O Samuel era um comerciante judeu, probo, de cabedais sólidos, bem conceituado na praça.
Um dia, de manhã cedo, a caminho da sua loja, o seu olhar caiu casualmente num anel que refulgia, abandonado à sua sorte, no empedrado da calçada. Circunvagou prudentemente o olhar, a ver se algum transeunte o estaria a observar, ou pudesse ser o dono daquela preciosidade e, em face da rua deserta àquela hora tão matinal, baixou-se, apanhou o anel e guardou-o.
Ao fim da tarde, quando descia os taipais e se aprestava para regressar a casa, deu de caras com o Isaac, um outro abastado judeu que tinha uma loja ao lado, e não pôde deixar de lhe dizer:
- Encontrei este anel. É belíssimo e vou oferecê-lo à Rebeca (o Samuel, para além de honesto comerciante, era um marido amantíssimo)
O Isaac observou o anel e inquiriu:
- Sabes, eu ando há semanas para oferecer qualquer coisa à Ruth (o Isaac, para além de honesto comerciante, era também um marido amantíssimo). Compro-te o anel por 200€.
A oferta era tentadora. Afinal era um anel encontrado ao acaso do trânsito. O Samuel aceitou e vendeu o anel.
Quando chegou a casa, contou a história à Rebeca, sem referir obviamente a sua intenção inicial de lhe oferecer o anel (mesmo nos melhores casamentos é imprudente contar-se tudo ao cônjuge). Enalteceu apenas o negócio que fizera. Mas a Rebeca, perspicaz, contrapôs:
- O Isaac é um negociante muito vivo e deve ter-te enganado. Esse anel vale certamente muito mais. Tu devias reavê-lo.
O Samuel nem dormiu com a tranquilidade habitual. Assim que de manhãzinha chegou à loja, foi ter com o Isaac e propôs-se comprar-lhe o anel. Falou no desgosto da Rebeca, na iminência de um processo de divórcio, etc.. O Isaac regateou, mas acabaram por se entenderem e a transacção fez-se por 250€.
Quando chegou a casa o Isaac disse para a Ruth:
- Hoje ganhei 50€. Revendi o anel ao Samuel.
Mas a Ruth, que também era perspicaz, retorquiu:
- O Samuel enganou-te. Há qualquer coisa com o anel. Esse anel vale certamente mais. Tens que reavê-lo.
Essa noite foi a vez do Isaac ficar com insónias. No dia seguinte novo regateio e nova transacção. O Isaac comprou o anel por 300€.
Não contava porém com a Rebeca. Nessa noite a Rebeca encheu os ouvidos do Samuel sobre a evidência do negócio chorudo que o Isaac fizera.
No dia seguinte, nova transacção: O Samuel comprou o anel ao Isaac por 350€.
E as desconfianças continuaram e as transacções prosseguiram:
No 5º dia o Isaac comprou o anel ao Samuel por 400€.
No 6º dia o Samuel comprou o anel ao Isaac por 450€.
No 7º dia o Isaac comprou o anel ao Samuel por 500€.
No 8º dia o Samuel comprou o anel ao Isaac por 550€.
E todos os dias um deles saía feliz da transacção com um ganho de 50€, até que o debate com a respectiva mulher lhe fazia ver que poderia ganhar mais ainda.
Estas transacções prosseguiram, até que, no enésimo dia, quem era então o detentor do anel, perdeu-o. Ainda hoje não sabe como tal infortúnio lhe pôde ter acontecido.
Nesse dia, como de costume, o outro comerciante veio ter com ele e, resolutamente, propôs-se comprar o anel outra vez. Fez-se um silêncio de chumbo. O que tinha perdido o anel balbuciou, entre dentes:
- Sabes ... perdi-o
O outro ficou desesperado, e revoltado, gesticulando ameaçadoramente, invectivou-o:
- Como? Perdeste o anel? Tu perdeste o nosso ganha pão?!
E ambos se abraçaram comovidos. Tinha sido um rude golpe comercial. Todos os dias, alternadamente o Samuel e o Isaac, um deles ganhava 50€. Era um ganho seguro e sólido, e a desventura do destino tinha-lhes retirado essa fonte de rendimento.
Joana,
Meu verdadeiro nome é... Anel!
Partindo do princípio de que não se chama nem Rebeca nem Ruth, que me diz à proposta de fundarmos um país?
Poder-se-ia chamar Israel, por exemplo...
Ou Portugal...
Ãhhh?? Já existem?
Ok...
Que tal Semiramis?
Shalom!
Afixado por: re-tombola em dezembro 20, 2003 06:19 AMEle há dias em que tudo parece conspirar para que corram mal. Eles, oportunistas, correm o pior que podem.
