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agosto 17, 2004

Uma Questão de Choques

A religião é o ópio do povo ... a iconolatria ideológica é o ópio dos intelectuais

João Dias escreveu um longo panegírico, ontem, no Público, sobre o Plano Tecnológico de José Sócrates (Choque fiscal “versus” choque tecnológico). É um texto com que na generalidade estou de acordo. Aliás, há dias escrevi aqui que o Plano Tecnológico de Sócrates tinha uma virtude: dizia coisas sobre as quais estamos todos de acordo, excepto algumas franjas minoritárias da nossa sociedade. Falhava onde nós sempre falhámos: não explicava como é possível concretizar o plano.

Ora o texto de João Dias, embora seja mais elaborado do que o Plano do Sócrates, pelo menos a versão que apareceu na imprensa, enferma do mesmo vício. O exemplo da Finlândia, que aponta, é conhecido e é um caso de sucesso. Todavia, para o reeditar em Portugal torna-se necessária a reforma total da administração pública e, principalmente, do sistema educativo. E Sócrates está disposto a arrostar com os interesses corporativos instalados, nomeadamente os sindicatos?

Mas a reforma não passa apenas pelos corpos docentes. A questão é que na Finlândia, os professores, os alunos e os pais destes levam as coisas a sério. Em Portugal todos aqueles segmentos sociais gastam as suas energias a arranjarem álibis para se subtraírem às chatices.

Em 4 de Junho escrevi aqui, em Novos Rumos para a Escola que, segundo um estudo da Organização Mundial de Saúde, abrangendo 37 países e entre eles o nosso, os adolescentes portugueses estão, no que respeita à aprendizagem, entre os que mais se sentem pressionados pelo trabalho na escola e os que mais acreditam que os professores não os consideram capazes. Simultaneamente Portugal aparece no grupo dos seis países onde mais adolescentes dizem gostar muito da escola e são os que mais acham que os colegas são simpáticos.

Este estudo prova, como escreveu Fátima Bonifácio anteontem no Público (Mais Dinheiro para a Educação?), que os trabalhos escolares «são vistos, pelos alunos e por muitos pais, como um fardo cruel para crianças e adolescentes» ... e ... «trabalhar é a última das prioridades para adolescentes confrontados com mil e uma solicitações divertidas que os distraem das suas obrigações, a que não dão importância». A escola apenas serve para espaço lúdico. Esforços mentais provocam um stress desnecessário às crianças e são de evitar.

Portanto acabam todos, funcionários do ministério, professores, alunos e pais, por confluir no mesmo: diminuir, sempre e cada vez mais, os níveis de exigência.

João Dias ao falar na aposta das tecnologias da informação como um desígnio nacional está a pôr o carro à frente dos bois. Devia começar por explicar como se consegue pôr o nosso sistema educativo a funcionar para possibilitar ganhar a seguir a aposta das tecnologias da informação. Na minha opinião tal reforma dificilmente será possível sem um pacto de regime que envolva os dois maiores partidos portugueses, que tenha a duração necessária para que surta efeito e que não seja objecto de chicana por um desses partidos quando na oposição, ou de desvirtuamento pelo outro, quando estiver no governo. Mas para isso seria preciso estarem ambos de acordo sobre um modelo viável e há muitos interesses corporativos que agiriam por dentro dos partidos no sentido de minarem qualquer tentativa de acordo ou tornar o modelo acordado sem efeitos operacionais.

Onde João Dias erra é na oposição que estabelece entre choque fiscal e choque tecnológico. Não se opõem, antes podem ser complementares: se houver incentivos às empresas estas investem e entre esses investimentos haverá sempre uma parcela que é utilizada no aumento da qualificação dos seus efectivos. Certamente que João Dias não pensa que o choque tecnológico é apenas promovido pelo Estado. Em todos os casos de sucesso, parte importante da requalificação da mão de obra passou sempre pela acção das empresas.

Portanto, os incentivos às empresas são necessários. O que eu duvido é que, de facto, a diminuição da taxa de IRC seja o incentivo mais importante. O mais importante continua a ser a reforma da administração pública: desburocratizar os seus procedimentos e tornar, por exemplo, a justiça rápida e eficiente. A actual lentidão e fragilidade de competência da justiça portuguesa protege objectivamente os vigaristas e os que agem de má fé. As empresas que interessam à nossa economia não podem estar à mercê de incumprimentos contratuais que demoram anos ou décadas a serem resolvidos pelos tribunais, quando não prescrevem. Ou estarem à espera que o Estado, os seus institutos e as autarquias demorem 6 meses, um ano ou mais, a pagarem as facturas.

