As declarações dos políticos e dos fazedores de opinião sobre o Orçamento de Estado para 2005 revelam que atingimos em Portugal o grau zero da racionalidade política e económica. E daí, talvez esteja equivocada. Portugal é um país de talentos insuspeitos que se revelam inesperadamente quando pensamos que batemos no fundo, verificamos, pouco tempo depois, que ainda havia mais um fundo por debaixo do fundo ... e assim sucessivamente. Vejamos a questão da alegada descida do IRS.
Em primeiro lugar, ninguém entre a classe política está de acordo sobre se o IRS irá baixar ou não. Ora sabendo-se que 8,6% de famílias subscreveram PPR e 9,3% Contas Poupança Habitação, não custa a acreditar que, segundo estimativas oficiais, 88% das famílias vejam o seu o IRS reduzido ou mantido e as restantes 12% das famílias o vejam aumentado. Até aqui parece simples.
Simplesmente, este orçamento é para vigorar em 2005. Logo, logicamente, se em 2005 as retenções na fonte fossem feitas com as novas tabelas, com taxas inferiores, e tendo os reembolsos do IRS ainda em consideração os benefícios fiscais válidos para o exercício de 2004, haveria uma descida de receitas em sede de IRS durante o exercício de 2005. Todos veriam o seu IRS a descer em 2005. Populismo, clamaram diversos políticos e fazedores de opinião é o regresso do despesismo e da falta de rigor orçamental. São as eleições autárquicas a pressionar!
Entretanto o ministro veio avisar que as retenções na fonte seriam feitas de forma que, durante 2005, aquela desfasagem na cobrança do IRS não levasse a uma diminuição das respectivas receitas. Ora isso significa que a correcção à liquidação do IRS nas declarações de 2005, feitas em 2006, poderá fazer com que os contribuintes recebam reembolsos do IRS, mais chorudos, na véspera das legislativas de 2006. Populismo, clamaram diversos políticos e fazedores de opinião é o regresso do despesismo e da falta de rigor orçamental. São as eleições legislativas a pressionar!
Confusos? Mas há mais. Cerca de 10% das famílias verão o seu IRS aumentar. Não será um aumento exagerado, mas terá algum significado. Admitindo que a massa total do IRS se mantenha (a preços reais), tal significa que 90% da população verá o seu IRS descer, em média, 11% da valor médio do aumento sofrido por cada família mais abastada ... ou seja ... não verá nada, ou só enxergará alguma coisa, se estiver mesmo muito atenta ... e for muito forte em aritmética.
Por isto tudo não é de admirar que uma sondagem elaborada pela Marktest indique que 56% dos portugueses estão convencidos que vão pagar mais IRS em 2005. Um governo decidir baixar os impostos com o intuito de satisfazer a população, e esta ficar com a ideia que eles vão subir, é o pior que pode acontecer a um governo. Mais valia não ter feito nada. Evitava ser criticado por descer os impostos. Evitava ser criticado por afinal não descer os impostos. Evitava o recurso a algumas receitas extraordinárias, isto se cortasse alguns dos benefícios fiscais (e parece-me que estes cortes deveriam ter sido faseados para evitar agravamentos bruscos de IRS para os contribuintes atingidos). Ou então, mantinha o recurso às receitas extraordinárias e distribuía fundos por alguns autarcas sequiosos de numerário para fazerem obras e botarem figura, tendo em vista a proximidade das eleições de Outubro de 2005.
O impacte da diminuição de IRS para cerca de 90% dos contribuintes vai ser muito pequeno. A engenharia fiscal compensando essa descida com o corte de benefícios fiscais é capaz de ter um impacte mais negativo na opinião pública, pois atinge uma minoria mais influente. O governo não conseguiu fazer passar uma mensagem explicando bem os resultados da uma política fiscal que, já de si, se prestava a confusões. Aliás passou diversas mensagens que se prestavam, cada uma, a interpretações ambíguas e eventualmente contraditórias. O clamor das oposições contestando uma coisa e a sua oposta, ajudou à entropia fiscal. A consabida iliteracia jornalística fez o resto.
Julgo que o governo deveria substituir alguns assessores de imagem por assessores de estratégias políticas consistentes. Fazer uma coisa, e ser penalizado por o eleitorado ficar convencido que vai fazer a oposta, indicia alguma imperícia na concepção estratégica.
