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maio 31, 2004

Fouché Bonapartista

À frente da polícia, Fouché estava numa posição privilegiada no duelo entre o Directório e Bonaparte, então no Egipto. Instalando uma sofisticada organização policial e de delação, corrompendo tudo e todos (entre eles Josefina), Fouché sabe mais que todos os comparsas deste drama. Sabe por exemplo que Bonaparte está a caminho de França, enquanto o Directório está tranquilo pois julga-o lá longe a contemplar as pirâmides.

Como ministro da polícia do Directório, Fouché deixou de ser o homem de Barras, para passar a ser o homem de ... Fouché. Barras já não interessava, pois Barras negociava com Luís XVIII a restauração da monarquia. Ora para Fouché, um regicida, este seria o cenário a evitar. A carta de Bonaparte, general que ambicionava o poder, era de longe mais interessante.

Assim, depois da chegada de Bonaparte a Paris, sabe que se prepara um golpe de estado, mas não diz nada. Três meses depois de ter sido nomeado sob proposta de Barras, Fouché trai Barras, pois verifica que os trunfos estão agora do lado de Bonaparte. Faz malograr as negociações de Barras com Luís XVIII, prendendo os agentes monárquicos que tinham os fios da meada e facilita a conspiração bonapartista, embora sem tomar parte nela. Dias antes do 18 de Brumário (9-11-1799) dá uma recepção em sua casa. Quando os convivas se encontram apercebem-se que apenas estão presentes todos os principais conspiradores e ... o presidente do Directório, Gohier (!?) contra o qual era dirigida a conspiração.

No 18 de Brumário, Fouché controlou sempre a situação. A situação do próprio Fouché, porquanto o nervosismo e as hesitações da “camarilha” de Bonaparte e a incompetência e a tibieza do Directório e dos corpos legislativas mantiveram durante horas as dúvidas sobre para que lado se inclinaria o poder.

Foi Fouché que se encarregou, logo que se desenhou quem seria o vencedor, de elaborar proclamações para a imprensa que davam uma visão completamente distorcida do que havia acontecido, redigidos de forma a evitar que se pusesse em dúvida a legalidade do que afinal não passava de um golpe de estado cesarista.

A primeira acção de Bonaparte, como 1º Cônsul foi a invasão da Itália, para eliminar o dispositivo militar austríaco. A batalha de Marengo selou o triunfo dos exércitos da República. É conhecido o seu desenlace – considerada perdida, tornou-se, horas depois, num triunfo total. Não foi apenas o Barão Scarpia da “Tosca” que recebe a informação da vitória de Melas, no 1º acto, e da sua completa derrota, no 2º acto. A Paris também chegaram essas 2 informações opostas: quando chegou a notícia da derrota de Bonaparte, Carnot e outros dirigentes trataram logo da “herança” do 1º Cônsul. Fouché não se comprometeu, mas também não se opôs. No dia seguinte soube-se da vitória. Carnot foi despedido e Fouché manteve-se, mas sem a confiança de Bonaparte

No natal de 1800, um ano depois do 18 de Brumário, há um atentado contra Bonaparte, de que este escapa ileso, mas que vitima dezenas de pessoas. Bonaparte julga que foram os jacobinos e acusa, encolerizado, Fouché, antigo jacobino, enquanto este mantém que foram os monárquicos. Ao fim de 2 semanas, durante as quais a sua posição esteve periclitante, Fouché tem a sua vitória “à Marengo” – afinal confirmou-se que os autores eram os monárquicos, chefiados por Cadoudal e subvencionados pelos ingleses.

Todavia, insatisfeito por Fouché não aplanar o caminho para a monarquia, Bonaparte demite-o de ministro, mas de forma rebuscada – o ministério é suprimido e Fouché torna-se senador. Mas Bonaparte precisa de Fouché e, 2 anos depois, este volta a ser o ministro da polícia. A imperícia dos sucessores de Fouché foi suficiente para fazer dele um personagem imprescindível. Durante esses 2 anos foram cometidos diversos erros políticos: a ruptura com o general Moreau, o rapto e a execução do Duque de Enghien, etc. Balzac, que deu de Fouché uma imagem odiosa, sugere que este teria pressionado aquela acção. Não acredito. Aliás, Fouché declararia, numa frase cínica, que a execução do Duque de Enghien «foi pior que um crime, foi um erro».