A argúcia dos nossos políticos resume-se, face à dificuldade de fazerem reformas a sério, à implementação do ditado «quem não tem cão, caça com gato». Não resolvem a questão ciclópica da administração pública e, para distrair, prometem o rebuçado do choque fiscal. Mas isso também será o que Sócrates irá enfrentar se chegar a primeiro ministro. Será ele capaz de resolver? Pelas banalidades que tenho lido ... duvido.

Mas, que fique bem claro: Sócrates diz banalidades, porque não explica a concretização das suas propostas ... mas fala sobre factos, sobre o país real. Posso achar que ele está a pôr o carro à frente dos bois, mas ele sabe que existem o carro e os bois e está preocupado como os há-de atrelar. Manuel Alegre só fala de ícones: a «alma da esquerda», «refazer a esquerda», «lutar por convicções de esquerda e não piscar o olho ao centro», «é necessária a convergência à esquerda nesta época globalizante», «combate e construção de alternativas às opções neo-liberais», etc., etc.. Há apenas ícones ideológicos no seu discurso e nos discursos dos seus apoiantes. Não há nada de substantivo. Há apenas rezas aos sacralizados ícones ideológicos.

O problema da esquerda que se reclama de ter «alma» é que não tem qualquer ideia viável sobre a governação e a gestão económica do país. E ícones ideológicos só servem para entreter a devoção dos intelectuais.

A religião é o ópio do povo ... a iconolatria ideológica é o ópio dos intelectuais.

Publicado por Joana às agosto 17, 2004 03:07 PM

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Comentários

...«a iconolatria ideológica é o ópio dos intelectuais»...

Até nem me custa aceitar isso a propósito do poeta Alegre, mas... «dos intelectuais»?!
Digamos que, pelo menos, é um bocadinho exagerado.
Além disso, quem ler Joana até pode pensar que ela é uma operária têxtil...

# : - ))

Publicado por: (M)arca Amarela às agosto 17, 2004 05:13 PM

Obrigado, Comandante Guellas

Vieste dar novo alento à Maioria Silenciosa de Direita, que tem estado adormecida.

Precisamos de mais www.blocodireitaweblog.com!


Obrigado Comandante Guellas!


1ºCabo Bigas

Publicado por: Bigas às agosto 17, 2004 06:18 PM

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1ºCabo Bigas

Publicado por: Bigas às agosto 17, 2004 06:24 PM

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1ºCabo Bigas

Publicado por: Bigas às agosto 17, 2004 06:24 PM

Os apoiantes do Alegre parecem um asilo da 3ª Idade

Publicado por: Coruja às agosto 17, 2004 09:04 PM

(M)arca Amarela em agosto 17, 2004 05:13 PM:
A religião é o ópio do povo ... mas só parte do povo toma o ópio e reza às imagens sagrdas.

A iconolatria ideológica é o ópio dos intelectuais ... mas só alguns tomam parte nas rezas aos seus venerados ícones ideológicos. Alguns são iconoclastas e não ficam dependentes da iconolatria ideológica.

Publicado por: Joana às agosto 17, 2004 09:24 PM

Há muita verdade no escrito da Joana. Apontar os defeitos está ao alcance de qualquer pessoa sensata. Conseguir resolvê-los é que se torna difícil ou mesmo impossível

Publicado por: David às agosto 18, 2004 02:49 PM

Os nossos politicos nao teem autoridade. Na Alemanha os sociais-democratas teem uma politica mais consistente que os socialistas portugueses que estao agarrados a dogmas

Publicado por: Filipa Zeitzler às agosto 20, 2004 04:18 PM

Filipa Zeitzler em agosto 20, 2004 04:18 PM:
Você tem toda a razão. Os socialistas alemães estão mais "à direita" que a "direita" portuguesa.

Publicado por: Valente às agosto 28, 2004 12:34 AM

Os pseudo-intelectuais portugueses vivem muito de chavões "progressistas". É a ditadura da palavra.

Publicado por: David às agosto 29, 2004 03:03 PM

Esta gaja é a Maioria Silenciosa

Publicado por: Cisco Kid às setembro 6, 2004 01:24 AM

Cisco, você não tem emenda

Publicado por: Grotius às setembro 6, 2004 08:53 AM

.

Publicado por: virtual às fevereiro 20, 2005 06:00 PM

m***

Publicado por: nick às fevereiro 27, 2005 11:58 AM

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