No sábado passado, no Público, Ana Sá Lopes escreveu um artigo (Tempos Não Absolutamente Novos) sobre a «crise» política decorrente da saída de Durão Barroso, a sua evolução e a decisão do PR.
O que este artigo tem de interessante é que, por muito menos do que Ana Sá Lopes escreve, eu fui aqui vaiada por comentaristas da mesma área política (ou próximos) da articulista do Público.
Ana Sá Lopes começa lapidarmente: «Jorge Sampaio fez bem em não convocar eleições antecipadas: a legitimidade política do Governo em funções era plena, a alternativa coisa difusa». Legitimidade plena? Alternativa difusa?? Eu também tive uma opinião afim (embora nunca me atrevesse a escrever «plena»), e as vaias que li aqui dos comentaristas daquela área política foram ensurdecedoras.
E Ana Sá Lopes, agora rendida ao realismo político, prossegue impiedosa «A esquerda, inebriada com a vitória eleitoral nas europeias, deu um pontapé excessivamente violento no regime institucional». Afinal a própria esquerda descobre agora que a ilegitimidade era dela, pois andava aos pontapés violentos ao regime institucional! E inebriada!?. Ah! Ana Sá Lopes! Isso diz-se? Então não leste o que os teus correligionários escreveram aqui? O que tu própria tinhas escrito anteriormente?
Mas Ana Sá Lopes estava imparável. São sempre os recém convertidos os mais decididos a ajustarem as contas com o seu passado, para que não restem dúvidas sobre a sua abjuração, e escreveu, mortífera: «O acerto da decisão de Jorge Sampaio revelou-se no momento seguinte ao seu anúncio: a demissão de Ferro Rodrigues foi a peça que faltava para a definitiva prova de que o PS não estava preparado para passar de pastoso partido da oposição a alternativa vencedora.»
Algo de transcendente se passou. Uma Anunciação a Ana Sá Lopes feita pelo Arcanjo SantAna? O haver encontrado o SantAna Pedro flutuando sobre uma nuvem, na Estrada de Damasco, ou mais próximo, na Estrada Marginal, inquirindo com estudada indignação paternal: «Ana, Ana, porque me persegues ?».
Pedia aos meus comentaristas, àqueles que tão indignados se mostraram pelo que aqui escrevi entre 27-06-2004 e 12-07-2004, durante a «crise» potenciada pelo «pontapé excessivamente violento no regime institucional» dado pela «esquerda inebriada» que escolham, se fazem o favor, entre insultar publicamente Ana Sá Lopes, de forma convincente e prolongada, ou virem aqui retractarem-se e fazerem um inequívoco acto de contrição.
Porque a única diferença entre o que Ana Sá Lopes escreveu em 7-08-2004 e o que eu escrevi entre 27-06-2004 e 12-07-2004, para além da incomparável maior violência verbal de Ana Sá Lopes, residiu exactamente no mês de permeio entre as duas análises.
Eu fui escrevendo sobre os acontecimentos, quando tudo estava em aberto, qualquer das hipóteses se poderia realizar, todas as dúvidas eram possíveis. As análises então feitas tinham a precaridade própria de quem escreve sobre o futuro. A única consistência que poderiam ter, residiria na minha eventual capacidade, ou não, de entender a sociedade portuguesa e os protagonistas da «crise». O artigo de Ana Sá Lopes refere-se a acções e comportamentos já sedimentados pela realidade dos factos, sobre os quais desapareceram quaisquer dúvidas sobre se ocorreram e como ocorreram.
Em 7-7-2004, antes da decisão presidencial, eu escrevi, em Síntese Política da Semana, que «o PS precisa primeiro de arrumar a casa, promover líderes capazes e constituir-se como alternativa credível». O mesmo que, exactamente um mês depois, Ana Sá Lopes escreve: «é melhor para o PS fazer uma clarificação interna do que ter ido à doida para umas eleições sabe lá Deus como». Ana! Nem eu me atreveria a qualificar o PS de uma tonta embriagada que deambula sem destino!
