Numa economia de mercado, os valores dos arrendamentos urbanos deveriam ser estabelecidos pelo equilíbrio da oferta e da procura no mercado imobiliário. Pelo encontro entre o valor que o proprietário acha justo pelo espaço que disponibiliza e o valor que a entidade arrendatária ou o mercado em geral estão dispostos a pagar pela sua utilização.
Isto é válido para um arrendamento habitacional ou comercial.
No nosso país, durante o Estado Novo, regulamentou-se o congelamento de rendas em Lisboa e Porto. Como durante o regime salazarista a inflação foi praticamente inexistente, essa regulamentação, feita com o intuito de obviar a especulação imobiliária perante uma oferta reduzida, não conduziu inicialmente a grandes distorções do mercado. Contudo, com o aumento da inflação, iniciado no período marcelista e tornado galopante após o 25 de Abril, e com a extensão desse congelamento de rendas ao resto do país as rendas tornaram-se irrisórias, mesmo depois de ser permitida uma tímida actualização anual, a partir de meados da década de 80.
Todo este processo, feito com as melhores das intenções de justiça social e de protecção à habitação, teve um efeito absolutamente perverso: a degradação do parque habitacional, a ruína dos centros históricos de Lisboa e Porto e, em menor grau, das restantes cidades do país, a inexistência de um mercado de arrendamento eficiente, a opção pela aquisição de casa própria e o endividamento exponencial das famílias para o conseguirem.
O próprio Estado, o arquitecto da lei e responsável pela sua manutenção, ficou na impossibilidade prática de uma reforma fiscal adequada do património. Senhorios dos prédios antigos, recebendo rendas de miséria, descapitalizados, nunca poderão pagar impostos patrimoniais baseados num critério geral para todo o país. A perversão do mercado do arrendamento conduziu a miríades de situações, quer dos senhorios, quer dos inquilinos, todas diferentes, relativamente às quais não é possível estabelecer leis genéricas sob risco da ruína de dezenas de milhares de pessoas, senhorios, ou inquilinos, ou ambos.
E o mais perverso é que não foram só as rendas habitacionais que escaparam às regras do mercado. As rendas comerciais foram tratadas da mesma forma. Ora se face à habitação se pode falar de uma necessidade básica, de uma acção de filantropia social que, não tendo o Estado meios para a fazer, encarregava os senhorios, contra vontade destes, de a fazerem, no caso das rendas comerciais, estas são um factor de produção. Não há qualquer filantropia. O seu congelamento equivaleu a um subsídio que os senhorios portugueses, ao longo de décadas, deram, contrariados, à actividade comercial: lojas, escritórios, etc.. Ora uma política cega de subsídios retira incentivos à modernização. O comércio dos centros históricos foi perdendo qualidade relativa, cristalizou, e tem perdido mercado face ao comércio menos central e com maior mobilidade e aos grandes espaços. A degradação da qualidade da actividade comercial nos centros históricos tem igualmente concorrido para a ruína destes e para a sua desertificação.
Ora aqui está como a regulamentação do mercado, estabelecendo preços que não correspondem aos equilíbrios que se formariam pelo seu funcionamento normal, e a manutenção dessa situação ao longo de décadas, conduziu à ruína dos centros históricos das cidades, à derrocada dos prédios antigos, ao excessivo endividamento das famílias, à impossibilidade prática de uma reforma fiscal moderna do património e à absoluta injustiça social, onde as gerações mais antigas têm casas de rendas irrisórias, enquanto os mais novos têm um ónus terrível em despesas de habitação; onde os senhorios dos prédios antigos estão descapitalizados, sem capacidade de intervirem na reabilitação dos seus prédios e à mercê de qualquer intempérie que lhes pode causar prejuízos que eles não têm capacidade de suportar, enquanto os senhorios de áreas mais recentes têm rendimentos incomparavelmente superiores, com custos muito menores e com uma punção fiscal proporcionalmente mais benévola.
Adam Smith (sempre ele!) escreveu há quase dois séculos e meio que os agentes económicos, funcionando em mercado livre, “ao tentarem satisfazer o seu próprio interesse promovem, frequentemente, de uma maneira mais eficaz, o interesse da sociedade, do que quando realmente o pretendem fazer. Nunca vi nada de bom, feito por aqueles que se dedicaram ao comércio pelo bem público”. Esta frase é lapidar: aqueles que tentaram, julgando servir o bem público, constranger ou impedir, o livre funcionamento do mercado, criaram situações de muito maior injustiça social e muito mais ineficientes e dispendiosas para o bem público e para toda a comunidade em geral, do que não o tivessem feito.
Publicado por Joana em novembro 14, 2003 08:01 PM | TrackBackEste texto é muito pertinente e define com clareza a actual situação do parque habitacional em Portugal e das razões do seu estado
Afixado por: J Correia em novembro 18, 2003 01:44 PMEste texto é muito pertinente e define com clareza a actual situação do parque habitacional em Portugal e das razões do seu estado
Afixado por: J Correia em novembro 18, 2003 01:45 PMJoana,
Posso pedir-lhe que dê uma vista de olhos ao texto intitulado "A Influência dos Bancos" que escrevi no meu blog?
http://observador.weblog.com.pt
Depois dê-me a sua opinião, sff.
