« Estou perturbada | Entrada | Bob ... errei ... »
outubro 07, 2003
Os julgamentos mediáticos têm destes avatares
O Ministro Pedro Lynce exarou um despacho contrariando, alegadamente, a legislação vigente.
As bombardas da comunicação social assestam-se sobre ele: irregularidade! Prevaricação! Crime punível com prisão maior! Grilheta no pé, já! O PGR vai investigar.
O Ministro demite-se imediatamente. Os panegíricos são imensos: homem de grande estatura moral! Foi induzido em erro pelo Director-Geral! Vítima de uma cabala! Pessoa competentíssima! 47 especialistas e docentes de Direito juram que o ministro não violou a lei, antes pelo contrário, podia fazer aquele despacho e ele era legal. O PGR vai investigar.
Rui Trigoso, sem conhecimento do Lynce (desculpa, ó Lynce, este tratamento, mas na situação em estás, ele deve ser o mais polido que recebes…), tentou mudar a lei, obviamente para favorecer a Diana. Mas Trigoso não tem status para ser bombardeado pela comunicação social: É o ministro Martins da Cruz que é o culpado. Tem todas as condições para isso: é profundamente antipático e tem uma filha com 19 nas provas específicas o que é indecente para a nossa mediocridade. O Ministro Martins da Cruz demite-se! O PGR vai investigar.
Amanhã descobre-se que afinal foi a Diana que convenceu o namorado, familiar de Rui Trigoso e de Requicha Ferreira, a congeminar toda esta trama: a comunicação social bombardeia o gang dos 4 e a SIC Notícias faz 10 horas seguidas de emissão sobre esta conspiração que abala os fundamentos do Estado. Diana demite-se de filha de Martins da Cruz. O PGR vai investigar.
Mais meia dúzia de dias volvidos e outra investigação jornalística vem provar que afinal se trata de uma maquinação urdida por um ex-namorado da Diana para se vingar de ela o ter abandonado. Outra investigação, mais aprofundada, exibe, sem margens para dúvidas, que ela o abandonara por ter sabido ter ele tido, anteriormente, uma relação pecaminosa com Paulo Portas. O PGR vai investigar.
Felícia Cabrita vem, finalmente, após uma investigação laboriosa, conduzida conjuntamente com o JAL, descobrir que o ex-namorado da Diana era afinal um traumatizado e que a ligação com o Portas teria ocorrido na mais tenra adolescência. O rapaz não se lembrava da idade porque não costumava andar com o BI. Apenas garantia que os encontros ocorriam numa vivenda chamada “Sodoma e Gomorra” e que uma das posições era o 666. O PGR vai investigar.
Paula Portas não é constituído arguido porque o 666 não é crime público. Aliás, exegetas diversos, consultando tratados da especialidade: o Kamasutra, a Arte de Amar do Ovídio, o Satyricon do Petronius, o Burro de Ouro do Apuleio, o Decameron, toda a vasta obra do divino Marquês, Hilda Hilst, Henry Miller, Anaïs Ninn, mesmo a Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica da Natália Correia … tudo, não conseguiram encontrar qualquer referência àquela alegada perversidade. O PGR vai ler toda aquela literatura.
A oposição exige a demissão do Portas porque o facto de ele ter sido arrolado como testemunha do caso do 666 era indício seguro da sua culpabilidade e da inexistência de condições para continuar como ministro. O Expresso enche 35 edições semanais sucessivas com relatos sobre a perversidade do 666. Paulo Pedroso coloca 412.825 comentários no online. pyrenaica passa a paquete da redacção do Expresso e agente da Catherine Deneuve em Portugal. O PGR vai fazer uma post-graduação em Aritmética para aprender a contar até 666.
Balsemão adquire a Besta numa pet-shop, convencido que era um fetiche sexual. Desiludido encarrega o paquete da redacção da tarefa de, todas as 6 horas, levar a Besta à rua, para passear pelos candeeiros e árvores defronte do Expresso. O município aplica uma coima ao Expresso pela quantidade de dejectos da Besta na via pública. O PGR vai analisar o corpus delicti. Todo o corpus delicti é transportado para a Procuradoria em camiões cisterna.
Escrito em 2003-10-07
Publicado por Joana às outubro 7, 2003 11:36 PM
Trackback pings
TrackBack URL para esta entrada:
http://semiramis.weblog.com.pt/privado/trac.cgi/104960
Comentários
Delicioso. Ainda não parei de rir
Publicado por: Filipe às outubro 8, 2003 12:43 AM
Caro Filipe, sem ofensa, reclamo a primazia do termo "delicioso" aplicado a este post... Que aliás é delicioso.
Publicado por: Barbanegra às outubro 8, 2003 02:25 AM
Parabéns. Não estava a par da sua veia humorística. Este texto está admiravelmente construído. Alguém menos avisado poderia supor que passa uma esponja sobre o conluio de agentes do governo para beneficiarem a filha de um ministro, mas penso que o seu objectivo é outro. Além do mais, o antepenúltimo parágrafo revela-me uma inesperada Joana...
# : - ))
Publicado por: (M)arca Amarela às outubro 8, 2003 08:58 AM
Joana, o texto está giro, mas não percebi a história do 666 e da Besta.
Se tiver oportunidade podia explicar-me?
Ou algum comentador?
Publicado por: Filipa Zeitzler às outubro 14, 2003 11:13 PM
Filipa
666 é o número da Besta do Apocalipse. Um comentador do Expresso online, um tal pyrenaica, sabendo que houve 666 delegados ao Congresso do CDS-PP, deduziu, brilhantemente(?!?), que tal indicava ser Paulo Portas, a Besta do Apocalipse
Publicado por: Joana às outubro 14, 2003 11:54 PM
Pois
Publicado por: tex às fevereiro 28, 2005 05:09 AM
Pois
Publicado por: tex às fevereiro 28, 2005 05:10 AM