Em 2-7-2004, eu havia escrito em Dispromisso Político, que «mesmo que o PS tivesse maioria absoluta, a situação não seria muito melhor. Os empresários lançam as mão à cabeça só de ouvirem falar no nome de Ferro Rodrigues». Mais de um mês depois, Ana Sá Lopes é absolutamente peremptória: «Este PS que hoje se lê nos jornais não devia estar no poder». Porém, quando eu, na noite da decisão presidencial (9-7-2004) escrevi em Sampaio escreve direito por linhas tortas que, no caso de eleições antecipadas, se «o eleitorado ... desse a vitória a Ferro Rodrigues, isso teria sido um desastre nacional» sofri críticas acerbas de muitos dos que sempre se reviram nas opiniões de Ana Sá Lopes.
Hoje em dia, é fácil, para quem não tiver o cérebro obliterado por fósseis ideológicos (e estiver sóbrio, após a ressaca do período "inebriado"), constatar que tudo o que escrevi então estava certo e que a opção do PR, pecando embora por tardia, era aquela que, de longe, o faria correr menos riscos e seria a que conduziria a uma solução mais estável para o país.
Até a Ana Sá Lopes, descobriu isso, nas colunas do Público do sábado passado.
Transcrevo a seguir o artigo em questão:
Tempos Não Absolutamente Novos
Por Ana Sá Lopes
Sábado, 07 de Agosto de 2004
1
Jorge Sampaio fez bem em não convocar eleições antecipadas: a legitimidade política do Governo em funções era plena, a alternativa coisa difusa. O regime é assente em partidos e não em candidatos a primeiro-ministros e sustentar politicamente a teoria do "sai primeiro-ministro cai governo" é indiscutivelmente aproximar o regime do "personalismo" sul-americano.
2
Quando, nas últimas eleições, Durão Barroso apresentou a sua candidatura aos portugueses, o número dois do partido já era Santana Lopes, à conta de uma espécie de "tratado de Tordesilhas" assinado entre os velhos inimigos a bem da paz interna para a conquista do poder. Este "tratado" foi assinado porque Santana Lopes já detinha uma fatia importante de apoios dentro do PSD. Assim, estes tempos não são absolutamente novos: quem votou no PSD já estava a votar em Santana Lopes - estatutariamente, ele já era o putativo substituto do líder. Quem não quis ver não viu.
A esquerda, inebriada com a vitória eleitoral nas europeias, deu um pontapé excessivamente violento no regime institucional (que nunca seria posto em causa se em vez de Santana Lopes estivesse em causa Ernâni Lopes) e subestimou perigosamente a força de campanha de Pedro Santana Lopes e Paulo Portas. Santana Lopes é um primeiro-ministro trôpego, mas é também o mais eficaz homem de rua do país, desde que Mário Soares abandonou a praça. Essa eficácia, num momento em que a realização de umas eleições intercalares abria campo a uma espiral de vitimização da coligação PSD-CDS, aumentaria exponencialmente a probabilidade de Santana Lopes e Paulo Portas legitimarem, então, um governo para quatro anos.
3
O acerto da decisão de Jorge Sampaio revelou-se no momento seguinte ao seu anúncio: a demissão de Ferro Rodrigues foi a peça que faltava para a definitiva prova de que o PS não estava preparado para passar de pastoso partido da oposição a alternativa vencedora. Os argumentos da demissão não tinham consistência política que só se podia remotamente encontrar no facto de Ferro Rodrigues ter consciência de que, a prazo, perdia a liderança do PS. Seria sempre um partido instável aquele que se apresentaria ao eleitorado em caso de eventuais eleições antecipadas.
Cíclico, como os fogos de Verão e a chuva de Inverno, o pior do PS vem sempre ao de cima em vésperas de Congresso. A semana que passou foi exemplar, culminando na declaração do ex-ministro do Desporto José Lello, segundo a qual João Soares sofria de "insanidade mental". É possível que seja assim até Outubro - a história socialista regista embates fratricidas, de que é exemplar a disputa interna que opôs Jorge Sampaio a António Guterres (o facto de muitos dos apoiantes dos dois lados se reunirem hoje na candidatura de José Sócrates não deixa de ser um dado curioso sobre a evolução do pensamento humano).
4
Este PS que hoje se lê nos jornais não devia estar no poder. Precisa de tempo e de definir políticas. A dita ala esquerda - liderada por Manuel Alegre - apresenta-se para marcar território, mas não aspira ao poder. Nenhuma candidatura preparada para conquistar o poder se deixa protagonizar por um homem que não aspira ao poder, como Manuel Alegre.