Ela interessa-me.
Obrigado
Afixado por: André em novembro 21, 2003 04:39 PMSó para memória futura, arquivo aqui o comentário que fiz no jovem blog do André, a quem desejo as maiores felicidades:
André Abrantes Amaral
Eu concordo com o que escreve no seu artigo, excepto numa coisa: os bancos não são, como parece sugerir o seu texto, os culpados, directos ou indirectos, da lei do arrendamento urbano ou da sua manutenção. É inegável que têm ganho com isso, mas também ganhariam se os fluxos financeiros, canalizados actualmente para compra de casa própria, fossem parcialmente desviados para outras aplicações.
A lei do arrendamento urbano mantém-se por causa da cobardia de toda a classe política. Todos reconhecem em privado que tem que mudar, mesmo destacados dirigentes do PCP (refiro-me, por exemplo, a vereadores CDU da CML, que conheço pessoalmente), mas em público, e quando estão no poder, não têm coragem para o fazerem.
A situação mais ridícula, que assinalei no meu texto, é a do arrendamento comercial. Mas também aqui é um caso de cobardia política face ao lobby da Confederação do Comércio.
Note que as Câmaras já não permitem, há alguns anos, que nos centros históricos casas de habitação mudem de afectação. Não é permitida a celebração de contratos de arrendamento com mudança de utilização de habitação para outros fins.
Queria felicitá-lo pelo seu blog. A intervenção na net está extremada: muito radicalismo de esquerda e algum radicalismo de direita. Análises ponderadas e que dissequem a realidade no que ela tem de complexo, em vez de ajustar factos reais ou falseados às respectivas concepções ideológicas são sempre bem vindas.
Mas são os independentes os mais atacados. Se você ler o meu blog, que comecei a 7 de Outubro de 2003, mas onde arquivei textos que tinha escrito para o Expresso online desde fins de 2002, verá que nada fará pensar que eu seja de direita.
Porém, assim que se soube no Expresso online da existência do meu blog, choveram insultos o mais obscenos que possa imaginar. Eu apaguei perto de 1.000 e o Paulo (do Weblog) apagou numa noite mais de 1.500! Foi por isso que foi rapidamente implementada a Blacklist.
No fórum da weblog discutiu-se isto, imagine! Veja:
http://weblog.com.pt/forum/index.php?action=vthread&forum=4&topic=75
A independência tem um preço caro, principalmente perante aqueles que julgam deterem as verdades absolutas. Os piores são os fãs da alegada “democracia participativa” que têm um absoluto desprezo pelas opiniões dos outros. Não vandalizam apenas as lojas e o mobiliário urbano das cidades onde se manifestam, vandalizam tudo o que odeiam.
Quando se debruça sobre a nova lei de tributação do património. Aquilo vai ser um caos!
Está a ser já. As Repartições de Finanças estão apinhadas de gente que não é capaz de preencher os papéis.
Fora os que não sabem de nada
Joana,
Aconselho o artigo "Why Rent Control is Immoral":
http://www.capmag.com/article.asp?ID=2971
(via Intermitente: http://intermitente.blogspot.com)
Parabéns pelo blog (já está nos "Favorites")!
BZ
VAI TOMAR NO SEUS CÚ QUE EU TENHO MAIS O Q FAZER
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Por imposição do Estado, sou obrigado a manter arrendado o meu património imobiliário.
Poderá o Estado, para a nova lei do arrendamento, prever a vontade do senhorio terminar o arrendamento sem aquelas ambiguidades que encontramos no RAU ?
Por exemplo, dar oito dias para o inquilino deixar a propriedade.
isto de empresas familiares não registadas que gerem para cima de 50 casas para arrendamento e que se mantêm na situação de herdeiros, podendo desta forma não declarar no irs as respectivas rendas porque não se sabe a qual elemento da familia pertencem as casas. Isto deve ser investigado!
Afixado por: alves em agosto 17, 2004 04:51 PMMeu amigo com toda a isenção, alerto-o para o seguinte: a meu ver todo aquele proprietário que não deseja fazer obras nos centros históricos e prefere a ruina das casas para poder construir em vez de recuperar, deveria ficar sujeito a uma Lei que o obrigasse a vender o imóvel ao inquilino que deseje recuperá-lo contribuindo assim para uma melhoria do parque habitacional.
Afixado por: Alves em agosto 17, 2004 05:03 PMOutra situação; as obras feitas por imposição administrativa são feitas conforme a vontade do senhorio, pois ele procede como entende sem quaisqer fiscalização quer durante quer no final das obras. Dou exemplo; o orçamento é alto as obras deficitárias ( cosmética ) a renda estica de 15 euros para 250 euros, o inquilino é reformado com a pensão minima, quanto a subsidio de renda não existe informação o que quer dizer que o inquilino é obrigado e vitima de acção de despejo. Para futuramente salvaguardar o seu bem estar deveria denunciar estas situações que se encontram de um lado para si invisivel. Com todo o respeito!
Afixado por: Alves em agosto 17, 2004 05:22 PM