Pior era impossível!
Nota - sobre o OE 2005, consultar ainda:
Transsexualidade Política
Casa onde não há pão
...é neste tipo de confusões que se vê a competência e a classe do governo.
um diz que desce ( é preciso votos ) outro diz que não desce ( a pensar no deficit )
no dia seguinte cada um diz o contrário.
só pode ser maldade da oposição ...
Joana
De finanças percebo quase nada. Você está no seu domínio e eu sou um outsider. Por isso, devia estar calado. Só que, quando se trata de impostos, sinto a mão de alguém no meu bolso e gosto de saber o que vai atrás quando ela sai.
A experiência demonstra que não podemos ter a mínima confiança nas declarações do governo, de qualquer governo, em matéria fiscal.
Mira Amaral, insuspeito de iliteracia, avisou, há um par de semanas, que não se deve acreditar no governo, se vier prometer baixa de impostos e a despesa pública no orçamento se mantiver.
Dito isto, vem a segunda questão: QUE diminuição de IRS? Admitindo que o IRS baixa, qual o valor dessa redução, em concreto? Também aí as opiniões divergem e parece que as contas são diferentes para a mesma categoria de rendimentos, desde que se considerem outros factores familiares.
Uma terceira questão é a de se saber porque é que o governo vai continuar, seguramente, a ordenhar a classe média e não toma qualquer medida, seguramente, para por um ponto final à universalmente consabida fuga aos impostos de médicos, advogados, economistas, engenheiros e toda a cáfila de parasitas sociais que nos cobram fortunas pelos seus serviços, fazem declarações de IRS ridículas e depois beneficiam dos impostos que nós pagamos. Será porque a superestrutura partidária, o parlamento e o governo são constituídos por advogados, economistas e engenheiros?
Finalmente, falar-se, apenas, de diminuição de IRS é lançar poeira nos olhos, coisa para que os governos têm uma habilidade inata.
De que me serve prometerem-me uma hipotética redução de 10 ou mesmo 100 euros no IRS, se um valor muito superior a isso me vai ser retirado nos impostos indirectos?
Veja-se, por exemplo, o que se passa nos combustíveis. Têm aumentado com a desculpa do aumento do crude. Sem remeter para os especialistas que dizem que o aumento do crude, em termos reais, não é assim tão linear como isso, fiquemos, apenas na variação dos preços nominais do barril de petróleo e da taxa de câmbio do euro.
Quando o preço dos combustíveis no consumidor aumenta, fala-se na percentagem de subida do preço do barril, como se houvesse uma correspondência directa entre o preço do barril e o preço do litro de gasolina. A Joana, melhor do que ninguém, pode explicar como é mínimo o impacto do aumento do barril na formação do preço da gasolina.
Mas eu também dou isso de barato. O pior é que o preço do barril em dólares desce, o valor do euro em relação ao dólar sobe e a curva dos preços da gasolina não sofre qualquer inflexão na sua caminhada ascendente.
Isto significa que, ao não acompanhar, na descida, o valor real do petróleo, o governo está a arrecadar mais valias significativas, quer no imposto sobre os combustíveis, quer no IVA, quer no IRC dos fornecedores e dos revendedores de combustíveis.
Um cidadão que more em Cascais (ou em Sintra, ou em Vila Franca, ou no Montijo...) e trabalhe em Lisboa, gasta, no mínimo, 100 euros de gasolina por mês, dos quais 20 euros (grosso modo) correspondem ao IVA. Anualmente, portanto, 240 euros em IVA. Tendo em conta que o valor do euro em relação ao dólar cresceu 30 por cento num ano, se esse factor se reflectisse no preço dos combustíveis, haveria um ganho significativo para o contribuinte só no IVA da gasolina. Provavelmente superior a qualquer eventual, hipotetica, discutível redução do IRS.
A propósito da confusão sobre descidas & outras coisas, a Joana poderia ter acrescentado que essa confusão nasce no seio do governo, com o primeiro-ministro e o ministro das Finanças a prometerem coisas diferentes e a desmentirem-se mutuamente. Como diz o outro: organizem-se!
Errata no post anterior:
No terceiro parágrafo, onde se lê «...de se saber porque...» deve ler-se «...de se saber por que...»