Aqui revela-se outro traço do carácter de Fouché: ele nunca foi servidor de alguém e ainda menos o lacaio. Não sacrifica inteiramente a outrem a sua independência de espírito e a sua vontade própria. Fouché (como Talleyrand) não se comporta como os restantes próceres do império e quando, como qualquer ministro lisonjeiro e servil, aceita ordens sem replicar, há uma diferença: não as cumpre. Se lhe é ordenado proceder a prisões com as quais não concorda, adverte dissimuladamente os interessados; se não consegue eximir-se à aplicação de ordens com as quais discorda, sublinha que o faz expressamente por vontade do imperador.

A política de Fouché durante o império subordinava-se ao axioma de que o «Império deveria ser o herdeiro da Revolução» e que o trono imperial foi erigido «não sobre os despojos, mas sobre as instituições da Revolução». Portanto cabe ao Império defender e perpetuar a obra da Revolução, isto é, a manutenção e o aperfeiçoamento das instituições que permitiam a liberdade económica, a eliminação das coacções feudais e a igualdade de oportunidades para toda a sociedade. Para tal é necessário um Estado forte. Nesse sentido Fouché reprime à esquerda, acusada de destabilizar a sociedade, e à direita, acusada de querer o regresso do “Ancien Régime”.

A sua relação com a religião católica é típica da sua política do “Juste milieu”. Defensor do Estado laico e da doutrina da neutralidade do Estado e da integral igualdade de todos os cultos, Fouché reprime as autoridades eclesiásticas que contrariam estes propósitos, prende os pregadores mais exaltados, etc.. Mas à medida que as relações do Imperador com a cúria romana se degradam e que este pretende uma maior repressão sobre o clero, Fouché protege o clero do que considera serem os excessos de Napoleão.

Quanto mais Napoleão se torna prepotente e autoritário, mais Fouché se torna amável e conciliador. Em vez de lhe dizer as verdades desagradáveis directamente, escreve-as em relatórios dizendo que «consta» ou «um embaixador terá dito», obrigando Napoleão a tragar a leitura de escândalos familiares e notícias cáusticas de forma impessoal. Não trai a mínima emoção quando Napoleão o ameaça: «o senhor é um traidor e eu devia mandar cortar-lhe a cabeça», respondendo placidamente «Não é essa a minha opinião, Sire». Dezenas de vezes ouve ameaças; dezenas de vezes é informado de projectos para o destituir e proscrever. Fica tranquilo pois sabe que no dia seguinte o Imperador o chamará novamente.

Este poder deriva de Fouché conhecer todos os podres do Império e os negócios sujos da família Bonaparte (histórias de jogo dos irmãos, os deboches de Paulina, as aventuras extra-conjugais do Imperador e de Josefina). Fouché vigia quer os inimigos do império, quer os amigos, quer o próprio imperador e apenas fornece as informações que considera oportunas.

Publicado por Joana às maio 31, 2004 09:45 AM

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Comentários

Comprou Josefina? Quanto foi, quanto foi?

Publicado por: Sargão às junho 1, 2004 11:48 PM

Como este tipo enrolou o Napoleão! Às vezes é fácil enrolar os génios. Estes não sonham estarem a ser enganados.

Publicado por: fbmatos às junho 2, 2004 01:00 AM

Conta-se esta história:
Napoléon : Vous avez été prêtre ?
Fouché : Oui, Sire
Napoléon : Et vous avez voté la mort du roi ? Fouché : C’est le premier service que j’ai rendu à Votre Majesté

Publicado por: Hector às junho 2, 2004 01:54 PM

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