Foi anunciado ontem que a Líbia havia aceitado desmantelar o seu programa de armas químicas, biológicas e nucleares, cuja existência nunca tinha admitido. O anúncio foi feito por Tony Blair, primeiro, e George Bush, minutos depois, os quais revelaram que a Líbia também havia aceitado a realização de inspecções internacionais, imediatas e incondicionais, às suas instalações militares, as quais deverão agora de ser coordenadas com as organizações internacionais.
Além do programa de armas de destruição maciça — cuja dimensão não é conhecida —, a Líbia aceitaria igualmente destruir os seus mísseis de longo alcance, mantendo apenas os que tenham um raio de acção inferior a 300 quilómetros.
Aparentemente foram emissários de Kadhafi que, há cerca de 9 meses, haviam contactado os governos britânico e americano, comunicando-lhes a disponibilidade da Líbia para renunciar ao uso destas armas. O dossiê, cujo acordo foi ontem anunciado, começou então a ser negociado.
Nos meses que se seguiram, a Líbia forneceu informações detalhadas, sobre os seus arsenais, a peritos britânicos e norte-americanos. A Líbia admitiu que estava a trabalhar no desenvolvimento de uma bomba nuclear e que tinha em seu poder "quantidades significativas de um agente químico".
Muhammar Kadhafi deu o seu aval ao acordo tripartido, renunciando ao uso de todas as armas não convencionais e aceitando assinar os tratados internacionais sobre armamento nuclear, químico e biológico.
Esta notícia constitui uma enorme vitória para Bush e Blair e representa um poderoso argumento para a sua política “musculada” de lidar com estas questões.
De acordo com as declarações, os líbios começaram as negociações dias antes do desencadear do conflito iraquiano, quando já todo o dispositivo militar americano estava no Golfo Pérsico e não havia quaisquer dúvidas sobre o ataque da coligação anglo-americana ao Iraque de Saddam Hussein.
Portanto, é lógico deduzir que os líbios fizeram uma análise benefício-custo sobre a posse e o desenvolvimento das suas armas de destruição maciça e escolheram destruí-las, por considerem porventura que os custos da sua detenção poderiam revelar-se muito superiores aos seus benefícios.
Pondo a questão em termos de um jogo de soma não nula, a Líbia tinha 2 estratégias alternativas: manter o seu programa de armas maciças ou acabar com ele. Acabando com ele ganha respeitabilidade internacional e as perdas seriam mínimas, pois dificilmente a Líbia alguma vez poderia usar aquele armamento, em vista do risco de retaliação que corria.
Se continuasse com o programa, arriscava-se a que ele viesse a ser descoberto e a Líbia envolvida num conflito semelhante ao do Iraque. A política musculada de Bush fez com que esta estratégia possa ter um custo muito elevado. Kadhafi examinou a matriz pay-off com os novos dados emergentes da política de Bush face ao Iraque e concluiu que a estratégia que lhe minimizava os prejuízos (minimax) era confessar o seu próprio programa de armamento de destruição maciço e acabar com ele.
É o dilema do prisioneiro aplicado à política internacional: quando uma dada estratégia se começa a revelar como podendo comportar custos catastróficos, ela é abandonada, pois os ganhos previsionais, na eventualidade do adversário não a contestar, não compensam os custos insuportáveis, no caso do adversário a contestar.
A questão, na Teoria dos Jogos e na política internacional, é que o adversário esteja certo que há estratégias que comportam custos catastróficos.
Outra conclusão é a de que afinal sempre se descobriram armas de destruição maciça ... mas na Líbia.
Como hoje é dia de caça, poderemos dizer que Bush atirou a um coelho e acertou noutro ...
Kadaffi sempre deu provas de ser esperto. A começar pelo processo como chegou ao poder, comendo as papas na cabeça dos americanos.
A lógica do comentário está correcta, visto que o Kadaffi resolveu por as barbas de molho. Agora chamar «armas de destruição massiva» a umas coisas que estavam em vias de o ser parece um pouco exagerado.
Tenho cá o palpite que a verdadeira ameaça vem de outro lado. Já pensou que o Paquistão tem um verdadeiro arsenal nuclear e que é muito menos estável (para não dizer fiável) que a Líbia ou Iraque de Saddam?
Kadafy, depois do susto de 86 em que viu o seu território devassado por uns ataques cirúrgicos americanos, por causa dos incidentes dessa altura devidos às disputas sobre a soberania do Golfo de Syrte, e depois de na sequência desses ataques ter visto morrer um dos seus filhos, e após ter cedido sob grandes pressões nos acontecimentos relacionados com a queda do avião da PanAm, demonstra mais uma vez que para além de um ideólogo, é um sobrevuvente de cabeça mais fria do que Saddam, por exemplo.
Para além de nunca ter demonstrado aptências territoriais por outros países vizinhos, apesar de nuncar ter escondido as suas aptências por uma espécie de pan-arabismo à moda do Magrebe, e de ser um impulsionador (falta ver até que ponto conseguido) de uma União Africana funcional, passa agora a ser um "bom ditador" como Musharraf ou outros no passado (Marcos, Suharto, Pinochet, Mobutu ou Somoza).
Os bons ditadores são úteis porque para além de poderemn fazer escorrer as suas riquezs naturais para o ocidente (a Líbia tem petróleo), servem os interesse geo-estratégicos do ocidente.
O regime líbio tem a vantagem de servir de "cordão sanitário" contra a expansão do integrismo islâmico wahabita pelo Magrebe, e em conjunto com o pró-ocidentalíssimo Mubarak do Egipto, passam os EUA e a Europa a ter na outra margem do Mediterrâneo as coisas mais tranquilas, já que as autoridades argelinas parecem ter vindo a dar conta do recado em relação aos radicais do GIA.
Por isso, tudo, bem, descupem qualquer coisinha, passado para trás das costas, e aqui têm os EUA um novo aliado estratégico, tirado da manga, enquanto as coisas no Iraque não estabilizarem, e enquanto as desconfianças da Casa Branca sobre Rihad não abrandarem.
De caminho, Kadafi assegura o poder por mais uns anos.
Óptimo negócio para os dois lados.
Afixado por: Al_Mansour em dezembro 22, 2003 11:40 AMOlá Joana ! Venho só desejar-lhe um óptimo Natal e um Feliz Ano Novo. Sobre o blogue não vale a pena dizer nada, pois já lhe dei os parabéns anteriormente, está óptimo, você devia fazer um jornal online ! Aposte nisso que é capaz de ter sucesso. Feliz Natal !
Afixado por: Palitinho em dezembro 22, 2003 02:00 PMParabéns à administração Bush .
Não encontraram as ADM no Iraque mas têm a terminação !
Só podia! O Bush enganou-se na guerra. É continuar a tentar que há-de acertar! Pode é acertar tarde de mais!
Afixado por: Placard em dezembro 22, 2003 11:41 PMPalitinho, Bom Natal igualmente e obrigada pela lembrança
Afixado por: Joana em dezembro 23, 2003 08:28 AMAl-Mansur (em português Almançor):
Quanto a apetites territoriais, é bom não esquecer que durante muitos anos a Líbia manteve ocupada uma extensa´área no norte do Chade.
Não sei se teria alguns direitos remanescentes da era colonial, mas o certo é que aconteceu.