Apenas de um ponto de vista técnico, é perfeitamente possível baixar o IRS para os rendimentos médios ou baixos sem reduzir a receita total de impostos do Estado. Basta para isso que se ataque a sério a fuga ao fisco dos rendimentos mais altos. Não estou a dizer que é isso que o governo vai fazer, mas apenas que seria possível ao governo fazê-lo. Como, aliás, teria sido possível aos governos do PS fazer... se o tivesse querido.
Quanto ao preço dos combustíveis a questão deixou de ser do governo, quando liberalizou esse mercado. O que acontece é que a procura de combustíveis é muito rígida (reage pouco às flutuações de preço) pelo que o cartel das gasolineiras irá sempre praticar os preços mais altos que forem aceitáveis, sem revolta, pelos consumidores. E como o governo tem vantagem (fora de períodos eleitorais) nessa alta de preços, já que o imposto sobre os combustíveis acompanha o seu preço, vai-se dando às gasolineiras rédea livre. Pegar fogo a algumas bombas de gasolina - atenção, não estou a defender que isso se faça! - faria muito pela baixa do preço dos combustíveis...
Isto é tudo muito confuso. Se cada um dissesse coisas diferentes, ainda vá.
O problema é que cada um também diz coisas diferentes conforme o dia.
«...Portugal é um país de talentos insuspeitos que se revelam inesperadamente quando pensamos que batemos no fundo, verificamos, pouco tempo depois, que ainda havia mais um fundo por debaixo do fundo ... e assim sucessivamente...»
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É bem verdade. Depois de Guterres, veio Durão Barroso e depois deste aí temos Santana Lopes. Tudo leva a crer que em breve teremos José Sócrates.
É verdade: este país é um poço sem fundo...
O que vale é que a Joana não tarda aí, com notícias fresquinhas do congresso do PSD...
# : - ))
Afixado por: (M)arca Amarela em novembro 14, 2004 08:09 PMMas conseguimos uma coisa: decaímos a rirmo-nos de nós pr´prios!
Afixado por: Sa Chico em novembro 15, 2004 12:33 AMGostava de saber o que é que as declarações de impostos de economistas e de engenheiros têm em comum com as de médicos e advogados, como alguém disse aqui? Sou engenheiro e pago todos os meus impsotos, bem como todos os que conheço. Se querem falar de profissionais "liberais", onde advogados e médicos fazem a sua perninha, não confundam com outras classes.
Afixado por: Mario em novembro 15, 2004 09:45 AMMario:
Há tendência em meter tudo no mesmo saco. Ora só quem trabalha apenas, ou maioritariamente, para particulares, pode não documentar as suas receitas. Isso sucede principalmente com os advogados. Que particular exige um recibo de um advogado, sabendo que terá que pagar o IVA em cima?
Já com os médicos é um pouco diferente. Os clientes têm incentivos para pedirem recibos (que não são sobrecarregados com IVA), vistos os poderem deduzir. Apena alguns não pedirão, mas esses já me permitem alguma "evasão".
Quanto a engenheiros e arquitectos só poderão evitar passar recibos se trabalharem para particulares - a fazer projectos de vivendas!!
Economistas, nem é bom falar nisso. Quando um profissional liberal trabalha para uma empresa tem que passar recibo. A menos que seja uma empresa de "branqueamento de dinheiro".
Falam das profissões liberais mas esquecem os biscateiros, às vezes pequenos empresários de construção civil que ganham bastante dinheiro e que não pagam impostos. Alguém pede uma factura de obras em casa, sabendo que vai pagar mais 19% de IVA e não ganha nada com isso?
E os pequenos comerciantes que agora se andam a chorar por causa dos aumentos das rendas? Que parcela das suas receitas é que declaram?
(M)arca Amarela em novembro 13, 2004 12:51 PM:
Relativamente ao preço dos combustíveis, parece-me haver indício de cartel das gasolineiras. Não necessariamente um cartel organizado, mas aquilo que se designa em microeconomia como comportamente da firma líder (em oligopólio). A firma que lidera o mercado fixa os novos preços e as outras têm tendência a segui-la. Nenhuma está interessada numa guerra comercial. Portanto, mesmo sem conluio, isto pode acontecer num mercado oligopolista.
