Demonstrou-se, no capítulo precedente, que o episódio dos Reis Magos, vindos do oriente, orientados por uma estrela, não tinha poder explicativo na sua formulação tradicional.
A minha investigação, sempre escrupulosa, baseada numa hermenêutica rigorosa e numa heurística documental precisa, buscou um novo cenário, mais sustentável e inovador.
A primeira observação é a que a palavra rei não é indissociável da soberania de um Estado. É usada habitualmente para designar especialistas numa dada disciplina ou actividade, como por exemplo: Rei dos Livros (cujo território se cinge a um espaço exíguo na Baixa lisboeta; rei dos caloteiros (título de tal forma banalizado que permitiu a concessão da realeza a uma percentagem significativa da população portuguesa, e ao próprio Estado); o rei dos analistas políticos (J A Saraiva, na opinião dele próprio, ou Marcelo de Sousa, o Velhaco Genial, na opinião dos restantes); “o Rei” (Elvis Presley); etc..
Portanto, subtraí-me ao erro fatal de que foi vítima Mateus, na sua senectude, e todos os seus exegetas, inclusivamente Bach. Retenhamos esta primeira conclusão: rei é apenas uma pessoa com relevo numa determinada disciplina.
A segunda observação, também igualmente pertinente, resulta da resposta à pergunta: Porque é que aqueles veneráveis anciãos abandonaram as suas terras, o seu conforto familiar, obcecados por um sinal que interpretaram como uma estrela e seguiram esse sinal, léguas a fio, empoleirados em incómodas e enjoativas corcovas de camelos?
Diz-se que estavam obcecados por um sinal, pela luminosidade de uma estrela. Cinjamo-nos aos factos despidos da retórica: os “reis magos” tomaram uma sequência de decisões em face de sinais, ou de um sinal que ia variando no tempo.
Julgo que as mentes mais astutas, que me acompanharam nesta dedução rigorosa já se aperceberam que chegámos ao âmago da questão. A solução está ao virar da esquina ou, no caso em apreço, ao virar da duna. Qual é a actividade humana em que os seus especialistas tomam as decisões mais inexplicáveis, demandam os locais mais inverosímeis, têm as condutas mais excêntricas em face de sinais que só eles percepcionam e só eles julgam entender?
Quem são esses especialistas? Que sinais são aqueles que tanto os excitaram?
As respostas são doravante simples e elementares:
Quem são esses especialistas? – Economistas;
Que sinais são aqueles que tomaram como uma estrela? – Os sinais do mercado;
Porque levaram tantas preciosidades? Porque as decisões de investimento são tomadas em face dos sinais do mercado e, naquela época, em que a moeda escritural ainda não tinha curso, os cartões de crédito nem sequer miragens eram no deserto dos Nabateus, a forma de se andar prevenido para investir na altura precisa era trazer permanentemente à arreata uma cáfila de camelos ajoujados ao peso de um sólido carregamento de ouro, incenso e mirra.
Porque é que Mateus errou? Mateus, que tinha o apelido de Levi, era colector de impostos. É óbvio que ninguém confia num colector de impostos. Principalmente quando se transporta um carregamento de mercadorias preciosas, sem guias de transporte, sem referência ao IVA, na mais absoluta e delituosa evasão fiscal. A Mateus foi contada uma história da carochinha em que ele acreditou piamente, segundo o parecer que enviou aos publicanos (administração fiscal da época) e que depois foi incluído no seu evangelho. Já naquela época a administração fiscal se deixava embalar com balelas.
Os factos são claros e límpidos e não permitem outra explicação.
Que se passou depois? Aparentemente a Bolsa de Jerusalém teria encerrado com fortes perdas. O pessoal tinha-se endividado para comprar as prendas para festejar as Saturnalias e a bolsa estava sem liquidez. Herodes, o tetrarca, responsável pela gestão danosa que tinha levado a Bolsa à insolvência, os fariseus à ruína e os zelotas a vandalizarem a cidade, protestando contra a globalização, deu uma explicação esfarrapada aos “reis magos”, que acabaram num casebre de Belém, onde se desfizeram das mercadorias, desvalorizadas face ao crash da Bolsa de Jerusalém, trocadas ao desbarato por um suculento ensopado de borrego, acompanhado de leite de vaca ordenhado no momento.
Nunca mais tentaram interpretar sinais de mercado.
Este é o único cenário sustentável e com suficiente poder explicativo.
Humor, classe, cultura, enfim está bestial!
Estes dois escritos sobre o dia de Reis estão de facto muito bem esgalhados.
