trafalgar, fez a seguinte proclamação:

“A Inglaterra espera que cada um de vós cumpra o seu dever”.

Esta frase singela e determinada, despida de floreados e retórica, constitui, para mim, o mais belo exemplo do apelo ao patriotismo e ao pundonor. Nem louvaminhas pomposas à sua nação, nem injúrias desdenhosas à nação contrária.

Independente das razões morais e do Direito Internacional desta guerra (aliás, sobre ela exprimi a minha opinião dias antes de ter começado) há virtudes de outros povos que deveriam servir de exemplo para nós. A determinação, a objectividade, a perseverança e o patriotismo sereno e firme dos anglo-saxónicos deveriam constituir um exemplo para nós, para a nossa retórica patrioteira e estéril.

Eça escrevia que a nossa verborreia patriótica era a das frases delicodoces que na noite anterior se teria dito a “uma andaluza barata”. Mutatis mutandis, a situação hoje não é, infelizmente, muito diferente.

Nota: Há muitas imprecações nos fóruns da net e em meios de comunicação, lançando apelos lancinantes à resistência dos iraquianos e à guerrilha.

Trata-se obviamente de gente que acredita na retórica de Mohammed Saïd Al-Sahaf e na existência do Iraque virtual que ele, desde há semanas, se afadiga a construir.

Também é fácil, teclando tranquilamente frente ao monitor, exigir bravura, determinação e ferocidade para punir e liquidar a malvada América. Não se corre qualquer risco.

Porém, a realidade tem mostrado que, para além dos elementos mais próximos do regime e dos kamikazes importados dos países islâmicos vizinhos, os iraquianos não têm combatido ou, quando o fazem, fazem-no porque são obrigados. Aliás, Saïd Al-Sahaf já fez mais que uma declaração pública ameaçando os soldados iraquianos pela sua fraca determinação. Aparentemente, na primeira oportunidade, dissolvem-se no ambiente que os rodeia.

O regime de Saddam é um regime despótico e sangrento que se impôs pelo terror. Poucos terão vontade de o defender, embora muitos tenham sido obrigados a isso. É pouco provável que, para além de algumas bolsas isoladas dos kamikazes islâmicos e de milícias fanáticas, mais alguém o defenda. Não me parece que, num futuro imediato surjam guerrilhas.

Todavia, se a coligação, depois de ter vencido a guerra, não souber vencer a paz, é bem provável que comecem a aparecer focos de rebelião que possam dar origem a uma guerra de guerrilhas.

07-Abril-2003

Publicado por Joana às outubro 2, 2003 03:11 PM

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Comentários

Não queria repetir-me mas tenho que felicitá-la novamente pela sua análise. Temos muito que aprender com os anglo-saxónicos. E deixarmo-nos de retóricas estúpidas que não levam a nada

Parabéns

Publicado por: GPinto às novembro 5, 2003 12:12 AM

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