A solução é aumentar a concorrência e permitir a venda nos hipermercados. Aumentando o número de vendedores, as estratégias oligopolistas têm mais dificuldade em se implementar. Agora uma coisa será certa: nas A/E a gasolina será sempre mais cara, pois o vendedor sabe que o automobilista não tem alternativas.
O ISPP é calculado sobre as quantidades e não «ad valorem». Não conheço bem a situação, mas o ISPP deve representar perto de metade do preço dos combustíveis. Como há os custos de refinação e transporte, dificilmente o crude representará mais de 30 a 35% do preço total. Logo, um aumento de 10% no crude deveria corresponder um aumento de 3% no preço do combustível.
Outra coisa que me faz confusão é o facto de o crude ter aumentado de 25US$ para perto de 50US$ entre 2002 e hoje. Entretanto o euro passou de 0,85US$ para 1,3US$. Portanto, em termos de euros, o crude aumentou cerca de 30% em 2 anos. Parece-me que o aumento no consumidor foi muito maior.
O ISPP e o Imposto sobre automóveis visa também moderar o consumo e evitar o descalabro das nossas contas com o exterior. Na situação em que o país vive (há muitas décadas) são impostos necessários do ponto de vista económico.
Afixado por: Joana em novembro 15, 2004 01:59 PMÀ Joana das 13:59, eu perguntaria se os autistas governos que temos tido, só se "remetem" ao automóvel para saciar as suas necessidades de Tesouraria...
Veja-se o caso das Scuts..., há poucos dias passados, ouvi o sr. Mexia afirmar, contradizendo-se, que o restauro do túnel da CP em Lisboa, terá de ser comparticipado pelo Estado. Então, aqui já não aplica, o tal sr., a filosofia do utilizador/pagador?! Eu nunca ando de comboio, porque hei-de, então, pagar algo que deverá ser parte do preço dos bilhetes do referido trajecto ferroviário!? Como se vê, a filosofia/política a aplicar não tem, rigorosamente, nada a ver com a utilização mas, sim, com o "retorno" dela esperado (esperam-se muitos milhões de Euros e interesses, das Scuts). Por acaso, já ouviu falar de porem os Alentejanos (e só os ribeirinhos) a pagar a barragem do Alqueva!? É que, cá no Norte, temos água com fartura..., portanto, não vemos (e pelo mesmo prisma) que tenhamos de partilhar tais custos... com estes nossos simpáticos concidadãos.
Vamos a isso do utilizador/pagador, mas sempre e em todos os casos! Acabou-se o interesse nacional... Viva o utilizador/pagador!!!!
Haja decência e honestidade na palavra, principalmente, daqueles que dela fazem (ou deviam fazer) moral.
Mais. Se, a sua teoria/preocupação, é a balança de pagamentos, porque não se limita a "importação" de jogadores e caríssimos treinadores de futebol, artigos de (muitíssimo) luxo (caríssimos perfumes e car(R)os Maseratis, Ferraris, Bentleys, etc, etc..., já agora, também a "exportação" de moeda...)
Ficamos por aqui.
O ceguinho da praça em novembro 15, 2004 04:05 PM :
O princípio do utilizador-pagador pode levar-nos longe: nós pagamos impostos não se sabe para quê e depois pagamos os serviços públicos à parte
O ceguinho da praça em novembro 15, 2004 04:05 PM
As obras da Refer, que é uma empresa pública, são da responsabilidade indirecta do Estado, quer seja o Túnel do Rossio, quer seja a renovação da linha para o Algarve, quer todas as infrastruturas ferroviárias.
As SCUT's são concessões. Mas se quer saber a minha opinião sobre as SCUT's veja nos arquivos do Se´miramis, pois eu escrevi diversas vezes sobre essa questão.
Este governo é um inepto em lidar com a comunicação. Não se percebe como um "comunicador nato" como o PSL faça tanto disparate
Afixado por: Valente em novembro 16, 2004 05:35 PMO PSL pode ser um bom comunicador. Mas para haver comunicação boa é preciso que haja coisas boas para serem comunicadas.
Sem isso, não há nada a fazer.
O PSL pode ser um bom comunicador. Mas para haver comunicação boa é preciso que haja coisas boas para serem comunicadas.
Sem isso, não há nada a fazer.