João Soares quer efectivamente o poder, mas a chamada "correlação de forças" não lho vai dar. O PS do poder é o de José Sócrates - a questão é que já o era, mesmo antes de Jorge Sampaio decidir não convocar eleições antecipadas. E se as coisas são como são, é melhor para o PS fazer uma clarificação interna do que ter ido à doida para umas eleições sabe lá Deus como.
Afixado por: Joana (transcrição) em agosto 9, 2004 11:45 PMNão sei o que mais admirar; se a sua alegria por ter como parceira de opinião uma jornalista a quem tem dedicado alguns dos mais venenosos posts ou, a sua tristeza por ainda haver "indignados" com a decisão de Sampaio.
No que a mim diz respeito, pode estar certa que continuo a defender que o PR deveria ter convocado eleições e não estou - como Vc está e pelos vistos agora também ASLopes - preocupado com o tacticismo da liderança do PS.
As últimas 2 semanas deste governo mostram quanto a decisão do PR foi eligitima.
Comparar este gabinete de iniciativa presidencial a um qualquer Conselho de Administração acaba por ser uma crítica demasiada civilizada !
Agora que ASLopes está "rendida ao realismo político" , pode convidá-la para uns posts no seu blogue. Sempre dava uma ar mais centrista ao "semiramis"!
Afixado por: zippiz em agosto 10, 2004 12:31 AMILEGÍTIMA e não... eligitima !
Afixado por: zippiz em agosto 10, 2004 12:50 AMConfesso que nunca entendi a importância - reiterada - que dá à Ana Sá Lopes, mas comparar-se-lhe deste modo revela uma falta de imodéstia que só lhe fica mal...
Afixado por: incredulo em agosto 10, 2004 02:14 AMDeve ter dado uma coisinha má à Ana Sá Lopes!!
Afixado por: Coruja em agosto 10, 2004 12:06 PMzippiz em agosto 10, 2004 12:31 AM:
Eu não tenho «alegria por ter como parceira de opinião uma jornalista a quem tem dedicado alguns dos mais venenosos posts».
Rio-me a bandeiras despregadas com os zigue-zagues de uma «esquerda à esquerda» que vive na contradição entre os seus ícones, descoloridos pelo tempo, e a realidade de uma sociedade que não quer (ou não pode)compreender.
zippiz em agosto 10, 2004 12:31 AM:
E você, já escolheu entre insultar publicamente Ana Sá Lopes, de forma convincente e prolongada, ou vir aqui retractar-se do que me disse então e fazer um inequívoco acto de contrição?
Olhe que a ASL foi muito mais violenta e definitiva que eu!
Uma pergunta: você quer a esquerda «à esquerda» no poder por uma questão clubístico-ideológica ou acredita mesmo que a política distributiva dessa esquerda não leva o país à ruina e à necessidade de pagar depois custos elevadíssimos, de que os mais desfavorecidos serão sempre as principais vítimas?
Pense nisso e verá que eu tenho razão, embora possa doer aceitá-lo.
incredulo em agosto 10, 2004 02:14 AM
Boa pergunta! Mas sabe ... a minha falta de imodéstia é absoluta. Eu sei que me fica mal, mas não resisto.
Além do mais, Eu não Me comparei com ela, apenas comparei ela com ela própria (em momentos diferentes) e com os seus admiradores, e comparei o que ela escreveu agora com o que Eu (aprecie como estou a lutar denodadamente contra a minha falta de imodéstia) escrevi na altura.
E obrigada por ter aparecido
Afixado por: Joana em agosto 10, 2004 01:35 PMA Ana Sá Lopes também deu em reaças. Só faltava esta!
Afixado por: cisco Kid em agosto 10, 2004 08:14 PMO poder do capital tem muita força
Afixado por: Cisco Kid em agosto 10, 2004 08:15 PMA esquerda está «inebriada». Aos tombos.
Afixado por: casimiro em agosto 10, 2004 09:07 PM
à sua pergunta em :
Afixado por Joana em agosto 10, 2004 01:26 PM
a minha resposta está em :
Afixado por zippiz em agosto 10, 2004 12:31 AM
ps1: e veja se deixa de considerar Esquerda o social-democrata Sócrates.
zippiz em agosto 10, 2004 10:19 PM:
Nem era necessário avisar-me sobre o Sócrates. Para a esquerda iconólatra tudo o que seja, ou aparente ser, à sua direita, é de direita.
Mas não me respondeu à pergunta: você quer a esquerda «à esquerda» no poder por uma questão clubístico-ideológica ou acredita mesmo que a política distributiva dessa esquerda não leva o país à ruina e à necessidade de pagar depois custos elevadíssimos, de que os mais desfavorecidos serão sempre as principais vítimas?