Então porque é que quase às seis e meia da manhã, antes de nos irmos deitar, com os olhos escorados a palitos, nos invade uma incongruente vontade de abraçar alguém?
...quase inaudível, uma aragem através das araucárias intenta citar-me Cecília...
Já entendeu porque é que este povo vagueou 40 anos pelo deserto?
Não?... então dou-lhe a resposta:
No primeiro mês de caminho ouve um que gritou que tinha perdido um anel.
Um abração do
Zecatelhado
Acordei com a sensação de que havia escrito alguma coisa deslocada do contexto.
Após reler fico a perguntar-me se não fui apenas o psicógrafo do pensamento.
Já me aconteceu antes.
Marapião em dezembro 20, 2003 06:42 AM
A "nite" aviva-lhe o estro para a poesia lírica e saudosista?
Afixado por: Joana em dezembro 22, 2003 12:32 AMre-tombola em dezembro 20, 2003 06:19 AM
Você está a ensaiar a Turandot ... na Semiramis?
Semiramis é uma rainha assíria maltratada pela lenda, pela Bíblia, pelo Rossini e, agora, ... por mim ...
Era bom fundarmos um país de gente sensata, competente, industriosa ... perfeita.
Infelizmente todos os que o tentaram foram mal sucedidos.
Temos que viver com o que temos ...
Peço desculpa por só agora responder mas, quase sempre, passo os fds em ZLG (Zonas Livres da Globalização)
Zecatelhado em dezembro 20, 2003 03:54 PM
Provavelmente você acabou de descobrir as razões ocultas do Êxodo, Levítico e de vários outros livros da Bíblia!
Afixado por: Joana em dezembro 22, 2003 12:33 AM
A "nite" aviva-lhe o estro...?
Desde que me lembro, sempre me tratou bem.
Quando o vivo se acalma, o cachorro e as crianças, o telefone...
Aí verifico os caninos, sacudo o pó da mortalha e saio voando, normalmente com o círculo lunar como fundo.
Mas nem só nas noites de Lua Cheia.
E nem sempre...
...mas diria que cio criativo acontece melhor aí, sim.
P.S. A sua estória está muito bem esgalhada.
Sem ofensa nem segundo sentido: criou-a ou compô-la?
Marapião em dezembro 22, 2003 03:32 AM
A ideia geral li-a algures, numa nota de rodapé de um livro de economia, quando andava a estudar. Não faço a mínima ideia qual foi nem o livro, nem o autor.
Foi sobre essa ideia que eu compus o texto.
A ideia geral li-a algures, numa nota de rodapé de um livro de economia, quando andava a estudar. Não faço a mínima ideia qual foi nem o livro, nem o autor.
Foi sobre essa ideia que eu compus o texto.
E compôs bem. Está óptimo.
Será impressão minha ou flutua um certo espírito sazonal nos comentários?
Anda (quase) tudo tão calmo no trato e a tratar...
Ainda bem que nem os ateus querem ir para o inferno...
Para o caso de não nos encontrarmos antes, entrego já os habituais votos da estação.
Cheguei aqui por acaso e ainda não faço muita idéia de onde estou. Achei a estória bárbara e gostaria de publicar no meu blog dentro de alguns dias, claro que com a devida referência. Por favor se fizeres alguma objeção me informe por e-mail.
Grato! F
Fernando:
Achei deliciosa a forma como você descobriu o meu blog.
Veja lá o que se ganha ao colocar a frase "fazer dinheiro"!! O dinheiro tem muita força!
Pode publicar aquela história no seu blog. Agradecia apenas a gentileza de indicar o local:
http://semiramis.weblog.com.pt
onde colheu a informação. Um poucochino de publicidade não faz mal!
Se quiser “trocar” de links, eu coloco o seu na minha lista e você faz o mesmo no seu blog. Vale?
Concordo que a palavra "dinheiro" tenha poder. Mas gostaria de fazer um adendo. Encontrei este blog quando busquei no Google a frase "Como fazer dinheiro". Estou estudando tudo o que posso (estagio em um banco)sobre o assunto e me toca a estrutura da frase, de origem inglesa, "Fazer dinheiro", ao contrário da nossa, portuguesa e católica "ganhar dinheiro", diametralmente oposta em intenção. O povo do norte, industrioso e trabalhador, pensa em como gerar, fabricar, fazer a riqueza; já a maioria de nossos conterrâneos, apenas em "ganhar" através de "fézinhas" no bicho ou qualquer loteria da hora, ou por graça Divina. Precisamos de gente com ambição para povoar o Brasil, por isso vou voltar ao google e procurar mais um pouco.
P.S. Bem frequentado o seu blogh.