Afixado por: fred em janeiro 6, 2004 07:42 PMUma das coisas que mais me intriga nos escritos da autora deste blog é a diversidade dos temas e a forma como eles são abordados. Desde o tema mais sério ao mais brincalhão, desde a bordoada mais cáustica ao humor mais irreverente, eu sei lá. Mas sempre com uma forte componente cultural envolvente.
Estas duas história dos Reis Magos são de antologia. Muitos parabéns.
E um bom dia de Reis!
Uma historia gira para a Epifania. Diferente do usual. Fartei-me de rir com ambas
Duas historietas cheias de humor bem conseguido. É difícil comentar isto. Apenas dizer que gostei e tenho-me fartado de rir com alguns pormenores
Absolutamente fabuloso. Fabulosos, ambos
Estes 2 txtos são do melhor, mais imaginativo e mais bem escrito que tenho visto.
Isto é de antologia.
Cara Joana
Apurou-se !
Desde que a leio, este foi o texto melhor conseguido, talvez por ter deixado as suas opções políticas para trás.
De facto, tal como até os Marxistas sabem, desde que Marx defeniu e bem a chamada dialéctica, o mercado, os mercados, também fazem parte dela, são vivos, movem-se, transformam-se, invertem, alteram-se, segundo certas ideias "políticas" postas a circular... que são peças, que fazem parte desse enorme motor com grande "cavalagem/potência" que necessita obviamente de ser alimentado, constantemente !
parabens !
Gostei !
Muito bons estes dois escritos. Fartei-me de rir.
Afixado por: Dominó em janeiro 9, 2004 09:21 PMEstas 2 histórias são muito giras. Você tem muita imaginação e humor
Afixado por: Benquisto em janeiro 10, 2004 01:48 AMEstes reis magos economistas são uma delícia. Aliás, ambas as histórias estão muito boas e cheias de humor
.
Afixado por: Valente em janeiro 12, 2004 12:47 AME essa do Marcelo ser o Velhaco Genial!
Afixado por: Valente em janeiro 12, 2004 12:49 AMÉ a terceira vez que passo por aqui e leio estas histórias dos reis magos que acho muito bem observadas e muito bem escritas, principalmente esta. Encontro sempre motivos de interesse.
Parabéns
Esta história tem muita pinta. Você devia publicar isto noutro sítio para mais malta ler
Isto de facto está engraçado. No entanto, não estava à espera que uma rapariga tão nacionalista, tradicionalista, nobiliarca tivesse a ousadia de gozar com a santa religião católica apostólica romana. Qualquer dia está a gozar com a sagrada família e com os tremeliques do Papa. "Graças a Deus todas,
graças com Deus nenhumas."
Quem é que lhe disse que eu sou nacionalista, tradicionalista, nobiliarca?
Este texto (e o anterior, de que este é o corolário lógico) resulta apenas de uma investigação histórica realizada com a profundidade, rigor e isenção que qualquer estudioso deve pôr no seu trabalho.
Se acha que eu sou nacionalista, tradicionalista, nobiliarca, aprecie a minha isenção!!
Este texto está sensanionalérrimo! Não sei o que a autora é. A mim, pelo que vi, parece-me que dispara em várias direcções.
Afixado por: David em fevereiro 11, 2004 12:30 AMQuem disse????
Você.
Se ainda o não afirmou taxativamente já o disse implicitamente.
À mulher de César
Não basta ser.
Como já diziam uns filósofos esquerdista antigos (do tempo dos Reis Magos) aquilo que parece "É".
(ou pelo menos aquilo que "aparece".)
com os mais compridos cumprimentos
escreva sempre, desde que sejam artigos destes, onde investiga e usa a imaginação. Deixa-nos sem saber o que é uma coisa ou o que é a outra.
Mariotte jr.
Mariotte jr. – você tem razão, este cenário está muita bem escrito. Na brincadeira, mas muito bem observado. Já o li várias vezes e rio-me sempre. É um clássico do humor com bases.
Afixado por: vitapis em fevereiro 18, 2004 12:55 AME não apareceu nenhum movimento «Compromisso Judeia»?
Afixado por: Benquisto em fevereiro 29, 2004 01:21 PMEsse «Compromisso» seria para não vender as empresas aos romanos!
Afixado por: Benquisto em fevereiro 29, 2004 01:32 PMCoisa gira!
Afixado por: Biazinha em março 25, 2004 10:20 AMTá giro
Afixado por: odorico em abril 14, 2004 06:51 PMEnganei-me. A outra tá boa, esta é que é sensacional!!
Afixado por: Rodrigo em abril 21, 2004 12:58 PMSempre que passo no seu blog, leio outra vez isto.
Já deve ser a 30ª vez e cada vez acho mais piada
Papo giro
Afixado por: féfé em maio 20, 2004 03:53 PM