(1)acredito mesmo que a política distributiva da Esquerda não leva o país à ruina e à necessidade de pagar depois custos elevadíssimos.
(2)no actual sistema os mais desfavorecidos serão sempre as principais vítimas***
*** vidé relatório sobre "as poupanças" que o socialcristão BFélix conseguiu no Rendimento Mínimo Garantido.
entretanto , Joana , entretanha-se com JPPereira...esse ganda esquerdista !
10.8.04
13:38 (JPP)
POBRE PAÍS - 3 - INTERESSE PÚBLICO
O “interesse público” tem as costas maiores que eu conheço. Tem a vantagem de não ter ninguém que o defina, logo servir para tudo.
Só que agora, eu sei bem o que é que era de interesse público: a divulgação dos nomes dos magistrados que desonram a sua função falando sob processos em que estão envolvidos, dos polícias que desonram a sua profissão revelando segredos profissionais, dos advogados que pisam a deontologia para promoverem os seus clientes. Sim. Esses é que era do interesse público sabermos quem são.
Só que a sacrossanta protecção das “fontes” o impede, apesar de ser difícil de comprovar que o anonimato que é protegido tenha alguma coisa a ver com qualquer “interesse público”. Estas pessoas não falaram aos jornalistas por amor da verdade ou para impedir um mal maior. Falaram porque são irresponsáveis e têm todos uma pequena agenda a promover.
Claro que o problema vem de cima, vem da cabeça, a tal que começa a apodrecer no peixe, gangrenando o corpo. Quando os principais responsáveis governamentais e da oposição, a maioria esmagadora dos grupos parlamentares e por aí adiante promovem a sua carreira com inconfidências e intrigas, é difícil esperar que actuem neste processo a não ser para se proteger a prazo, como “fontes”.
in abrupto
zippiz em agosto 10, 2004 10:50 PM:
Precisamos de fé. E você tem fé, zippiz. A mesma fé que reune centenas de milhares de pessoas em Fatima. A mesma que fez com que dezenas de milhares de portugueses comprassem acções das SAD's do Sporting, Benfica, Porto, etc.
Ana Sá Lopes é simplesmente burra.
Aquelas crónicas da vanessa estão ao nivel das redacções do menino Zézinho.
Pior que aquilo só o suplemento (acho que se chama XS)dirigido pela Laurinda não sei quantos.
Fez muito bem em se dimitir de não-sei-quê lá no Puúblico.
Olhe lá!!
Para comprar acções do benfica não é preciso fé.
É preciso ser benfiquista.
Palavra de um.
Ser benfiquista é ter fé no Benfica, independente de concordarmos ou não com a gestão do clube.
Ser partidária de determinadas opções económicas e sociais tem que ser algo racional e nunca pode ser matéria de fé.
Senão começa-se em ter fé ... depois esperança ... e acaba-se na ... caridade
Joana ,
fé deve ter B.Félix (um dos seus gúrus)como católico e benfiquista .
eu sou mais de ter "fé" em princípios e valores;
Joana é mais de ter fé na ... mão invisível e em ... Milton Friedman.
Na caridade ficaremos nós, se deixarmos fazer as políticas dos xuxas
Afixado por: Coruja em agosto 11, 2004 11:39 PMNa caridade ficaremos nós, se deixarmos fazer as políticas dos xuxas
Afixado por: Coruja em agosto 11, 2004 11:39 PMÉ-me difícil entender este alarido em torno de um escrito de uma senhora chamada Ana Sá Lopes.
Quem é a Ana Sá Lopes?
Quem é que diz que a Ana Sá Lopes é de esquerda?
Que bula papal recebeu esse alguém para catalogar as pessoas?
Quem é que diz que a opinião da Ana Sá Lopes exprime o pensamento «da esquerda»?
Quem é que diz que existe uma coisa chamada «a esquerda»?
Alguém passou a Ana Sá Lopes alguma procuração para falar em nome «da esquerda» (o que quer que isso seja)?
Quem é que diz que a Ana Sá Lopes não escreve asneiras?
Etc.
Cada um tem a opinião que tem e ela vale apenas pelo que é: uma opinião. A opinião até pode ser maioritária e nem por isso deixa de ser apenas uma opinião.
Ter opinião não significa ter razão.